No dia 14 de dezembro de 2023, chegará ao seu final uma das obras mais aclamadas dos últimos anos. A série The Crown, produção da Netflix que estreou em 2016, segue os passos do reinado de Elizabeth II desde o seu casamento até os eventos ocorridos no início da década de 2000, e terá os seus últimos episódios da sexta e final temporada liberados.
Na produção, são abordados diversos assuntos, desde a relação com cada primeiro-ministro britânico a eventos de suma importância durante o reinado da monarca. Além disso, uma das grandes paixões de Lilybeth, como era conhecida por alguns mais íntimos, é destacada em alguns momentos: o hipismo.
Contudo, a série acaba por ignorar um pouco a relação da família real com o futebol, o esporte mais popular do mundo e cuja origem os ingleses reclamam. Mas nós aqui trataremos de falar um pouco sobre a relação da família real britânica com o esporte, a Copa do Mundo de 1966, o time preferido de alguns membros e também sobre um evento em específico que marcou negativamente o reinado da rainha.
Origens e a Football Association
O futebol surgiu em terras britânicas entre a metade e o final do século XIX, mas começou a ganhar força e notoriedade apenas no começo do século XX, quando a monarca que comandava o país era a rainha Vitória, da Casa de Hanover. Quando a rainha veio a falecer, em 1901, futebol e monarquia se uniram para uma homenagem a monarca, já que a Football Association decidiu paralisar todas as atividades do esporte por um mês.
Após a morte da rainha Vitória, seu filho Eduardo VII assumiu o trono, passado cerca de nove anos depois para George V, que fundou a Casa de Windsor, a mesma desde então aos dias atuais.
O rei George, avô da Elisabeth, achava que o futebol poderia se tornar um meio para estreitar a relação com a população, mesmo não sendo fã do esporte. Por conta disso, tornou-se figura frequente em eventos futebolísticos, sendo a primeira pessoa da família real britânica a comparecer em uma partida, em 1912.
E foi também ele que, em 1914, iniciou a tradicional cerimônia de entrega da taça da FA Cup por um membro da família real para o capitão do clube campeão, quando na época entregou a taça para Tommy Boyle, capitão do Burnley, que se sagrou campeão ao derrotar o Liverpool por 1 a 0.
Depois da morte de George V em 1936, seus dois filhos, Eduardo VIII (que abdicou depois de um ano) e George VI, passaram pelo trono britânico mas não possuíam relação próxima com o futebol. Curiosamente, foi durante o reinado do segundo filho – e pai de Elisabeth – que o presidente da Football Association passou a ser um membro da família real britânica, ainda que o cargo seja apenas honorário.
George VI acabou por falecer em 1952, algo inclusive muito bem explorado na primeira temporada da série The Crown, e passou a coroa para a filha mais velha, Elizabeth II, que logo no ano seguinte, mesmo ainda não tendo sido coroada oficialmente, marcou presença na histórica final da FA Cup de 1953, quando o Blackpool se sagrou campeão de maneira heroica ao reverter um placar de 3 a 1 para 4 a 3 diante do Bolton Wanderers.
Foi durante o reinado de Elizabeth, que a Inglaterra veio a sediar a Copa do Mundo, em 1966, sangrando-se campeã diante dos alemães em uma polêmica final. E foi das mãos dela que a Taça Jules Rimet foi entregue ao capitão da seleção inglesa Bobby Moore, no estádio de Wembley. A taça por muito pouco não pode ser entregue, já que havia sido roubada meses antes do Mundial e recuperada por um cão. A série acaba pecando neste sentido, ao ignorar um evento de tal magnitude e que marcou o período de reinado elisabetano.
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A tragédia de Hillsborough
Durante a quarta temporada da série, a trama tem como foco a relação de Elizabeth II com a primeira-ministra Margareth Thatcher, primeira mulher a assumir o cargo e também conhecida pela sua rigidez.
Neste período, inúmeros eventos marcaram a sociedade britânica, como o atentado que vitimou o tio do príncipe Philip, marido da rainha. Ou a Guerra das Malvinas, opondo britânicos e argentinos. Ou ainda o desaparecimento do filho de Thatcher durante a disputa do Rally Dakar, quando Mark Thatcher ficou perdido por seis dias no deserto sem comunicação.
Mas sem dúvida um dos momentos mais tensos da relação entre monarquia, parlamento e população, envolvendo o esporte mais popular do país e do mundo, foi a tragédia de Hillsborough, ocorrida em 1989.
Em uma década marcada pelo hooliganismo na Inglaterra, a Dama de Ferro, como ficou conhecida Margareth Thatcher, endureceu o relacionamento e tratamento dado aos os torcedores de futebol, muito em função do banimento dos clubes ingleses de competições europeias por conta de outra tragédia. Em 1985, no estádio de Heysel, em Bruxelas (Bélgica), pela final da então Copa dos Campeões, torcedores do Liverpool invadiram um setor reservado aos da Juventus, causando uma confusão que culminou na morte de 39 pessoas e 600 feridos.
O mesmo Liverpool viria a estar presente quatro anos depois na semifinal da Copa da Inglaterra contra o Nottingham Forest, em jogo disputado no estádio Hillsborough, em Sheffield, que tinha capacidade para 21 mil espectadores, mas recebeu mais do que isso na partida.
Com um número estimado de 5 mil torcedores tentando passar as catracas, e aumentando as preocupações da possibilidade de um esmagamento no lado de fora dos portões, a polícia, para evitar mortes fora do estádio, abriu um conjunto de portões, originalmente uma saída, que não tinha catracas. Isto causou um efeito contrário fazendo com que uma onda de torcedores entrasse no estádio. O resultado foi o pior possível, com milhares de torcedores entrando através de um estreito túnel indo diretamente para as já superlotadas duas divisões centrais do estádio, causando uma queda enorme na frente do campo, onde as pessoas estavam sendo pressionadas contra as grades pelo peso da multidão.
O desastre causou a morte de 95 torcedores do Liverpool, que morreram pisoteados, além de muitos feridos. Mais duas pessoas viriam a falecer posteriormente em decorrência do acidente, uma no ano seguinte e outra em 2021, mais de 32 anos depois.
Um relatório procurou determinar as causas da tragédia e apontou para o comportamento dos próprios torcedores, o que manchou a imagem tanto do clube quanto da cidade por muitos anos. Contudo, em 2012, um novo relatório foi realizado pelo governo e culpou o despreparo da polícia como principal causa, revelando uma adulteração das provas que tiravam a culpa da polícia, como as imagens das câmeras do estádio, além de mudarem cerca de 100 depoimentos para não incriminar os policiais.
O episódio foi apenas o estopim da já desgastada relação entre a população da cidade de Liverpool e o governo Thatcher, que havia decidido acabar com os sindicatos e diminuir os subsídios do governo para a indústria, além de perseguição por parte da polícia no combate aos moradores. Até os dias atuais, parte da torcida do Liverpool vaia o hino da Inglaterra quando tocado.
Outro foco da ira da população da cidade após o acontecido foi o jornal The Sun, que destacou em sua capa “The Truth”, afirmando que torcedores urinaram sobre os policiais e que as equipes de salvamento teriam sido agredidas durante o trabalho, sofrendo um forte boicote após isso. Em 2012, após o novo relatório ser divulgado, o jornal publicou uma capa com praticamente o mesmo título – “The Real Truth” – mas pedindo desculpas pelas notícias falsas.
Relação dos membros atuais com os clubes
Quem comanda – pelo menos de maneira honorária – a Football Association em 2023 é o príncipe William, filho do rei Charles e primeiro na linha de sucessão ao trono. William está à frente da associação desde 2006 e é, sem dúvidas, o mais engajado membro da família real em relação ao futebol.
E isso não é só em função do cargo que ocupa, mas também por ser um torcedor assíduo do Aston Villa, clube da cidade de Birmingham, a segunda maior em população do Reino Unido. Para se ter uma ideia do fanatismo, William não tem acesso às contas das redes sociais do Palácio de Kensington por conta dos tuites em comemoração às vitórias do Aston Villa na conta oficial do palácio. Já sua esposa, Kate Middleton, revelou em 2015 que torce para o Chelsea.
Mas de uma forma geral, os membros da família real já demonstraram torcer por vários clubes de futebol ao longo dos anos, com rumores de que determinados jogadores e treinadores influenciaram suas escolhas pessoais. Por conta da neutralidade adotada em vários quesitos, a grande maioria dos membros da família real evita mencionar para qual time torce ou possui maior simpatia, com exceção de William.
O atual rei, Charles III, revelou apenas em 2012 para qual time torcia, e para surpresa de muitos é um time bem inusitado: o Burnley. O monarca inclusive recebeu um ingresso VIP para a temporada e foi convidado a assistir seu time no camarote dos diretores, depois de elogiar o clube em um jantar para o British Asian Trust no Castelo de Windsor.
“Um consórcio de minhas instituições de caridade, incluindo o British Asian Trust, tem trabalhado em Burnley. Por isso, alguns de vocês perguntaram esta noite se eu torço por um clube de futebol britânico e eu disse ‘sim – Burnley’.
Já a sua falecida mãe, e protagonista da série The Crown, nunca revelou para qual time torcia, mas especula-se que a monarca fosse torcedora do West Ham desde a década de 1960. Porém, depois de conhecer Arsene Wenger num evento no Palácio de Buckingham em 2007, fala-se que a Rainha tem uma queda pelo Arsenal.
Wishing a very happy birthday to HM Queen Elizabeth II from all at West Ham United #Queenat90 pic.twitter.com/lyoEOqsL4H
— West Ham United (@WestHam) June 11, 2016
Harry, o filho mais novo do Rei Charles e da falecida Lady Di, envolto recentemente em polêmicas com a família real e tabloides, sempre foi mais discreto que o irmão em relação ao futebol, aparecendo apenas em alguns jogos da seleção inglesa ou em jogos de maior importância. Porém, em determinado momento revelou ser torcedor do Arsenal.
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