Não é uma cena rara. Quando surge um jogador de futebol talentoso e promissor, logo aparece algum personagem da vida dele pra dizer que “bom mesmo era o irmão dele”. Por algum motivo, esse irmão (ou primo, ou vizinho, ou amigo) em questão não seguiu carreira no futebol, e optou por outros caminhos. Muitos deles, porém, se deram bem na música, na literatura, na gastronomia, e até na religião. Muito melhor, aliás, do que provavelmente se dariam se tivessem seguido nos gramados.
Há diversos casos que merecem menção. Muitas personalidades do presente e do passado escondem uma juventude no futebol – às vezes promissora, às vezes apenas talentosa. Por isso, em uma lista breve e que dispensa maiores apresentações, o Última Divisão conta a história de grandes nomes da cultura geral e que possuem um passado – às vezes pouco conhecido – como promissores ou talentosos jogadores de futebol.
Jackson do Pandeiro (cantor e instrumentista)
Posição: goleiro (Treze-PB)
Nascido em Alagoa Grande (PB), Jackson do Pandeiro poderia ter sido um daqueles talentos tardios do futebol. No começo da década de 50, “Jackson” (na verdade, José Gomes Filho) morava em Campina Grande (PB) e torcia para o Treze. Foi quando conheceu Harry Carey, goleiro e ídolo do time. Com a aproximação, o goleiro apresentou também a bola ao novo amigo. Mesmo com mais de 30 anos de idade, Jackson superava o tipo físico franzino e a baixa estatura com muitos reflexos e elasticidade. No entanto, por sugestão do próprio Harry Carey, se afastou da bola para cuidar do seu já notável talento para a percussão.
Karol Wojtyla (Papa João Paulo II)
Posição: goleiro (sem clube)
Karol Wojtyla nasceu em 1920 e teve uma infância muito triste, mas também muito ativa. Durante a juventude, era goleiro no time de sua escola católica, que constantemente participava de jogos amistosos contra escolas judaicas. E mesmo com o período de antissemitismo que a Polônia atravessava, Karol Wojtyla costumava se oferecer para atuar como goleiro dos times judeus, quando estes compareciam com poucos jogadores. Além disso, era torcedor do Cracovia Kraków, especialmente na primeira metade do século XX, quando o time conquistou cinco campeonatos nacionais.
Julio Iglesias (cantor)
Posição: goleiro (Real Madrid-ESP)
Você já conheceu a história aqui, mas não custa relembrá-la. Iglesias era goleiro das categorias de base do Real Madrid. No entanto, um acidente de carro quando tinha 20 anos quase lhe tirou a vida. Preso a uma cama de hospital, ganhou um violão (presente de um enfermeiro), com o qual começou a cantar e tocar. Ao sair do hospital, mudou-se para a Inglaterra, onde estudou e começou a carreira como músico. Na volta à Espanha, venceu um festival, e nunca mais deixou a carreira nos palcos.
Café Filho (político)
Posição: goleiro (Alecrim-RN e Ateneu-RN)
Parece absurdo, mas é verdade: o primeiro potiguar a assumir a presidência da república também foi jogador. Aliás, não apenas isso. Em 1915, quando era apenas um adolescente, João Fernandes Campos Café Filho foi um dos fundadores do Alecrim, clube que leva o nome de seu bairro em Natal. Mais tarde, entre 1918 e 1919, defendeu o clube também em campo, no qual teria sido, segundo consta, um goleiro bastante razoável. Posteriormente, atuou ainda pelo Ateneu-RN, no qual teria sofrido seis gols em uma partida diante do América-RN – substituído, viu do banco a derrota por 22 a 0. Posteriormente deixou o futebol e seguiu a carreira política, que teve seu apogeu na década de 50: vice de Getúlio Vargas, assumiu a presidência em 1954, após o suicídio do presidente. Deixou o cargo no ano seguinte.
Albert Camus (escritor)
Posição: goleiro (Universidade de Argel)
O pai morreu quando ele era ainda uma criança. A mãe era parcialmente surda. Pobre, o argelino Albert Camus só teve acesso a uma educação de qualidade aos dez anos, quando foi aceito em um lyceé (uma espécie de ginásio do sistema de educação francês). Posteriormente, foi aceito também na Universidade de Argel, onde se destacou nas atividades físicas. Camus chegou a ser goleiro da equipe da faculdade, mas uma tuberculose em 1930, quando tinha 17 anos, o obrigou a uma mudança de planos. Mais tarde, em 1942, publicou “O Estrangeiro”.
Batoré (humorista)
Posição: lateral direito (Santo André, São Paulo, Saad-SP, Paulista e Ituano)
Ivanildo Gomes Nogueira, o Batoré, nasceu na cidade pernambucana de Serra Talhada em 1966. No entanto, sua carreira futebolística começou em clubes de São Paulo na década de 80. Após passar pelas categorias de base de Santo André e São Paulo, tentou se aventurar em equipes do interior, como Saad de São Caetano do Sul, Paulista de Jundiaí e Ituano. Sem títulos, abandonou a profissão e começou a investir mais seriamente no humor, o que lhe valeu uma vaga no programa “A Praça é Nossa”. Em 2008, foi eleito vereador na cidade de Mauá.
Genival Lacerda (cantor)
Posição: zagueiro (Treze-PB)
Cantor de forró dos mais conhecidos do Brasil, Genival Lacerda foi outro a tentar a sorte nos campos de Campina Grande. No final da década de 40 e começo da década de 50, quando tinha cerca de 20 anos, Genival chegou a atuar no time do Treze. No entanto, como o “ofício” não era bem remunerado, o então zagueiro magricela optou pela carreira musical. Resultado: sucessos como “Severina xique-xique”, “De quem é esse jegue?” e “Radinho de pilha”.
Capiba (músico)
Posição: zagueiro (Campinense e América-PE)
Lourenço da Fonseca Barbosa, o Capiba, é considerado o maior compositor de frevos da história do Brasil. Nascido em Surubim (PE), foi morar em Campina Grande aos 16 anos com a família. Lá, ao mesmo tempo em que estudava música com seu pai, o maestro Severino Atanásio de Sousa Barbosa, demonstrava também talento no futebol. Chegou a atuar na defesa do Campinense e do América-PE. No entanto, aos 20 anos, mudou-se para João Pessoa por pressão dos pais, que queriam que o jovem Lourenço se dedicasse mais aos estudos. Lá, mesmo contra a vontade dos pais, seguiu a carreira musical.
Nuno Leal Maia (ator)
Posição: lateral esquerdo (Santos)
Nascido em Santos, torcedor do Santos e apaixonado por futebol. Nada mais natural que o carismático Nuno Leal Maia tentasse a carreira no Santos Futebol Clube, do qual chegou a ser juvenil na década de 60 e onde atuou ao lado de Clodoaldo. Não chegou a se profissionalizar, e optou pela carreira artística. Mesmo assim, tentou nova sorte posteriormente – agora como técnico, passando por Londrina, Matsubara-PR, Botafogo-PB e São Cristóvão-RJ.
Jorge Benjor (músico)
Posição: volante (Flamengo)
Carioca e flamenguista, Jorge Duílio Lima Meneses nasceu e cresceu entre duas paixões: o futebol e a música. Chegou a integrar o time infanto-juvenil do Flamengo, mas logo optou pela outra paixão. Ganhou um pandeiro aos 13 anos, passou a cantar no coro da igreja aos 15 e ganhou um violão de sua mãe aos 18. O futebol? Hoje Jorge Benjor deixa apenas nas arquibancadas do Maracanã.
João Cabral de Melo Neto (poeta)
Posição: volante (Santa Cruz e América-PE)
Nascido no Recife em 1920, João Cabral de Melo Neto passou a infância no interior de Pernambuco, retornando à capital do estado apenas em 1930. Na década, chegou a atuar pelos times juvenis do América-PE e do Santa Cruz. No Santa, foi campeão pernambucano da categoria em 1935. No entanto, começou a trabalhar na Associação Comercial de Pernambuco em 1937, e passou apenas a torcer – no caso, pelo América-PE, clube que ajudou a tornar conhecido exatamente por sua paixão.
Breno de Melo (ator)
Posição: meia (Renner-RS)
Considerado a terceira força de Porto Alegre na década de 50, o Renner chegou a desbancar Grêmio e Inter em 1954, quando conquistou o título estadual. No elenco, além do goleiro Valdir Joaquim de Moraes, estava Breno de Melo, talentoso meia que foi negociado com o Fluminense em 1957. No Rio de Janeiro, foi descoberto pelo diretor Marcel Camus, que o convidou para ser o protagonista do filme “Orfeu Negro”, vencedor da Palma de Ouro de Cannes em 1959. Ainda participou de outros filmes, além de seguir pelos gramados, perambulando pelo futebol paulista. Posteriormente, retornou a Porto Alegre, onde faleceu em 2008.
Tom Cavalcante (humorista)
Posição: meia (Ceará e Fortaleza)
“Até jogador de futebol ele já quase foi”, diz a biografia no site oficial de Tom Cavalcante. Na adolescência, o cearense mostrou intimidade com a bola, e começou uma “carreira” séria como meia do time de juniores do Ceará. No entanto, o bom humor e a chance de conseguir um emprego na rádio fizeram com que ele dividisse seu tempo entre os campos e os microfones. Ainda passou pelo Fortaleza, e tentou se profissionalizar em clubes do Rio de Janeiro. Hoje, tem o futebol apenas como hobby.
Djavan (músico)
Posição: meia-atacante (CSA)
Nascido em 1949, o alagoano Djavan se orgulha de seu passado. Segundo o site oficial do próprio, “a música só veio a se revelar essencial para Djavan Caetano Viana na adolescência. O violão, aprendeu sozinho, olhando, ouvindo e acompanhando as cifras nas revistinhas do jornaleiro. Nessa época, ganhava a vida como meio-de-campo no CSA”. Aos 18 anos, animava bailes, clubes, praias e igrejas com o conjunto LSD (Luz, Som, Dimensão). Com o sucesso, optou por deixar de lado o futebol aos 19 anos, mas ainda apoia o clube em ações de marketing.
Otto (cantor)
Posição: atacante (Náutico)
Pernambucano de nascimento, Otto chegou a se aventurar nas categorias de base do Náutico. Na década de 80, foi centroavante do time juvenil do Timbu, mas sem sucesso. Paralelamente, integrou bandas como Nação Zumbi e Mundo Livre S/A como percursionista. No entanto, em 1989, deixou o futebol de lado e partiu para a França, onde passou dois anos trabalhando como músico. Era o fim de sua carreira no ataque.
João Nogueira (sambista)
Posição: atacante (clube desconhecido)
Nascido em 1941, João Nogueira morreu em 2000, durante uma apresentação. Em sua trajetória, nunca escondeu a paixão pelo Flamengo – regravou, por exemplo, o “Samba rubro-negro”, de autoria de Wilson Batista. Queria ser jogador de futebol, mas teve sua carreira interrompida entre as décadas de 50 e 60 em virtude de uma lesão.
Diogo Nogueira (músico)
Posição: atacante (Vasco, CFZ, Fluminense e Cruzeiro-RS)
Filho de João Nogueira, Diogo herdou do pai o gosto pelo futebol e pela música. No primeiro, passou pelas categorias de base de Vasco e Fluminense, além de atuar pelo CFZ. Em 2004, quando tinha 23 e fazia um teste para se profissionalizar pelo Cruzeiro-RS, sofreu uma grave lesão no joelho esquerdo, rompendo ligamentos. Diz a lenda que esse foi o recado do pai, já falecido, para que o filho trocasse o futebol pelo samba – o que não evitou, por exemplo, que ele estivesse em campo com o time de másters do Flamengo, em preliminar da partida entre Flamengo e Grêmio pela última rodada do Campeonato Brasileiro de 2009.
Marco Luque (ator e humorista)
Posição: atacante (Santo André, Rayo Vallecano-ESP e Numancia-ESP)
Ex-apresentador do programa “CQC”, Marco Luque começou a carreira nas categorias de base do Santo André em 1997, no qual não chegou a se profissionalizar. Naquele mesmo ano, aos 23 anos, foi levado por um empresário para a Espanha, onde passou seis meses no Rayo Vallecano. Em 1998, ficou outros seis meses no Numancia, de onde voltou no meio do ano. Sem sucesso no futebol, iniciou sua trajetória no teatro ao retornar ao Brasil.
Gordon Ramsay (chef de cozinha)
Posição: desconhecida (Oxford United-ING e Glasgow Rangers)
Aos 12 anos, o escocês Gordon Ramsay iniciou uma carreira promissora no Oxford United, atualmente na quinta divisão inglesa. Aos 15 anos, teve a grande chance da carreira ao trocar seu clube pelo Glasgow Rangers, contra quem havia jogado na FA Youth Cup. No entanto, uma grave lesão no joelho acabou atrapalhando seus planos. Ramsay ainda treinou machucado por alguns meses, mas o descuido na lesão acabou se tornando um agravante permanente. Manco, deixou o futebol aos 19 anos e decidiu tentar sua outra paixão: a culinária. Hoje, além de apresentar o programa “Hell’s Kitchen”, é um dos três chef de cozinha com três estrelas no mundialmente prestigiado Guia Michelin.
Steve Harris (músico)
Posição: desconhecida (West Ham United)
Na década de 70, durante sua adolescência, Harris esteve entre os juvenis do West Ham United. No entanto, os estudos de desenho técnico e a carreira musical falaram mais alto. Em 1975, aos 19 anos, formou o Iron Maiden, do qual é baixista até os dias atuais. Não por acaso, Harris tem o distintivo do West Ham aplicado em seus baixos, e ainda arrisca seu futebol em alguns intervalos de turnês da banda.
Niels Bohr (físico)
Posição: Goleiro (Akademisk Boldklub-DIN)
Nobel de Física em 1922, Bohr foi um dos grandes estudiosos da física quântica e revolucionou a maneira de entender o funcionamento das partículas subatômicas. Mas em 1905, aos 20 anos, ele era conhecido como goleiro do Akademisk Boldklub. Reza a lenda que ele abandonou as traves após tomar um gol ridículo enquanto estava distraído pensando em um problema matemático. Na mesma equipe jogava seu irmão mais novo, Harald, que chegou a defender a seleção da Dinamarca nas Olimpíadas de 1908, em Londres. Mais tarde, Harald também largaria o futebol e viraria cientista.
Vinnie Jones (ator)
Posição: Volante (diversos times)
Vinnie Jones ficou conhecido por filmes como Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes, Snatch e Eurotrip, mas também por protagonizar cenas desleais em campo. Jones, porém, teve bons momentos no futebol inglês, defendendo o Leeds e o Chelsea, e sendo campeão da FA Cup de 1988 pelo atualmente extinto Wimbledon FC. Isso tudo o levou à seleção galesa, onde disputou 9 partidas, mas sem ganhar nenhuma.
Rod Stewart (músico)
Posição: meia (Brentford-ING)
Rod Stewart nasceu em uma família apaixonada por futebol. Seu pai chegou a jogar em um time amador e o irmão tinha pôsteres de jogadores escoceses pendurados no quarto. Com talento para a bola, Rod foi capitão do time do colégio e aos 15 anos tentou a sorte no Brentford, então na terceira divisão inglesa. Acabou que ele não foi aprovado nos testes e decidiu se focar em uma outra paixão: a música. Sobre isso, ele disse em uma autobiografia: “A vida de músico é muito mais fácil (do que de jogador) e ainda posso ficar bêbado enquanto trabalho.”
Sean Connery (ator)
Posição: ponta-direita (Bonnyrigg Rose-ESC)
Aos 20 anos, o eterno James Bond teve uma passagem discreta pelo Bonnyrigg Rose. Só que, acredite se quiser, ele teria recusado uma proposta para jogar pelo Manchester United. Segundo a história, enquanto excursionava com uma peça de teatro, ele e seus colegas de elenco jogaram um amistoso em Manchester que tinha entre seus espectadores o então técnico do Red Devils, Matt Busby. Impressionado com sua forma física, ele chegou a oferecer um teste para Connery, mas o futuro 007 declinou pois achava que teria mais futuro e uma carreira mais longeva como ator.
E aí? Lembrou de algum que não foi mencionado aqui? Comente que acrescentaremos à lista.
Fotos e informações: Esporte Espetacular, blog Bola Vermelha (Breno Melo), jornal Vale Paraibano (Tom Cavalcante), Blog do Mequinha (João Cabral de Melo Neto), Terceiro Tempo (Café Filho), 7Sports Brasil (Marco Luque e Batoré) e Wikipedia.
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