Entre tantas edições emblemáticas do Campeonato Carioca, a de 1987 merece sempre atenção especial. Afirnal, marcou o primeiro título de Romário e de uma super geração vascaína do final dos anos 80.
Não foi só. Aquele ano marcou o último grande momento do Bangu, enquanto rolava uma verdadeira guerra nos bastidores da CBF – e logo após o rebaixamento (ou não) do Botafogo, que viria a ser um dos fundadores do Clube dos Treze, no Campeonato Brasileiro de 1986.
Naquele Carioca de 1987, 14 times jogaram em dois turnos, no sistema de pontos corridos. O time que somasse mais pontos em cada turno seria o grande campeão. Os campeões de turno se juntaram aos dois times de melhor colocação.
Mas ao contrário das edições mais recentes do Campeonato Carioca, em 1987, esses quatro times não jogaram uma semifinal geral, mas sim, um terceiro turno, também em pontos corridos. Os campeões de cada turno definiriam o título em um triangular, no qual quem somasse mais pontos seria o campeão. Os quatro últimos da classificação geral seriam rebaixados, uma vez que o campeonato voltaria a ter 12 times em 1988.
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O torneio começou ao mesmo tempo em que rolava o Brasileiro de 1986, no dia 8 de fevereiro. Para se ter uma ideia, enquanto Portuguesa e Goytacaz jogavam pelo Campeonato Carioca de 1987, o America ainda jogava pelo Campeonato Brasileiro de 1986, e vencia o Corinthians no Pacaembu. O Mequinha ainda foi semifinalista do Brasileirão, perdendo a vaga nas finais apenas para o São Paulo e só viria a estrear mesmo na temporada de 1987 no dia 7 de março, num empate em 0 a 0 contra o Botafogo.
O Brasileiro de 1986
A temporada começou atrasada desse jeito por causa de uma confusão jurídica que paralisou o Campeonato Brasileiro de 1986 por algumas semanas. E tudo envolvendo um time carioca.
Aquele Brasileiro tinha a presença de 44 times em quatro grupos de 11 times, que jogaram em turno único. Foi o último Campeonato Brasileiro no formato regionalizado e com classificação via campeonatos estaduais, uma vez que o Campeonato passaria a ser mais enxuto, com 24 times em 1987, 20 clubes em 1988 e com uma novidade: o rebaixamento. Neste caso, os times que fossem eliminados na primeira fase seriam automaticamente rebaixados.
Originalmente, o regulamento previa que os seis primeiros colocados de cada grupo, os quatro melhores independentemente de chave e os campeões dos quatro grupos do “Torneio Paralelo” – como ficou conhecida a Série B de 1986 – disputariam a segunda fase. Na segunda fase, os dois últimos colocados de cada chave (de um total de oito times) seriam rebaixados.
O imbróglio que atrasou a temporada do futebol brasileiro em 1987 foi gerado entre Joinville e Sergipe, times do Grupo B (o mesmo do Flamengo); o Vasco da Gama, do Grupo C; e a Portuguesa, time do Grupo D.
Na partida entre Joinville e Sergipe, o time sergipano perdeu pontos por causa de um caso de doping envolvendo o jogador Carlos Alberto. Os catarinenses ficaram com os pontos, como mandava a legislação da época. O problema é que isso afetou a classificação, uma vez que o Vasco seria desclassificado, e portanto, seria rebaixado. Eurico Miranda foi aos tribunais para devolver os pontos ao Sergipe, ao passo que a Justiça ordenou que Joinville, Vasco e Sergipe fossem classificados para a segunda fase.
Acontece que teríamos 33 times classificados – ou seja, um grupo de nove times e outros três grupos de oito. A CBF tentou tirar a vaga da Portuguesa, que embora fizesse uma excelente campanha na primeira fase (foi vice-líder no Grupo D), tinha uma pendência judicial com a entidade máxima do futebol nacional por questões de venda de ingressos. Só que o tiro saiu pela culatra, uma vez que os clubes paulistas ameaçaram boicotar o campeonato. Restou à CBF dar mais três vagas, a Santa Cruz, Sobradinho e Náutico.
Ao final da segunda fase, mais polêmica, já que os dois últimos de cada chave iriam ser rebaixados. E um destes oito rebaixados foi o Botafogo. As manchetes da época eram categóricas: o Botafogo foi rebaixado. Mas o final da história foi bem diferente.
Um Vasco x Flamengo cheio de astros
O campeão foi o Vasco, que sofreu apenas três derrotas ao longo da campanha. As derrotas foram para Fluminense (primeiro e terceiro turnos) e Bangu (segundo turno) Porém, no triangular final, o Vasco passou com 100 % de aproveitamento.
Naquela época, o Cruzmaltino começava a formar a espinha dorsal do time que viria a ser campeão brasileiro em 1989, com uma dupla de ataque matadora, que já jogava junto fazia uns dois anos, mas que foi desfeita em 1988: Romário e Roberto Dinamite. Juntos, os dois marcaram mais da metade dos gols vascaínos naquele campeonato: 31.
E o jogo que deu o título carioca de 1987 ao Cuzmaltino foi contra o maior e eterno rival Flamengo: uma vitória simples de 1 a 0, gol de Tita. O Vasco foi a campo com Acácio; Paulo Roberto, Donato, Fernando e Mazinho; Henrique, Luis Carlos e Geovani; Tita, Romário e Roberto Dinamite.
No outro lado, o Flamengo tinha um elenco muito forte e badalado. A começar por quatro remanescentes do título mundial de 1981: Andrade, Nunes, Cantarele e Zico. Também tinha quatro futuros tetracampeões do mundo: Zinho, Jorginho, Aldair e Bebeto. Kita, campeão paulista em 1986 pela Inter de Limeira, e Renato Gaúcho também faziam parte do grupo rubro-negro. Todos estes craques foram treinados por Antônio Lopes.
Sim, o Delegado, que é tido como um dos maiores técnicos da história do Vasco. A passagem dele foi rápida, durou poucos meses, mas foi a única vez que ele treinou o maior rival. O treinador flamenguista para o restante da temporada de 1987 e para o primeiro semestre de 1988 foi Carlinhos, ídolo rubro-negro nos anos 50 e que viria a ser o técnico de dois dos sete (ou oito) títulos brasileiros que o Flamengo possui: os de 1987 e 1992. Carlinhos viria a falecer em 2015.
Romário foi o artilheiro do Carioca de 1987, com 16 gols. Logo atrás, Roberto Dinamite marcou 15, e Tita marcou 12. Ou seja, dos 61 gols que o Vasco marcou ao longo do campeonato, 43 saíram dos pés do trio de ataque vascaíno. Completando a lista de artilheiros, uma dupla de um dos times mais memoráveis do Bangu: Paulinho Criciúma e Marinho, ambos com 11 gols cada.
A zebra de Itaperuna
O Porto Alegre, de Itaperuna, até que não fez feio na sua estreia na primeira divisão estadual. Quase foi rebaixado, somando 20 pontos, mesma pontuação da Cabofriense (com quem subiu junto em 1986) e do Olaria. Porém, o Azulão foi rebaixado nos critérios de desempate.
E logo no primeiro turno, a Águia deu uma amostra do que viria a aprontar com os times grandes nos anos seguintes. No dia 11 de março, o Porto Alegre venceu o Flamengo por 2 a 0 em Itaperuna. Detalhe: este jogo foi a estreia de Renato Gaúcho pelo Rubro-Negro carioca.
O Porto Alegre viria a se fundir com outros dois clubes em 1989. Desta fusão nasceu o Itaperuna Esporte Clube, que chegou até ser quadrifinalista da Série B do Campeonato Brasileiro no começo dos anos 90.
O outro time que subiu, a Cabofriense, acabou dando trabalho e tirando pontos do Botafogo. Nos dois primeiros encontros, uma vitória do Tricolor Praiano e um empate. Aliás, Porto Alegre e Cabofriense faziam o chamado “Fla-Flu do Interior”, uma vez que o time de Cabo Frio usava um uniforme idêntico ao do Fluminense. Inclusive, reza a lenda que o clube comprava camisas do Tricolor das Laranjeiras e só colocava o seu próprio escudo por cima.
Vale destacar: a Cabofriense em questão é a Associação Atlética Cabofriense, que havia se profissionalizado em 1982 e fechou após 1993. O atual clube, que foi fundado em 1997 e que hoje está na Série A2 do Campeonato Carioca se chama Associação Desportiva Cabofriense.
Ioiô rubro-verde
No Campeonato Carioca de 2021, a Portuguesa da Ilha fez uma campanha histórica. Foi terceiro lugar na Taça Guanabara, melhor campanha na história do clube. Mas, em 1987, a realidade era bem diferente.
A Lusa foi a lanterna, ficando em 14º lugar, somando apenas nove pontos. O time insulano venceu apenas uma vez, contra o Porto Alegre, no segundo turno, empatou sete jogos (e um destes empates foi contra o Botafogo) e perdeu 18.
Os outros rebaixados foram Mesquita (na época, time de Nova Iguaçu que estava na sua segunda participação na elite e que só voltaria à primeira divisão em 2008), Campo Grande e Olaria (que em 1988 decidiram em um jogo desempate quem subiria à elite em 1989, em um jogo vencido pelo Azulão).
A Portuguesa passou mais de 15 anos fora da elite. Bateu na trave duas vezes. A primeira em 1996, quando foi campeã, mas perdeu a vaga na repescagem para o Barreira (que depois virou o Boavista), e em 2000, quando também foi campeã, mas na seletiva para o campeonato de 2001, foi penúltima, ficando atrás de Serrano e Itaperuna. No campo, teve o mesmo número de pontos da Águia, mas ganhou apenas um ponto de bônus, enquanto o Rubro-Negro do Noroeste fluminense ganhou três.
A desforra só veio em 2003, agora com acesso direto em um quadrangular com Angra dos Reis, Goytacaz e Volta Redonda. Depois disso, a Lusa foi rebaixada em 2006, para voltar só em 2017.
Virada de mesa e Copa União
Vocês se lembram que o Botafogo havia sido rebaixado no Campeonato Brasileiro de 1986 por ter ficado entre os dois últimos do seu grupo na segunda fase? Pois bem: além do Fogão, também caíram, entre outros times, o Coritiba, campeão brasileiro de 1985 e que na época era o principal time do Paraná.
A CBF queria organizar em 1987 um campeonato de 28 times, com os 28 primeiros colocados do Brasileiro de 1986. O Botafogo, na tabela geral, foi 31º – ou seja, deveria disputar a segunda divisão. Acontece que o Alvinegro, alegando que o campeonato já estava desmoralizado, resolveu entrar na justiça comum, pedindo a sua inclusão na primeira divisão no lugar do Joinville, que terminou em 12º na classificação geral.
Para piorar, a própria CBF, em 7 de julho de 1987, disse que não tinha dinheiro para realizar um Campeonato Brasileiro mais enxuto e com maior duração. Com isso, deu sinal verde para que os clubes pudessem fazê-lo. E é aí que começa a polêmica.
O Clube dos Treze, ou a União dos Grandes Clubes do Futebol Brasileiro, foi criado quatro dias depois pelos 12 times de maior exposição e tradição nacional no meio deste imbróglio, liderados por Márcio Braga e Carlos Miguel Aidar, respectivamente presidentes de Flamengo e São Paulo. No entanto, os clubes eleitos eram do Sudeste e do Sul do Brasil.
O Conselho Nacional do Desporto fez apenas uma recomendação: incluir um time do Nordeste. E o time nordestino escolhido foi o Esporte Clube Bahia.
E não é que os clubes conseguiram com alguns telefonemas, patrocínios para este novo campeonato? A Copa União de 1987 foi um verdadeiro sucesso comercial, com parceiros como a Rede Globo, Volkswagen, Coca-Cola (que patrocinou 12 dos 16 participantes), Editora Abril (que fez um álbum de figurinhas) e a Varig, que foi a responsável pelo transporte aéreo.
A ideia era fazer um torneio com 16 times, sendo os fundadores do Clube dos Treze e mais três convidados. O problema foi justamente os convidados. Sem nenhum critério técnico, os dirigentes convidaram Coritiba, Goiás e Santa Cruz, observando os clubes de grande torcida e ignorando o retrospecto técnico. Com isso, deixaram de fora o Guarani (vice-campeão de 1986) e o America (semifinalista do mesmo campeonato). Por isso, o America se recusou a jogar o Módulo Amarelo em 1987.
Em campo, os quatro grandes do Rio jogaram o Módulo Verde. O Flamengo foi o campeão, mas e os outros três grandes? O Fluminense – que tinha alguns jogadores do time tricampeão carioca em meados da década, como o paraguaio Romerito e o Casal 20 Assis e Washington – ficou em sétimo lugar na tabela geral. No primeiro turno, ficou em segundo no seu grupo, a um ponto do Internacional. O Vasco ficou apenas em décimo lugar. Já o Botafogo (que no Carioca ficou em sétimo lugar) conseguiu ficar em nono. O Vasco não esteve ameaçado diretamente pelo rebaixamento, mas ficou a dois pontos da zona de repescagem.
No Módulo Amarelo, o Bangu fez uma excelente campanha, mostrando o nível técnico da “segunda divisão”. O Alvirrubro só conseguiu se classificar para as semifinais pelo fato do Sport ter terminado em primeiro no seu grupo em ambos os turnos – no segundo turno, o Bangu foi segundo lugar. O esquadrão de Marinho e Paulinho Criciúma vendeu caro a classificação para o Sport, que terminaria campeão.
Já a terceira divisão foi dividida em dois módulos. Os times do estado do Rio ficaram no Módulo Azul, e mais uma vez, os arquirrivais de Campos foram os representantes fluminenses. Só que quem sorriu foi a torcida do Americano. O Canão esteve em um grupo com Juventus da Móoca, Desportiva Ferroviária e Estrela do Norte, enquanto o Alvianil ficou num grupo com América-MG, Botafogo-SP e Tupi, sendo eliminado na primeira fase.
Nas eliminatórias, o Cano passou por Tupi e Botafogo, até chegar no triangular final, onde encontrou Juventude e Uberlândia. Um empate e uma vitória asseguraram ao Americano o seu único título nacional em mais de 100 anos de história. O Juventude daria o troco sete anos depois, nas semifinais da Série B de 1994.
Só que a CBF rasgou o regulamento dos módulos Azul e Branco na questão de acesso. Segundo matéria do Jornal do Brasil de 10 de setembro, os 12 melhores dos dois módulos seriam promovidos à Divisão Especial (Série B) de 1988. Porém, não havia clareza sobre quem iria subir. No final das contas, o Americano, como campeão do módulo azul, jogou a Divisão Especial. Já do lado azul da cidade, o Módulo Azul foi o último torneio nacional disputado pelo Goytacaz.
O Americano jogou o segundo nível de 1988 à 1998, voltou em 2001 e jogou a Série B pela última vez em 2002, caindo junto de Guarany de Sobral, Botafogo-SP, Bragantino, Sampaio Corrêa e XV de Piracicaba.
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