Muito – e, ao mesmo tempo, muito pouco – se sabe sobre a origem do futebol no Brasil. Falar das primeiras atividades balopédicas em campos brasileiros é falar de Charles Miller, de Oscar Cox, do Sport Club Rio Grande, de Friedenreich, de Araken Patuska, do Germânia, do São Paulo da Floresta e de tantos dados que remontam ao final do século XIX e início do século XX. No entanto, pouco se comenta sobre aquele que pode ser considerado o primeiro clássico do futebol do país, envolvendo dois clubes que sequer foram fundados para a prática do futebol: Rio Cricket e Paissandu.
As origens da rivalidade estão na fundação do Paissandu, criado em 15 de agosto de 1872 por imigrantes ingleses com o nome de… Rio Cricket Club. Como o próprio nome indicava, a sociedade tinha como principal objetivo estimular e viabilizar a prática do críquete no Rio de Janeiro. Em 1880, o clube deixou sua sede no bairro de Botafogo e se mudou para o bairro do Flamengo – mais exatamente para a rua Paysandu, da qual adotou o nome. Foi então que o Rio Cricket Club passou a se chamar Paysandu Cricket Club.
A mudança não agradou alguns dos associados, que optaram por se separar do clube. Assim, em 1897, alguns dissidentes do Paysandu fundaram o Rio Cricket & Athletic Association, cuja sede ficava no bairro de Icaraí, em Niterói. Como decidiram homenagear o Brasil, os fundadores do novo Rio Cricket optaram por adotar uniformes verdes e amarelos, enquanto o Paysandu se vestia de azul e branco.
Rivais nos campos de críquete, as duas agremiações foram convidadas para disputar também a primeira partida de futebol da história da Guanabara. A iniciativa partiu de Oscar Cox, pioneiro da modalidade no Rio de Janeiro, que havia chegado ao Brasil no mesmo ano de 1897, aos 17 anos. Cox, posteriormente presidente do Fluminense, já vinha amadurecendo a idéia de fundar um clube de futebol em solo brasileiro, mas só conseguiu colocar o esporte em ação pela primeira vez em 22 de setembro de 1901.
Foi então que, pela primeira vez com regras, dois times se enfrentaram no Rio de Janeiro: exatamente os sócios do Rio Cricket (que hospedaram o jogo) e o Rio Team (formado por alguns sócios do Paysandu, por futuros fundadores do Fluminense e pelo próprio Oscar Cox). Cerca de 15 espectadores acompanharam o jogo, que terminou empatado por 1 a 1 – curiosamente, causando espanto nos presentes e na crônica esportiva, todos pouco acostumados a enfrentamentos que terminassem sem vitória.
Não demorou para que o futebol ganhasse entusiastas na capital federal, onde logo se fundaram novos clubes para a prática da novidade: Football & Athletic, Fluminense (que se chamaria Rio Football Club, e que precisou mudar de nome para não ser confundido com o Rio Cricket), Bangu, Botafogo (que aderiu ao futebol em 1904), Riachuelo e América, entre outros. Em 1906, foi então organizado pela primeira vez o Campeonato Carioca de futebol, com seis equipes disputando o título. O Fluminense foi o campeão, seguido de Paysandu e Rio Cricket.
A competição, organizada em dois turnos, marcaria os primeiros confrontos oficiais entre os dois co-irmãos, nas partidas que ficaram conhecidas como Clássico dos Ingleses. O Rio Cricket, porém, venceu o clássico do primeiro turno por WO, já que o Paysandu não compareceu à partida em Niterói. No segundo turno, na Rua Guanabara, nova vitória do Auriverde, mas com gols: 2 a 0, graças a Mutzenbecher e Stanichowsky.
O ano de 1907 não foi bom para os dois jovens times: enquanto o Paysandu foi o último colocado dentre os quatro participantes do Campeonato Carioca, o Rio Cricket sequer integrou o certame – o que só voltou a acontecer em 1908. Com campanhas discretas na ocasão, os dois clubes ficaram dois anos de longe do futebol, retornando apenas em 1911. O campeonato daquele ano, que começou com seis clubes, terminou com apenas quatro, em virtude do fechamento do Riachuelo e da saída do Botafogo (que se retirou em protesto às punições recebidas após as brigas no empate por 1 a 1 com o América). O Rio Cricket, porém, foi apenas o terceiro colocado, à frente do… Paysandu.
O protesto custou caro ao Botafogo, que foi afastado do Campeonato Carioca de 1912 pela Liga Metropolitana de Sports Athléticos (LMSA). Bom para os oito clubes que participaram da competição, e que não precisaram enfrentar um rival dos mais fortes. Enquanto o campeão carioca de 1907 (foto) e 1910 disputava com sucesso o campeonato da Associação de Football do Rio de Janeiro (AFRJ) contra Americano, Petropolitano, Germânia, Paulistano, Internacional e Cattete, o torneio da LMSA acontecia.
E se a saída do Bota foi boa para Paysandu, Rio Cricket, Flamengo, América, Fluminense, Bangu, São Cristóvão e Mangueira, foi especialmente proveitosa para o time azul e branco do bairro do Flamengo, que se sagrou Campeão Carioca de 1912. Em sua campanha, o time disputou 14 partidas (já que o Carioca continuou acontecendo no sistema de pontos corridos em dois turnos), vencendo 11, empatando duas e perdendo apenas uma. Contra o Rio Cricket, foram uma vitória (2 a 1 no Estádio das Laranjeiras) e um empate (1 a 1 em Icaraí). De quebra, o Paysandu ainda fez o artilheiro do certame: Harry Robinson, com 26 gols.
As boas campanhas, porém, terminaram por aí. Em 1913, ano do primeiro título do América, o Paysandu foi quarto, enquanto o Rio Cricket foi sétimo – o Campeonato Carioca contou com dez equipes. Em 1914, após a fusão da LMSA com a AFRJ, o Paysandu foi o pior dos sete clubes do torneio, duas posições abaixo do principal rival.
O Campeonato Carioca de 1914 marcou a despedida do Paysandu do futebol. No ano seguinte, quem deixou os gramados foi o Rio Cricket, que ainda fez sua despedida do Campeonato Carioca. O time foi lanterna, e precisou disputar uma eliminatória contra o Andarahy, valendo um lugar na elite. No entanto, como estava desfalcado de seus principais jogadores (que partiram para a Inglaterra para lutar na I Guerra Mundial), o clube não resistiu e foi derrotado pelo rival da rua Santa Isabel por 4 a 2 no terceiro jogo entre os dois – as duas primeiras partidas terminaram empatadas por 2 a 2.
Oficialmente, o Rio Cricket se desligou das competições em 16 de maio de 1917, retomando as atividades futebolísticas na década de 20, mas sem jamais integrar o profissionalismo. O Paysandu, por sua vez, passou por outros percalços desde seu adeus: mudou de nome duas vezes (Paysandu Athletic Club e Paissandu Atlético Clube) e mudando o endereço de sua sede outras duas: para Copacabana, em 1932, e para o Leblon, em 1953, onde se encontra até hoje.
E embora se dediquem principalmente às atividades sociais, ambos se reencontraram para um amistoso em 2006, comemorando os 105 anos da partida idealizada por Oscar Cox em 1901. O Rio Cricket conseguiu montar um time de associados, mas o Paissandu dependeu da ajuda do time do Tombense-MG, controlado pelo empresário Eduardo Uram, que cedeu todos os atletas para a escalação. No final, vitória por 2 a 1 do Paissandu no jogo realizado em Niterói.
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