O futebol de Maringá não é para incautos. Uma leve desatenção e você pode facilmente confundir o tradicional Grêmio de Esportes Maringá com o novo Maringá Futebol Clube, misturando ainda histórias sobre o Galo Maringá (mais tarde Galo ADAP) ou o Maringá Atlético Clube dos anos 90. Isso sem mencionar o Maringá Esportes Iguatemi, ativo na segunda divisão paranaense, e outros clubes quase homônimos de vida muito curta…
Não nos enganemos, a história deste artigo é referente ao mais bem-sucedido deles, o Grêmio de Esportes Maringá, tricampeão estadual entre as décadas de 60 e 70. Menos expressivo nos dias atuais, ele foi o pioneiro nos “clássicos do café”, disputando a primazia do interior com o rival Londrina Esporte Clube.
O caso é bastante controverso e obscuro, mas, acredite, o time maringaense – de certa forma – já foi campeão nacional em um torneio de elite e poderia ter sido o primeiro clube do Sul a disputar uma Libertadores. Se Boca e Liverpool cogitaram jogar um Mundial de Clubes pendente quase 40 anos depois, por que os paranaenses não poderiam (em tom de brincadeira, claro) pleitear uma vaga retroativa no grande torneio da América do Sul?
Tempos confusos
A verdade é que a Libertadores representava pouco para os brasileiros quando essa história se passou. O ano era 1969 e o país já havia boicotado duas edições da competição internacional (em 1966 e 69), por discordâncias sobre o regulamento e conflitos de datas. Não havia, portanto, definição sobre os critérios classificatórios e a então CBD (Confederação Brasileira de Desportos) buscava saídas criativas para indicar clubes ao torneio da Conmebol (quando indicava).
Dois importantes campeonatos nacionais aconteciam quase paralelamente: a Taça Brasil de 1968 foi decidida apenas em outubro de 1969, com vitória do Botafogo contra o Fortaleza. Dois meses depois, o Roberto Gomes Pedrosa terminou com título do Palmeiras. Hoje a CBF (herdeira da CBD) reconhece as duas taças como campeonatos brasileiros, mas nenhum dos regulamentos previa classificação à competição sul-americana.
A saída foi criar o “Torneio dos Campeões da CBD”, voltado a decidir o representante para a Libertadores de 1970. Como nada era muito lógico naqueles tempos, o campeonato foi disputado por equipes campeãs de 1968.
O Torneio dos Campeões
Santos (campeão do Roberto Gomes Pedrosa de 1968), Sport (Torneio Norte-Nordeste de 1968) e Grêmio Maringá (Torneio Centro-Sul de 1968) jogariam entre si para decidir quem enfrentaria o Botafogo (vencedor da Taça Brasil de 1968), valendo um lugar entre os grandes da América. O calendário apertado foi uma queixa desde o anúncio da competição, mas ainda assim ela começou.
Vale explicar que tanto o Torneio Centro-Sul quanto o Norte-Nordeste foram disputados por equipes ausentes dos campeonatos nacionais maiores. Para levantar o troféu regional, por exemplo, o galo maringaense superou Almirante Barroso (SC), União Bandeirante (PR), Santa Cruz (RS) e Villa Nova (MG). Os paranaenses, portanto, estavam muito longe dos holofotes e não viviam uma situação financeira confortável.
No primeiro mata-mata do Torneio dos Campeões, contra o Sport, a história conta que o presidente do Grêmio Maringá fez uma dívida pessoal de 20.000 cruzeiros para levar seus jogadores até Recife. O investimento, pelo menos, valeu a pena: vitória de 3 a 0 fora de casa e classificação para enfrentar o Santos.
Santos e Botafogo no caminho?
Foram dois jogos diante dos paulistas, com dois empates. Pelé foi poupado em ambas as oportunidades, mas outros jogadores históricos como o goleiro Gilmar, o zagueiro Ramos Delgado e o atacante Mengálvio chegaram a atuar em certos momentos. O equilíbrio do confronto forçaria um jogo desempate, que passou a ser tratado como uma decisão histórica pelos paranaenses.
A expectativa, porém, não era nada parecida entre santistas e botafoguenses, com outras prioridades àquela altura. Relegado desde o começo, o Torneio dos Campeões foi de vez desvalorizado quando a CBD anunciou um novo embargo na Libertadores de 1970, alegando a necessidade de enxugar o calendário para preparar a seleção antes da Copa no mesmo ano.
A notícia foi a desculpa perfeita para o Botafogo desistir da competição. O Santos demorou um tempo maior até se decidir, mas optou pelo mesmo caminho quando se desenhou a possibilidade de que disputasse três partidas no mesmo dia: contra a Ferroviária, no Campeonato Paulista; o Peñarol, na Recopa dos Campeões Intercontinentais e o Maringá.
Campeão por W.O.
Os santistas não foram a campo para o terceiro jogo e, com isso, o Grêmio Maringá foi declarado campeão do Torneio de Campeões da CBD antecipadamente, sem rival na decisão. Apesar da indiferença em quase todo o país, no Paraná a imprensa enalteceu o feito, batizando o troféu carinhosamente de “Robertinho”.
Resumindo: o campeonato criado para dar vaga à Libertadores foi esvaziado quando a CBD decidiu boicotar a competição sul-americana. Sem Santos (para decidir a semifinal) e Botafogo (que seria o rival na decisão), o Maringá foi considerado campeão por W.O.
Cerca de 40 anos depois, em 2010, quando a CBF unificou os títulos brasileiros desde 1959, o clube paranaense ensaiou entrar na justiça para ser considerado campeão nacional de 1969. A ideia, no entanto, foi bastante criticada e esquecida.
Hoje o Grêmio Maringá disputa a segunda divisão paranaense e muito pouco se comenta sobre o feito. Em raras oportunidades, algum personagem daquele time tenta resgatar um pouco da memória – como o ex-goleiro Maurício Gonçalves, que em 2010 falou do assunto com a Gazeta do Povo:
“Pelo torneio Centro-Sul, nós jogamos com times como o Villa Nova, de Minas Gerais . Depois de vencermos o Sport, era como se fossemos campeões da segunda divisão. Íamos enfrentar o vencedor da primeira [Santos], para ver quem seria o campeão geral. [Depois] o torneio parou e ficou por isso mesmo. Uns anos depois, o clube faliu, mudou a direção e não se comentou mais sobre 69. Ficamos sem ter algo oficial, esquecidos no meio do caminho”, declarou Gonçalves.
Contra esse esquecimento, listamos aqui os jogos da campanha daquele Grêmio Maringá, o galo original da cidade. É bem verdade que, na prática, o clube não pode ser considerado o primeiro paranaense campeão brasileiro, mas não resta dúvidas de que representou bem o Estado naqueles tempos.
A CAMPANHA
Torneio Centro-Sul 1968
Primeira Fase
União Bandeirante (PR) 0 x 0 Grêmio Maringá (PR)
Grêmio Maringá (PR) 4 x 0 Almirante Barroso (SC)
Grêmio Maringá (PR) 1 x 0 União Bandeirante (PR)
Almirante Barroso (SC) 2 x 2 Grêmio Maringá (PR)
Semifinal
Santa Cruz (RS) 4 x 3 Grêmio Maringá (PR)
Grêmio Maringá (PR) 7 x 0 Santa Cruz (RS)
Final
Grêmio Maringá (PR) 2 x 0 Villa Nova (MG)
Villa Nova (MG) 1 x 2 Grêmio Maringá (PR)
Taça dos Campeões da CBD 1969
Primeira fase
Grêmio Maringá (PR) 3 x 0 Sport (PE)
Sport (PE) 0 x 3 Grêmio Maringá (PR)
Segunda fase
Grêmio Maringá (PR) 1 x 1 Santos (SP)
Santos (SP) 2 x 2 Grêmio Maringá (PR)
Grêmio Maringá (PR) 1 x 0 Santos (SP) – placar definido pela CBD; Santos deu W.O.
Final
Contra o Botafogo (RJ), não realizada. Grêmio Maringá declarado campeão pela CBD.
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