No dia do aniversário do Corinthians, ano da fundação do São Paulo, com as cores do Palmeiras e o símbolo parecido com o do Santos, nasceu o Palestra São Bernardo – que comemora neste 1º de setembro 76 anos de história iniciada lá em 1935. Para entender mais sobre a história do tradicional clube do ABC Paulista, o Última Divisão traz uma entrevista com Leandro Giudici, que, do clube, só não é centroavante – mas se um dia precisar…
Jornalista de origem, se aproximou do clube pela profissão, em 2004, onde viu crescer a paixão pelo Palestra em meio à cobertura da rotina do futebol alviverde. Em 2006, tornou-se assessor de imprensa, fundou a torcida Loucos do Palestra, e se consolidou como o maior palestrino de uma geração.
Agora, mobiliza os torcedores ilustres em ações mais concretas para ajudar o time da quarta divisão do futebol paulista – a ideia é criar uma espécie de ONG que possa formatar ideias e ter espaço na diretoria do clube. Porque o que Leandro e a torcida palestrina querem é muito mais que sonhos do futebol atual como uma vaga na Libertadores ou um jogador relevado para o futebol inglês. “O Palestra é um sentimento”, define o apaixonado, que traça em detalhes as mais de sete décadas do alviverde batateiro. Confira a entrevista, feita (infelizmente, por problemas de agenda) por e-mail na véspera da data de fundação:
Última Divisão: Viajando da origem do Palestra ao que o clube representa hoje. Como você descreveria essa trajetória, com os altos e baixos da história?
Leandro Giudici: O maior troféu da vida do Palestra é estar vivo. O Palestra já nasceu de uma discordância.Um filho de italianos insatisfeito na sua antiga equipe. Está no nosso sangue ser contramão, ser teimoso e persistente. Quando o clube começou, o Esporte Clube São Bernardo (hoje também na Segunda Divisão, o quarto escalão do futebol paulista) já fazia certo sucesso, porque seus patronos eram pessoas endinheiradas da cidade, como era o Ítalo Setti, por exemplo. O Palestra era um clube de pessoas mais simples, mais acolhedor e aconchegante, por isso naquela época já despertava mais carisma. A italianada representava a grande massa, o proletariado. Eram filhos de imigrantes, mas tinham outros também, portugueses, alemães, negros. Quem ajudou o Alfredo Sabatini na fundação do clube foram dois portugueses, José de Jorge e Antonio Garcia. Um dos nossos maiores nomes chama-se Carlos Zimmerman, filho de alemães. Os negros eram bem recebidos no Palestra. Existia inclusive uma expressão, os “Pretos do Palestra” e o ‘PPP’ (preto, pobre e palestrino). Esse proletáriado, no entanto, tinha certa força política, afinal São Bernardo tem a maior colônia italiana do ABC e, também por isso, o Palestra era acaba sendo mal visto.
Quando o Palestra construiu seu campo na rua Marechal Deodoro (principal rua comercial do centro da cidade), onde hoje está a praça Lauro Gomes, o clube se consolidou, passou a dividir a cidade. O Alviverde jogou partidas profissionais ali, inclusive. Tinhamos o apoio de Tereza Delta, política de fibra na época e madrinha do clube, embora isso tenha pesado contra também. A tomada desse campo para a construção da praça foi um dos episódio mais tristes de todos, segundo grande maioria dos veteranos. O Gumercindo Ferreira da Silva foi defender a Tereza nessa briga e acabou morto em um tiroteio na calçada do campo. Em 2010, aprovamos a construção de um monumento em homenagem ao Palestra na praça. Será a primeira menção ao Palestra no local em 60 anos, desde que saímos.
Depois daquilo o Palestra quase acabou, juravam terem matado o clube, restaram meia dúzia de pessoas que se reuniam num bar e aquilo era o Palestra. Depois de 12 anos, o Palestra com muita persistência conquistou um barranco num matagal na Vila Ferrazópolis. Diziam que era impossível se ter um campo de bola ali. E aos poucos o clube foi ressurgindo das cinzas. Chanfraram aquela pirambeira e fizeram um belo campo. Mais adiante, fizeram a quadra, e aquilo foi crescendo, até que quando viram lá estava o Palestra incomodando novamente.
Não existia na cidade aquela cultura dos interioranos de se preocupar com o clube da cidade, a política sempre foi mesquinha aqui e sempre olhavam para as pessoas e o patrimônio do clube como algo que pudessem tirar proveito de alguma forma. Ameaçaram tomar a sede do clube por diversas vezes, mas sempre sem sucesso, porque alguns anos mais tarde o Aron Galante doou definitivamente aquela área ao Palestra.
Essa fase de ir atrás de sobreviver, ressurgir, estruturar e se tornar um clube poliesportivo nos fez perder muito tempo. Isso dificultou que chegássemos mais longe nas competições profissionais. Porém, no futebol amador da cidade o Palestra foi o maior clube. Era o mais venerado. Ganhamos sete vezes a hoje chamada Divisão Especial. Voltamos aos profissionais somente em 1986, veja só! Tínhamos ótimos times na década, formados em casa, gente do bairro, mas o profissionalismo é caro e por nossas dificuldades políticas e financeiras, que consomem muito nossas forças e sempre nos fez bater na trave.
UD: E qual cara tem o Palestra? O que foi e o que representa o nome Palestra São Bernardo?
LG: O Palestra é um sentimento. Não são as pessoas que fazem parte dele, porque elas passam. Já se foram três, quatro gerações desde o Sabatini. Não é uma sede social porque já ficamos um bom tempo sem ter uma, já ficamos abrigados em um barracão de madeira no fundo de um quintal. O clube é aquilo que as pessoas tem dentro de si. Sempre digo isso aos torcedores: amem o Palestra porque é isso que o manterá vivo.
A nossa insistência em existir incomoda muita gente. Tanto é, que se você pegar todos os demais clubes profissionais do município, somos o maior rival de todos. Do EC São Bermardo, do falecido Aliança e do São Bernardo FC (fundado em 2004, disputou a Série A-1 do Paulistão deste ano de forma inédita para a cidade, mas acabou rebaixado). Sempre batemos de frente com todos eles.
Nosso torcedor é o mais fiel da cidade. O Esporte perdeu seus torcedores por ter ficado quase dez anos parado recentemente. Deveriam pelo menos ter disputado o amador, como o Palestra fez em seus anos licenciado. Com o advento do São Bernardo FC, os que iam ao estádio migraram de vez. Quem vai aos jogos do São Bernardo FC não são torcedores no conceito da palavra, a grande maioria são curiosos. Torcem para o futebol da cidade, qualquer outro que estivesse lá (na elite), ainda mais com tanto apoio municipal, seria igual. Quem torce de fato pra eles é meia dúzia, assim como nós do Palestra. Mas a paixão é diferenciada, esse amor palestrino tem raízes, temos orgulho da nossa história, da nossa camisa, do nosso nome. É algo mais puro, mais apaixonante. Ninguém torce para o Palestra porque estamos bem em tal competição, porque é moda na cidade, porque existem faixas na cidade. Quem está desse lado é porque gosta, é puro amor.
Não se pode medir torcedor por números do borderô. A torcida do São Paulo é caseira, por exemplo. Vai pouco ao Morumbi e é a terceira do país. Em São Bernardo do Campo existem muitos palestrinos, desde vendedor de passadeira aos vereadores e gente tradicional. Isso porque o Palestra sempre foi muito acolhedor. Nas escolinhas do clube passaram muitas pessoas, isso mexe com os sentimentos. O Palestra faz parte do passado e da formação dessa gente. Se vão ao estádio ou não é outra história. Temos um carisma inexplicável, sentimos isso quando vamos ao interior e pelas lembranças da mídia vez ou outra.
UD: E quais os principais momentos do Palestra dentro de campo?
LG: Na década de 1940 o Palestra tinha excelentes times. Tinha o Waldemar Fogosa, que trocou o Bangu-RJ pelo Palestra, o Nandinho, que era craque, o Ferrinho (pai do vereador Admir Ferro), o Eurico de Azevedo Marques, que encerrou carreira no Palestra, Zezinho Toffanello, entre outros. Na década de 1950, o Nandinho comandava o time e surgiu o chamado “Meninos do Nandinho”, geração dourada, com Cyro Cassettari no gol, Felipe Cheidde, Samuel Abud, Cláudio Tofanello. Em 1960/70, o Palestra foi um fenômeno no futebol amador de São Bernardo, se degladiava com o Aliança Clube. Recebeu o Santos do Pelé na Vila Euclides, o Corinthians de Roberto Rivelino também. Que clube amador conseguiria trazer o melhor do mundo para sua cidade?
Em 1980 o Palestra não era apenas um clube de futebol, era uma potência no handebol, no vôlei, no tênis de mesa – Cláudio Kano e Hugo Hoyama passaram por lá – aeromodelismo (o clube foi pentacampeão sul-americano no esporte e viajou para três países: Inglaterra, Holanda e Alemanha). Foi o período que retornamos ao profissional. O time tinha Gemada, Luis Carlos Gaúcho, Zanata, Bó, Ling. Na década de 1990 o esforço se voltou ao profissionalismo e conseguimos nossos maiores feitos, revelamos bastante gente. Nossa vida é uma eterna superação!
UD: A decadência do futebol do interior, com cada vez menos representantes nas principais divisões nacionais, atingiu o Palestra de que maneira? Como o time foi sofrendo com a dificuldade do futebol moderno?
LG: Não compensa como antes investir na base, embora ainda seja a melhor saída. Antes, os bons jogadores conseguiam pelo menos trazer alguns frutos para seus clubes, como o Roberto Carlos ao União de Araras, por exemplo, o Rivaldo pelo Mogi Mirim. Hoje eles saem dos clubes com 16 anos, saem brigados como o Oscar deixou o São Paulo. Toda agremiação antiga passa dificuldades porque a concepção de clube era diferente, todos brigavam para ter um estádio, uma sede social. Hoje é puro negócio!
UD: E nisso surge o São Bernardo Futebol Clube…
LG: Hoje penso que eles não incomodam mais o Palestra em quase nada. Eles estão técnicamente um nível acima de nós. Mas a trajetória deles é muito diferente da nossa, se tivessem 76 anos sofreriam igual. Tudo que eles utilizam é patrimônio público: Clube da Volks, Associação, estádios do Baetão, Vila Euclides…
Não sou contra eles terem prioridade sobre a Vila Euclides, mas não como se fosse deles. O que ocorreu ali foi uma privatização sem licitação. Eles não podem proibir ninguém de jogar lá, aquilo é público, os outros também possuem direito. E não é porque pagaram reforma, como dizem. Se for assim, eu tapo o buraco da minha rua e ela passa a ser minha? Se o estádio é praticamente deles, deveriam liberar o Baetão mais vezes para os outros dois pelo menos. Tem jogo até de casados e solteiros lá e os clubes da cidade não podem treinar. Quando o Mauaense vai pegar ou Palestra ou Esporte Clube São Bernardo eles treinam lá também. Sem falar que os dois estádios são pintados de preto e amarelo (cores do São Bernardo FC). Isso é humilhante! Nos sentimos convidados dentro de casa. Mas não acredito que o Tigre (apelido do São Bernardo FC) se tornará tradicional um dia, e creio que jamais resistiriam ao que vivemos em sete décadas.
UD: Pra melhorar essa situação, qual o caminho? Como ser um time relevante no futebol atual?
LG: Apostar na tradição! O Palmeiras não é um time competitivo ultimamente, mas é o quarto do mundo que mais vende camisa da Adidas. Nosso trunfo é nossa história e muitos valorizam isso, só é preciso trabalhá-la como ação de marketing.
Isso para se captar recursos, para aí então se ter resultado em campo. Depois da campanha de 2009 (foi 5º lugar na Segunda Divisão Paulista, a quarta divisão do Estado), muita gente passou a querer jogar no clube. E o Palestra tem uma grande sede, mas isso é uma faca de dois gumes. Se mal aproveitada, torna-se um elefante branco, se bem utilizada, uma grande fonte de renda. E abrir as suas portas para gente nova. Pelas circunstâncias, o clube foi se encolhendo cada vez mais.
UD: Isso te importa realmente? Ainda sonha com um Palestra na elite, ou faz valer a torcida só pela própria existência do amor pelo clube?
LG: Nossa vida é uma eterna esperança, sempre pensamos que esse dia vai chegar, que o amanhã será melhor, que o sofrimento é passageiro. É difícil se manter na elite, mas ficaria muito feliz na Série A-2 (segunda divisão do futebol paulista), por exemplo. Sobreviver com honras, como sempre foi, é importante, mas não pode bastar. O pensamento tem de ser de crescer, de expandir, conquistar. Não quero apenas que meu filho seja palestrino, queria ver várias pessoas de verde e branco na rua, quero ver a cidade mobilizada em dias de jogos, que os adversários tenham medo de jogar em São Bernardo. Um clube de 76 anos com o peso histórico que tem não deveria mais estar na quarta divisão. No entanto, confesso que estar nos profissionais já nos alivia bastante.
UD: O que pensa do cenário atual no qual o Palestra é inserido? Clubes endividados, interior falido, falta de patrocínio, federação ausente…
LG: Falta muita coisa ao Palestra. Patrocínios, parceiros, mais gente que ame, e lógico, dinheiro. Resolve muitos problemas.
UD: Como torcida de fato, presente na arquibancada, como tem sido acompanhar o clube? O que dá pra falar dos resultados recentes, o que é o Palestra hoje no cenário da cidade, do estado e do futebol brasileiro?
LG: Tem sido sofrido. Nós nunca abandonaremos, mas há quem canse dessa situação. Você desvaloriza a marca, o clube vira chacota e isso para o torcedor é muito sério porque futebol é válvula de escape de muita coisa. O amor dessas pessoas é sincero, ele não ganha nada em troca.
Dentro da cidade já é complicado pelo fato de serem três clubes, sendo que pelo menos dois ocupam o mesmo espaço. A população não se identifica com as coisas daqui, por vários motivos. Um deles é que tem muita gente que não é daqui, outro motivo é a proximidade da capital. As pessoas não vivem São Bermardo, elas moram aqui, apenas. Ir ao Morumbi ou Parque Antártica é fácil, próximo, não é como no interior onde as pessoas assistem os grandes uma ou duas vezes por ano. A imprensa também tem papel importante nesse aspecto.
Mídia regional tem que ter papel de cobrir e de incentivar. E falta uma mídia forte, rádio ou televisão de peso que cubra e explore melhor a região. No interior tem o EPTV, aqui passa o SPTV. Não me interessa nem um pouco o buraco da rua em Pirituba, Jabaquara, Lapa. Gostaria de saber do trânsito na Faria Lima (rua central em São Bernardo), dos escândalos na Câmara da minha cidade.
UD: Para irmos terminando, 76 anos de Palestra São Bernardo: o que lhe vem à cabeça?
LG: Paixão! Ser palestrino é ser um abnegado.
UD: E o que precisa mudar para agora? O que espera do Palestra no 1º de setembro de 2012? E no futuro do futebol, o quanto valerá esse modelo de campeonatos paulistas esvaziados, apoio quase inexistente… Teme pelo futuro do Palestra? Com o que sonha para o clube?
LG: Sonho com um time redondo, pronto para subir, com bons apoios, sem ter que lutar simplesmente para viver. Os estádios vazios são consequeência de tudo, falta estrutura, faltam resultados, falta o clube empolgar mais também. Acabar é impossível, mas temo sim, precisamos ter oxigênio para crescer.
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