“Quanto tá esse jogo?”, perguntou minha esposa.
“Dois a um para a Arábia”, respondeu a moça sentada de lado à nossa frente, enquanto a Argentina atacava. “E olha que a Argentina teve uns gols anulados no primeiro tempo.”
A resposta dela foi rápida. A minha iria demorar um pouco mais.
“Eu estava só esperando para ver se não seria 2 a 2”, completei.
Foi o único diálogo que tivemos com a moça em questão ou com qualquer outra pessoa presente na recepção do laboratório onde estávamos, esperando para sermos chamados para o exame de nosso filho. Por todos os lados, outras pessoas nas recepções também esperavam as senhas nas TVs.
Mas as TVs das três recepções do térreo do laboratório estavam diferentes naquela manhã de novembro. De um lado, anunciavam senhas e guichês para atendimento. Do outro, exibiam qualquer que fosse o jogo da Copa do Mundo de 2022 – naquele momento, um Argentina x Arábia Saudita em Lusail.
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Os argentinos foram para o intervalo vencendo por 1 a 0, graças a um gol de Lionel Messi em um pênalti bastante contestável. No segundo tempo, porém, os sauditas surpreenderam: Saleh Al-Sheri empatou aos 3 minutos, enquanto Salem Al-Dawsari virou aos 8 minutos.
Nas cadeiras diante da principal TV, perto das máquinas de café e dos biscoitos oferecidos para quem faz exames em jejum, duas senhoras conversavam sobre o jogo. Uma delas dizia que o placar poderia ser mais elástico, provavelmente em referência à pressão do time de Lionel Scaloni no primeiro tempo.
De todos os lados, os pacientes observavam o jogo de maneira quase silenciosa. O rapaz de bermuda era o mais atento, ao lado do senhor de camisa azul, da moça ruiva e do jovem de boné. Uma mexida no celular e uma espiada na tela.
E nada de a Argentina empatar.
Já era o fim do segundo tempo quando o painel chamou a nossa senha, e nós subimos para o segundo andar do laboratório, à espera do exame de nosso filho. Na outra sala de espera, novamente a TV ligada no jogo – e, embora com menos gente nas cadeiras, o sufoco argentino concentrava as atenções.
O rapaz de barba por fazer parecia o mais atento. “Uia”, exclamou ele quando o camisa 9 da Arábia Saudita, Firas Al-Buraikan, aprontou um lance individual de inesperada plasticidade para cima dos marcadores argentinos nos minutos finais.
E por falar nos minutos finais, que pressão a da Argentina. Julián Álvarez arriscou em uma sobra da entrada da área, e só não empatou porque Abdulelah Al-Amri salvou em cima da linha. Depois, em meio a mais uma bola cruzada na área pelos argentinos, o goleiro Mohammed Al-Owais saiu para afastar e acertou uma joelhada no rosto de Yasser Al-Shahrani, que caiu desacordado.
“Nossa”, dissemos eu e o rapaz de barba por fazer em uníssono, enquanto o replay recuperava o lance – no momento, talvez nem a arbitragem tenha visto a gravidade do choque.
Faltavam quatro minutos para o fim do jogo quando fomos chamados para o exame. Foi rápido, e saímos quando os sauditas comemoravam.
“Dois a um?”, perguntei para o senhor que olhava a TV.
“Dois a um”, respondeu ele. Admito que esqueci de agradecer, e isso me incomodou.
A primeira zebra da Copa do Mundo de 2022 estava ali, comemorando um resultado inesperado. E aquela manhã no laboratório talvez seja lembrada no futuro na hora de contar histórias – não apenas pelo resultado em si, mas pela certeza de que qualquer lugar é apropriado na hora de ver um jogo de Copa do Mundo.
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