Nascido na cidade de Treinta y Tres, no Uruguai, Sergio Ramirez D’Avilla passou boas tardes de garoto acompanhando o futebol brasileiro. Conta ele que na casa onde vivia era comum sintonizar uma rádio de Porto Alegre para acompanhar as notícias de Grêmio e Internacional. A distância entre a cidade natal e Jaguarão, no Rio Grande do Sul, 128 quilômetros, também favorecia uma proximidade com o solo brasileiro. Era relativamente mais comum vir ao Brasil que ir até Montevidéu, a capital do solo pátrio de Ramirez. São 289 quilômetros de estrada.
“A gente também via muitos times da fronteira ali de Bagé (interior do Rio Grande do Sul). Vinham fazer jogos amistosos e a gente via a qualidade dos jogadores. Embora equipes menores que Grêmio e Internacional, mostravam muita qualidade técnica. Então a gente tinha, sem dúvida alguma, muita informação. E nem se diga das equipes de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte”, conta Ramirez.
Entre as situações que chamavam atenção de Ramirez no futebol brasileiro estavam as chuteiras, distintas das uruguaias. “A gente era novo. Era diferente. Tinha uma qualidade melhor a chuteira brasileira. Lembro até que tinha aquilo que a gente chama de língua. Não tinha no Uruguai”, recorda.
Com algumas dessas referências, Sérgio Ramirez conta como passou a chutar bola. Fato iniciado em um esporte secundário ao futebol, mas que aprimorava jovens talentos. Trata-se do Baby Football, que pelo que cita Ramirez envolve, em média, garotada de oito a doze anos. “Era de crianças. Jogavam sete (garotos). Seis e o goleiro”. A modalidade futebolística tem tradição entre os uruguaios e chega a criar rivalidades acirradas entre os participantes e familiares.
Ramirez inclusive cita o futsal para comparar a tradição uruguaia com a brasileira. “Futebol de salão praticamente não tinha quando iniciei. Tinha esse futebol, que se chama Baby Football. Até hoje existe”, conta ele, que completa afirmando que no início não era parte dos jogadores de linha. “Comecei primeiro como goleiro”, conta. “Depois comecei a jogar na linha, jogava de zagueiro. Atrás, na lateral também”, completa.
Início
Esses jogos de Baby Football, inclusive, abriram portas para o futebol de campo. “Comecei a jogar na equipe de onze chamada Cruz Alta (equipe do bairro onde na cidade natal)”, conta ele, que no Uruguai ainda passou por Treinta y Tres, Liverpool, Rampla Juniors, Colon e Huracan Buceo.
Em destaque, Ramirez comenta um pouco sobre a última equipe listada. Foi por lá que ele ganhou a primeira grande chance da carreira. “Buceo é uma praia na capital. Era uma equipe desse bairro. Foi a equipe que me projetou pra jogar na Seleção Uruguaia, em 75. Joguei dois anos. Dessa equipe me transferi ao Flamengo no Brasil”.
No Rubro-Negro do Rio de Janeiro, Ramirez teve uma das melhores sensações de sua vida. Um dos duelos históricos do futebol brasileiro ocorreu em 1979. Naquele ano, Pelé vestiu a camisa do Flamengo para um amistoso contra o Atlético Mineiro no Maracanã, em solo carioca. A renda do duelo foi destinada para caridade. Ramirez garante que atuar pelo clube carioca ao lado de Edson Arantes do Nascimento foi uma das maiores honrarias que conseguiu.
“O Pelé jogou no Flamengo, um amistoso. Teve umas enchentes muito grandes em Minas Gerais e teve esse jogo beneficente no Maracanã. Um público que ultrapassou 140 mil pessoas. Foi um privilégio pra nós ter jogado com o Pelé. O Pelé já tinha parado de jogar, mas ele estava demonstrando o fino da bola ainda. Pra mim, foi uma coisa muito bonita. Até hoje a gente guarda essa lembrança, de ter tido esse contato com o rei Pelé por dois dias. Ele veio um dia antes pra treinar com a gente, no Flamengo. Treinamos na Gávea. Foi fantástico ver aquele astro, aquele rei, treinando com a gente”.
Sem desavença
Ramirez tinha tudo para ser persona non grata em solo brasileiro por uma desavença histórica. A seleção canarinho enfrentava o Uruguai, em 1976, quando um desentendimento entre as equipes ocorreu. Na ocasião, ele perseguiu Roberto Rivelino, um dos maiores ídolos do futebol nacional. Fato ocorrido dentro de campo e que ganhou os holofotes do esporte.
No entanto, o Brasil vai enfrentar o Uruguai pelas Eliminatórias da Copa do Mundo 2022 e aquele possível carrasco mudou a versão dos fatos. Para ele, essa confusão nunca foi um “cartão de visitas” e o que prevalecerá é a torcida por um bom futebol.
Ramirez tem residência fixa no Brasil, em Curitiba. É um sujeito simples e de amizade com a comunidade esportiva do futebol paranaense. Obteve nesse estado suas melhores oportunidades de manter a vida em harmonia, após o desentendimento com Rivelino.
A paz entre o uruguaio e o brasileiro, conta ele, foi totalmente confirmada cerca de uma década após a confusão. Em 1986 foi realizado um amistoso entre veteranos do futebol paranaense contra veteranos do futebol brasileiro. Foi mais uma oportunidade para confirmar que as mágoas foram perdoadas.
“Teve o jogo e o Rivelino veio jogar. Foi uma seleção de veteranos paranaenses contra a seleção do Luciano do Vale. Era uma seleção cheia de craques. Entre eles estava o Rivelino. Eu era um atrativo a mais”, conta, antes de completar. “Nunca tive a briga como cartão de visitas. Depois de parar de jogar futebol, eu me tornei educador, treinador de futebol”.
Pouco antes do “jogo da paz”, porém, ambos chegaram a se encontrar para deixar claro o fim das mágoas. Isso ocorreu na década de 1970, quando Ramirez jogava pelo Flamengo do Rio de Janeiro. Prontamente aproveitou para decretar que estava tudo bem entre ele e Rivelino. “Tivemos uma amizade concretizada logo que eu cheguei aqui no Brasil, pra jogar no Flamengo, no ano seguinte, em 77. Tive já esse contato”, conta.
Questionado, Ramirez acredita que o incidente com Rivelino teve influência da rivalidade proporcionada pelo Maracanazo – episódio de quando uruguaios venceram o Brasil na final da Copa do Mundo. “Acho que sim. Uruguai tinha vencido aquela Copa em 1950. Ficou aquela rivalidade. O Brasil buscando uma revanche, o Uruguai tentando mostrar ainda que foi o dono do Maracanã, aquela coisa toda. Sem dúvida alguma teve essa repercussão, um pouco mais em função daquele episódio fatídico pro Brasil e diria, assim, de glória para o Uruguai por ter vencido a Copa de 1950”.
Paranaense
O futebolista Sérgio Ramirez D’avilla nasceu no dia 24 de dezembro de 1951, em Treinta y Tres, Uruguai. Apesar de vir ao mundo no país vizinho, Ramirez fez carreira no estado brasileiro do Paraná. Jogou pelo Pinheiros (atual Paraná Clube, após fusão com o Colorado) e treinou variadas agremiações. Entre elas, Pinheiros, Colorado, Athletico Paranaense, Coritiba, Paraná Clube, Londrina Esporte Clube, Grêmio Maringá, Iguaçu de União da Vitória e Cascavel.
“Isso mesmo. Praticamente sou paranaense. Estou muito mais tempo morando em Curitiba, no Brasil, que em meu país. Já sou um paranaense legítimo. Até participei, depois quando parei, da comissão técnica da Seleção Paranaense”, conta Ramirez.
O início na profissão de técnico ocorreu no Pinheiros, último clube da carreira nos tempos de jogador. Atuou em campo até os 33 anos. “Sempre tive uma liderança muito boa, com isso uma situação que me dava privilégio de poder ter comando. Comecei no Pinheiros (a carreira de treinador, com apoio da diretoria)”, conta ele, que ainda jogador foi campeão paranaense pelo Pinheiros na década de 1980.
Grato ao Paraná, no sul do Brasil, Ramirez tem também na ponta da língua a programação predileta na região. “Curitiba é muito rica em tudo isso. Tem um que é o marco de tudo, que é o Parque Barigui. Ali você tem o lazer, tem o lado bonito do parque, o verde, o lago. Tudo pra poder se exercitar, fazer corridas, fazer churrasco, música, enfim. Sem dúvida alguma, um lugar que eu adoro estar em Curitiba”, comenta.
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