A cada quatro anos, a Copa do Mundo escreve a história dos maiores nomes do futebol mundial. Mas isso não quer dizer que sejam apenas os Pelés, os Maradonas, os Cruyffs, os Fontaines e os Ghiggias que escrevem cada um destes capítulos.
Nomes secundários já deixaram a figuração e fizeram parte desse panteão. Afinal, é este o período em que a glória está mais próxima de cada nação classificada, cada jogador convocado.
Para relembrar estes personagens, o Última Divisão inicia aqui uma série de pequenos perfis de nomes que foram destaque em Copas do Mundo, mesmo sem terem figurado entre as atrações mais esperadas de suas respectivas. Astros de pequenas seleções, protagonistas de zebras, caras certos nos momentos certos. Eles não foram campeões, mas, de certa forma, não dá para contar a história das Copas do Mundo sem relembrá-los.
A série do blog começa com o camisa 10 da Arábia Saudita nas Copas do Mundo de 1994 e 1998. Na primeira, foi sensação; na segunda, um astro decadente. Para abrir a série “o que você fez além de sucesso?”, fica a pergunta:
Você se lembra de Owairan?
Estreante em Copas do Mundo, a Arábia Saudita chegou aos Estados Unidos pronta para ser o saco de pancadas do torneio – só que ninguém avisou isso aos sauditas, comandados pelo técnico argentino Jorge Solari. Na estreia diante da Holanda, a equipe chegou a sair na frente com o gol de Fuad Amin no primeiro tempo, mas levou a virada no segundo tempo. Wim Jonk e Gastoun Taument marcaram para os holandeses.
No segundo jogo, a Arábia Saudita aprontou sua primeira surpresa e venceu o Marrocos por 2 a 1, com gols de Sami Al-Jaber e Fuad Amin – Mohammed Chaouch descontou. Deste forma, embolou o Grupo F após duas rodadas: a Bélgica liderava (6 pontos), à frente de Holanda, Arábia Saudita (3 pontos cada) e Marrocos (0 pontos).
Na última rodada, em 29 de junho de 1994, os holandeses venceram os marroquinos por 2 a 1 e se classificaram para as oitavas de final. Enquanto isso, no Robert F. Kennedy Memorial Stadium, em Washington, a Bélgica enfrentava a Arábia Saudita para confirmar seu favoritismo e encerrar a primeira fase com 100% de aproveitamento.
E é aí que entra Saeed Owairan.
Logo aos 5min do primeiro tempo, após uma bola perdida no ataque pela Bélgica, Owairan recebeu o passe. De seu campo de defesa, o camisa 10 arrancou pela esquerda, deixou Dirk Medved para trás, correu em diagonal na direção da defesa adversária, escapou do carrinho de Michael de Wolf na intermediária e entrou na área; mesmo marcado pela dupla Rudi Smidts e Philippe Albert, tocou na saída do goleiro Michel Preud’homme e, quase caído, marcou o gol que garantiu a vitória – e a classificação – do time árabe.
Segunda colocada da chave, a Arábia Saudita chegou às oitavas, e foi eliminada ali pela Suécia por 3 a 1. Mesmo assim, o golaço de Owairan entrou para a história das Copas do Mundo. Exemplo disso: em eleição promovida pela Fifa para apontar o gol mais bonito dos Mundiais no Século XX, o camisa 10 da Arábia Saudita foi apontado o sexto colocado, superando rivais como Roberto Baggio, Lottar Matthaus e Enzo Scifo.
OK, mas quem foi Saeed Owairan?
Nascido em Riad, capital da Arábia Saudita, em 19 de agosto de 1967, Saeed Al-Owairan começou sua carreira nas categorias de base do Al-Shabab, clube pelo qual se profissionalizou e no qual jogou durante toda sua carreira como profissional. Promovido ao time principal em 1988, o meia-atacante conquistou o tricampeonato saudita em 1991, 1992 e 1993. No segundo título, foi o artilheiro do campeonato com 16 gols.
Convocado pela seleção pela primeira vez em 1991, Owairan chegou à Copa do Mundo de 1994 como o principal talento da Arábia Saudita. Com o gol diante da Bélgica, a fama de Owairan explodiu: apelidado de “Maradona Árabe”, em referência ao gol do argentino contra a Inglaterra na Copa de 1986, o meia do Al-Shabab passou a estrelar comerciais de diversas marcas na Península Arábica, além de faturar o prêmio de melhor jogador da Ásia naquele ano. No desembarque da delegação, o rei Fahd bin Abdulaziz Al Saud deu ao jogador um carro de luxo
A partir daí, porém, a trajetória do jogador entrou em declínio. Durante o Ramadã de 1996, deixou a concentração do Al-Shabab e foi flagrado em uma boate no Egito bebendo com garotas de programa russas, o que lhe custou um afastamento de um ano dos gramados. Neste intervalo, condenado por conduta imprópria, ficou preso por seis meses – o período varia de um mês a um ano, dependendo da fonte consultada.
“Eu estava com alguns amigos, mas a coisa explodiu porque eu era uma celebridade”, contou ele em entrevista ao jornal The New York Times, publicada em 1998. Fora da Copa da Ásia de 1996, na qual os sauditas foram campeões, Owairan voltou ao time em 1997, a tempo de disputar a Copa das Confederações de 1997 e a Copa do Mundo de 1998. Passou em branco nos dois torneios, e viu a seleção abandonar ambos ainda na fase de grupos.
“Estar suspenso por um ano foi ano foi a pior punição que eu sofri (…). Eu me sentia muito pior quando eu via a seleção jogar. Eu queria estar com eles, porque eu sabia que meu papel era estar com eles”, declarou, ainda ao NYT. Nesta fase, a expectativa de jogar no exterior já havia ido pelo ralo – além da indisciplina, pesavam contra ele a forma física decadente, as expectativas criadas pelo golaço de 1994 e as rígidas leis das autoridades sauditas, que dificultavam tentativas de atletas que queriam jogar no exterior.
“Vi aquele gol umas mil vezes até agora, e estou honestamente satisfeito”, disse Owairan em 1998. “Aquele gol contra a Bélgica foi uma faca de dois gumes para mim. De alguma forma, foi ótimo; de outra, foi horrível, porque me colocou nos holofotes, e todo mundo passou a se concentrar em mim”, disse o jogador, que não foi mais chamado para a seleção saudita a partir de 1998. No final de 1999, aos 32 anos, decidiu pendurar as chuteiras, também pelo Al-Shabab.
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