Em 2020, há 50 anos, a seleção brasileira conquistava seu tricampeonato mundial no México com um futebol que encantou o mundo. Mas, saindo do campo de futebol e olhando para a geopolítica da época, a seleção de El Salvador também chamava atenção, pois para estar lá precisou passar por três jogos e por uma guerra contra uma nação vizinha. Isso mesmo: é sobre essa história, a história da Guerra do Futebol que vamos falar hoje.
É meio inimaginável pensarmos que uma vaga para a Copa do Mundo vá gerar uma guerra. Na verdade, o conflito já estava praticamente certo, o futebol apenas entrou no caminho de El Salvador e Honduras.
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Sabemos que muitas vezes a rivalidade entre países vizinhos pode acabar culminando em algo maior, dependendo da situação. Pois bem, foi isso o que aconteceu em 1969 nas Eliminatórias das Concacaf para a Copa do Mundo de 1970. El Salvador e Honduras iriam disputar a semifinal para ver quem jogaria contra o Haiti e ficaria com a vaga no Mundial.
Os dois países na época já demonstravam um relacionamento bastante instável por conta de questões envolvendo imigração e disputa por terras. Apesar de Honduras ser 5 vezes maior do que El Salvador territorialmente, sua população na época era menor do que no país vizinho. Ainda estipula-se que cerca de 20% da população de Honduras tinha origem salvadorenha em 1969.
Para piorar, em 1967, uma reforma agrária aprovada pelo Congresso hondurenho tomou algumas terras que estavam ilegalmente em posse de imigrantes salvadorenhos, que terminaram expulsos do país.
Foi nesse contexto de ebulição que aconteceram as três partidas entre Honduras e El Salvador.
A primeira partida foi disputada na capital de Honduras, Tegucigalpa, com vitória dos donos da casa por 1 a 0, gol de Rigoberto Gómez. Inclusive o árbitro dessa partida foi o famoso juiz peruano Arturo Yamasaki que na Copa de 1970 apitou o chamado “Jogo do século”, a semifinal do mundial entre Itália e Alemanha, em que a Itália venceu ao final por 4-3, tendo sido este o único de todas as Copas do Mundo com cinco gols marcados na prorrogação.
Mas ai veio o segundo jogo em El Salvador e a seleção local venceu por 3 a 0, forçando um terceiro jogo em campo neutro, que viria a ser disputado no México. Relatos de violência, tanto dentro quanto fora de campo marcaram os jogos e a tensão entre o países, que já era grande, chegava a uma situação praticamente insustentável.
No terceiro jogo, a seleção salvadorenha conseguiu o triunfo por 3 a 2 na prorrogação e conseguiu assim avançar para final — a qual venceria o Haiti e se classificaria para a Copa do Mundo do ano seguinte. Os jogadores se abraçaram, apertaram as mãos e deixaram o campo. Três semanas depois, os países estavam em guerra.
Mesmo que a guerra em si tenha durado “apenas” quatro dias, o número de baixas foi de 3 mil mortos. Além disso, 300 mil salvadorenhos tiveram que deixar Honduras às pressas, mas em sua pátria-mãe não encontraram qualquer tipo de assistência e uma parcela passou a viver na extrema pobreza. Um tratado de paz foi assinado em 1980.
Fato é que foi a primeira participação de El Salvador nos mundiais, tendo perdido todos os jogos e não marcado nenhum gol. Anos depois, em 1982, o selecionado salvadorenho voltaria a participar de um Mundial, e novamente com uma marca negativa: a maior goleada da história das Copas ao perder por 10 a 1 para a seleção húngara. Enquanto anos mais tarde, a seleção hondurenha jogaria duas Copas seguidas — 2010 e 2014.
Fica a lembrança de algo que jamais gostaríamos que se repetisse e que espero que não se repita, ainda mais tendo em vista o cenário atual em que vivemos, afinal de contas, o futebol por mais que envolva muita coisa, por mais que seja um simples jogo, jamais vai ser maior que a vida e a integridade da pessoas.
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