Senegal disputou sua primeira Copa do Mundo em 2002, quando superou qualquer expectativa e chegou às quartas de final. A equipe africana não era exatamente cotada para avançar em sua chave, na qual disputava vagas com França, Dinamarca e Uruguai, mas estreou mostrando a que veio e venceu a França por 1 a 0. O gol da zebra foi marcado por um jogador bastante simbólico, um coadjuvante em uma seleção coadjuvante: Pape Bouba Diop.
Nos prognósticos para a Copa do Mundo, França e Argentina eram apontadas como as principais candidatas ao título. Provável saco de pancadas, o Senegal tinha como destaque – ao menos em teoria – o atacante El Hadji Diouf. Porém, quando França e Senegal se enfrentaram na abertura daquele Mundial, em jogo no dia 31 de maio de 2002, coube a Bouba Diop protagonizar uma das maiores surpresas da história do futebol mundial.
Era bem provável que a França, então campeã europeia e mundial, abrisse o torneio com uma goleada. Mas não foi o que se viu naquele dia, em Seul: diante de um rival apático, o Senegal mostrava potencial, dando trabalho ao goleiro Barthez. Em uma dessas, aos 30min do primeiro tempo, o camisa 19 abriu o placar.
O lance foi rápido e letal. Após bola roubada no meio de campo, Diouf recebe passe longo pela esquerda, saiu da marcação, foi à linha de fundo e cruzou rasteiro para a área; o bola passou no meio das pernas de Marcel Desailly, bateu no pé direito de Emmanuel Petit, na mão direita do goleiro Fabien Barthez, e sobrou para Bouba Diop escorar, caído no chão, para as redes. Festa do meia, que correu para a bandeirinha de escanteio e tirou a camisa, colocando-a no chão enquanto seus companheiros dançavam ao redor.
Com o astro Zinedine Zidane poupado no banco de reservas, a França pressionou muito em busca do empate – ainda no primeiro tempo, David Trezeguet chegou a mandar uma bola na trave do goleiro Tony Sylva. Porém, com grandes atuações do camisa 1, e um esquema ofensivo sob supervisão do técnico (francês) Bruno Metsu, os senegaleses venceram por 1 a 0. Com dois empates nos jogos seguintes (1 a 1 com a Dinamarca e 3 a 3 com o Uruguai), os africanos passaram às oitavas de final com o segundo lugar do Grupo A.
Pensa que foi só isso? Senegal ainda tirou a Suécia nas oitavas de final, vencendo por 2 a 1 (Henri Camara marcou os dois gols, enquanto Henrik Larsson fez o dos suecos), antes de cair nas quartas de final diante da Turquia, perdendo por 1 a 0 (Ilhan Manziz fez o gol da vitória na prorrogação). Os turcos foram até as semifinais e terminaram a Copa do Mundo de 2002 como grande zebra, mas ninguém se esquece daquele histórico França 0 x 1 Senegal, decidido por Pape Bouba Diop.
OK, mas quem foi Pape Bouba Diop?
Nascido em 28 de janeiro de 1978, em Dacar, Bouba Diop jogou por pequenas equipes locais antes de estrear como profissional, aos 17 anos, pelo Jarraff – equipe pela qual atuava também o meia Henri Camara. Depois de três anos, trocou o Senegal pela Suíça, onde atuou por Vevey, Neuchatel Xamax e Grasshoppers entre 1999 e 2002. Campeão suíço pelo último clube em 2001, seguiu um destino recorrente dos jogadores africanos na Europa e foi atuar na França.
“Eu comecei a jogar futebol aos cinco anos, inspirado pelo meu irmão Lamine, que era um grande jogador em Dacar – onde eu cresci. Eu gostava de assistir à seleção senegalesa na TV, que era muito boa na época, e meu amor pelo jogo cresceu daí. De jogar nas ruas, então eu cheguei ao meio de campo de um time chamado Ndeffann Saltigue em 1994 (…) antes de chegar às categorias de base do Jarraff Dakar um ano depois”, contou Bouba Diop em seu site oficial. “Em 1996, eu cheguei ao time principal do Jarraff e passei a ser convocado às seleções de base. No entanto, o campeonato em minha terra natal não é profissional, então eu sempre tive o desejo de atuar na Europa. E isso logo se tornou realidade.”
Contratado pelo Lens em janeiro de 2002, marcou seu primeiro gol pela seleção senegalesa no mês seguinte, abrindo o placar na vitória por 2 a 1 sobre a Nigéria na Copa Africana de Nações. Foi seu único gol no torneio, mas o vice-campeonato do Senegal na CAN 2002 – vencida por Camarões – deixou uma boa impressão pré-Copa. Naquele primeiro semestre, ele ainda ajudou o clube francês a chegar ao vice-campeonato na França. Aí, chegou em seu melhor momento à Copa do Mundo e ajudou o Senegal a escrever um importante capítulo na história do futebol.
“A Copa do Mundo na Coreia do Sul e no Japão foi fantástica para mim e para todas no Senegal. Ainda que tenhamos chegado à final da Copa Africana de Nações no primeiro semestre, não havia pressão sobre nós porque éramos considerados azarões, uma equipe pequena sem quaisquer chances. Quando enfrentamos a França na estreia, estávamos em segundo plano na mídia, e aquilo trabalhou a nosso favor. Marcar o único gol daquele jogo, o primeiro do torneio, foi o maior momento de minha carreira. Foi um dia fantástico para todo o Senegal”, descreveu.
A campanha abriu as portas da Europa para diversos destaques da seleção senegalesa. Nos anos que se seguiram, El-Hadji Diouf saiu do Lens para o Liverpool, Aliou Cissé trocou o Montpellier pelo Birmingham, Henri Camara deixou o Sedan para assinar com o Wolverhampton, Khalilou Fadiga foi do Auxerre para a Inter de Milão, e Salif Diao trocou o Sedan pelo Liverpool. Bouba Diop não fugiu à regra, saindo do Lens e assinando com o Fulham em 2004. Logo na primeira temporada, foi eleito o melhor jogador do clube londrino.
“Não há motivos para que Bouba não se torne um dos melhores meio-campistas do Campeonato Inglês, e é isso que posso ver dele. Tenho observado Diop jogando há anos, e ele tem todos os atributos para se tornar um dos melhores na posição”, disse o então treinador do Fulham, Lawrie Sanchez, em 2007. Na ocasião, comparou o senegalês a nomes como Patrick Vieira e Roy Keane. A torcida chamava (carinhosamente?) o senegalês de “Armário”.
Porém, naquele mesmo ano, uma lesão atrapalhou os planos de Bouba Diop. No fim da temporada 2006/2007, ele deixou o Fulham para reforçar o Portsmouth. No novo clube, conquistou a Copa da Inglaterra da temporada 2007/2008; porém, com as dívidas e o rebaixamento ao fim da temporada 2009/2010, o senegalês deixou o clube rumo ao AEK Atenas sem nem sequer marcar gols.
O período marcava uma derrocada de Bouba Diop e de toda aquela geração do Senegal, fora da segunda Copa do Mundo consecutiva – uma “grande decepção”, segundo ele, que deixou de ser convocado em 2008. Já em declínio, Bouba Diop defendeu o AEK Atenas na temporada 2010/2011, antes de acertar com o West Ham na temporada 2011/2012 e com o Birmingham City na temporada 2012/2013 – justamente seu último clube.
Aposentado dos gramados, Bouba Diop morreu em 29 de novembro de 2020, aos 42 anos – segundo a imprensa europeia, após uma duradoura doença.
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