Você já viu o time da sua cidade ser campeão?
Para quem mora em capitais ou em eventuais municípios de médio porte, a pergunta pode não fazer muito sentido. Não raro, tais localidades têm mais de um time, que figuram entre as principais forças do estados. Para o torcedor, nem sempre o clube é visto como uma representação local e de sua população.
Em cidades menores, porém, o vínculo é diferente.
Eventualmente, tais municípios têm apenas um clube em campeonatos. Nestes, subir de divisão não é vergonha, mas uma meta. Enfrentar as principais potências do estado não é um fardo, mas um sonho. Ganhar um título é possível – mas longe dos olhos das grandes torcidas.
Por isso, vencer um campeonato é sempre um momento especial para o time de uma cidade menor. Os telejornais esportivos não vão exibi-lo em rede na hora do almoço, e os canais de TV por assinatura não vão debatê-lo nas mesas redondas noturnas. Mas as fotos estarão no jornal local, a notícia será repercutida na rádio AM e a façanha será sempre lembrada na memória dos moradores mais velhos.
Neste cenário de restrição, Presidente Prudente (SP) também tem sua história.
Distante 580 km da capital paulista, a cidade viveu seu auge futebolístico entre o fim da década de 1950 e a segunda metade da década de 1960. Foi nessa época que o Corinthians local disputou pela única vez a elite bandeirante; foi também neste período que a Prudentina faturou dois títulos de divisões anteriores e desfilou sua camisa tricolor na primeira divisão estadual.
Porém, desde o auge dos apeanos, do título da então Primeira Divisão em 1961 (abaixo da Divisão Especial) ao rebaixamento em 1967, os prudentinos pouco puderam comemorar. Surgiram novos times, como o Presidente Prudente (de 1989) e o Prudentino (de 2001), mas que não passaram nem perto de repetir os feitos dos times mais famosos da cidade.
Ainda assim, houve um último registro de glória do futebol de Prudente. Veio em 2007, com o Oeste Paulista Esporte Clube – também conhecido pela sigla Opec.
Naquele ano, o time – fundado em 2005 – conquistou a quarta divisão do Campeonato Paulista. Na finalíssima do torneio, em 11 de novembro, recebeu a Itapirense no então Estádio Eduardo José Farah, que desde 2013 se chama Estádio Paulo Constantino. E não decepcionou: venceu por 2 a 1 e conquistou o troféu.
Nós estávamos lá naquele domingo nublado, e contamos como foi o embate entre os laranjas do Oeste Paulista e os alvirrubros da Itapirense. Em jogo, a taça da Segunda Divisão do Campeonato Paulista.
A campanha até a finalíssima
Eram nada menos do que 48 times, representando todo o estado de São Paulo naquele que talvez seja – ainda hoje – o maior campeonato estadual do país. E isso porque a Segunda Divisão é equivalente apenas à quarta divisão do Paulistão – está abaixo das séries A-1, A-2 e A-3. Para situar vocês do tamanho deste campeonato, à época, cada uma das divisões superiores tinha ‘apenas’ 20 times.
Os 48 times foram divididos em seis grupos regionalizados com oito equipes cada, de forma que nenhuma equipe mais fraca tenha que atravessar o estado logo de cara. O Oeste Paulista estava no Grupo 1, ao lado de Tupã, Atlético Araçatuba, Ranchariense, Presidente Prudente, Assisense, Ilha Solteira e Paraguaçuense. Com 10 vitórias e dois empates em 14 jogos, o Opec passou pela primeira fase como líder da chave, sem muitas dificuldades.
Houve facilidade também na segunda fase, quando o time terminou o Grupo 7 na primeira colocação. Para trás, ficaram Atibaia, Inter de Bebedouro, Velo Clube, Elosport e Osasco FC. Foram 10 jogos, com seis vitórias e dois empates. Desta forma, o clube já estava entre os oito melhores da divisão, e bem próximo do acesso à Série A-3.
A participação no Grupo 11 começou bem, com um empate fora de casa (2 a 2 contra o Ecus) e duas vitórias em casa (2 a 1 no Força e no Lemense). A coisa complicou quando o time perdeu duas partidas fora de casa (3 a 0, novamente frente ao Força e ao Lemense), mas uma vitória por 2 a 1 no Esporte Clube União Suzano em pleno Prudentão garantiu o time no módulo superior do Paulistão. De quebra, uma combinação de resultados deu à Laranja Mecânica a liderança da chave e a chance de disputar as finais contra a Itapirense, líder do Grupo 12.
As duas equipes empataram em 1 a 1 o primeiro jogo em Itapira e o título seria decidido em Presidente Prudente. O Opec jogaria em casa, com a vantagem do empate (por ter feito melhor campanha na primeira fase) e como favorito à vitória. Uma derrota teria uma proporção tão cataclísmica que a eventualidade poderia facilmente ser chamada de Prudentanazo.
Bateria e avalanche no frio do domingo
Na época, eu dei sorte de tirar folga no trabalho – um estágio no terceiro ano da faculdade, na verdade – e decidi que seria a oportunidade de acompanhar o time da minha cidade no dia mais importante de sua curta história. Era a primeira vez que eu assistiria o Opec in loco – em uma ocasião anterior, com um amigo, fomos impedidos em cima da hora por um problema mecânico no carro.
Com outro amigo, cheguei ao Estádio Prudentão com um pouco de atraso, e ainda encaramos fila para comprar o ingresso a R$ 5 – embora fosse decisão de título, os preços continuavam bastante acessíveis. Quando adentramos o setor verde do palco do jogo, nos deparamos com umas 5 mil pessoas (embora o boletim financeiro anuncie apenas 673 ingressos vendidos) e com o jogo rolando.
De um lado, Michael; Nuno, Ramon e Thiago Lobó; Rodriguinho, Jordi Guerreiro, Juninho, Vitor, Itamar; Jaime e o artilheiro Tarabai representavam o time da casa, comandado por Juliano Gerlin. Do outro, Evandro; Richard, Dinho, João Paulo e Dick; Batista, Willian, Veiga e Marcinho; Ricardinho e Faísca atendiam às ordens de Paulinho Ceará, treinador da simpática Esportiva Itapirense. O árbitro era Élcio Paschoal Borborema.
O jogo começou morno e pouco contrastava com o dia frio. Como a pouca ação em campo se resumiam às tentativas de Itamar, era bem mais legal observar a movimentação do estádio. A torcida do time da casa tinha duas baterias para incentivar: a primeira era composta basicamente por adolescentes chatos que fingiam que tocam; a segunda, bem melhor, morava perto do estádio e manjava mais dos tum-qui-ti-cum-dum.
Os cantos da torcida não divergia muito dos que são copiados das organizadas de São Paulo ou dos clássicos “lêêêê, lê-lê-ô, lê-lê-ô, lê-lê-ô, lê-lê-ô, Oeste!”. No fosso do Prudentão, a molecadinha se divertia brincando de rebelião em um quiosque desativado e com cara de cadeia de festa junina.
O jogo esteve desanimado até os 34 min da etapa inicial, quando Tarabai arriscou um chute de longe que o goleiro Evandro aceitou. Delírio da torcida laranja, que promoveu uma bizarra avalanche em um estádio vazio, rumo ao alambrado. Do outro lado do estádio, no setor amarelo ocupado pela torcida itapirense, a garrafa gigante de Guaraná Funada tentava se animar.
O apoio do guaraná fez efeito, e a Itapiriense empatou três minutos depois, em cabeçada indefensável do craque Faísca. O resultado ainda dava o título ao Oeste Paulista, mas a sensação de Maracanazo Caipira começava a preocupar alguns dos torcedores.
Até que Élcio Paschoal Borborema encerrou o primeiro tempo. Ufa!
Tietagem no intervalo
Os 20 minutos entre um tempo e outro serviram para dar uma volta pelo agitado Prudentão. A certeza de encontrar um conhecido era grande, mas não houve nenhum encontro inesperado no intervalo. De fato, a programação do intervalo se resumiu quase que inteiramente à compra de uma garrafa de Guaraná Funada. Um dos quiosques do estádio vendia a camisa nova do Opec a R$ 60, enquanto um palhaço da Prefeitura (!!!) distribuía bandanas, solenemente rejeitadas pela torcida.
A curiosidade daquele entretempo foi o registro de um tiozinho com a camisa do Novorizontino – o original, vice-campeão paulista em 1990. Considerando-se que o time está licenciado do futebol profissional desde 99 e já foi substituído pelo Grêmio Novorizontino, encontrar uma camisa aurinegra por aí era (e continua sendo) uma verdadeira raridade.
Como a cena era rara, interrompi a conversa do tiozinho com um amigo e pedi para tirar uma foto. Ele topou e fez pose comigo. Comovido, eu convidei o amigo dele para sair na foto com a gente. Péssima idéia.
Enquanto isso, a ação no campo estava prestes a retornar a plenos pulmões. Antes que perdêssemos o apito inicial, meu amigo e eu corremos para os nossos lugares – não que faltassem outros até melhores na arquibancada, longe disso. Os 45 minutos finais estavam prontos para se desenrolar.
O pênalti para a história
A etapa decisiva, mais uma vez, foi mais de observação do que de futebol. A imberbe organizada continuava com seus cantos e a garrafa gigante seguia firme do outro lado do campo. A garoa apertou um pouco mais, mas logo cessou. O temor pelo Prudentanazo ainda existia, é verdade, mas foi embora com o passar do tempo.
Isso porque, aos 16 min, enquanto o céu se abria de maneira quase simbólica, o árbitro apitava um pênalti para o Oeste Paulista. O time atacava pelo flanco direito, mas Tarabai – salvo engano – foi derrubado assim que entrou na área. Mão apontada para a marca da cal, e bola a 9,15 m da baliza alvirrubra da Esportiva. Na cobrança, o camisa 11 Jaime.
Era o momento de fulminar. A torcida pedia seu gol. Jaime tirou as mãos da cintura e correu em câmera lenta.
A partir daí, os minutos se arrastaram em tentativas dos dois times e de gritos de olé vindos dos quase 5 mil prudentinos presentes. Os garotos se penduravam no alambrado e tomavam um passa-moleque da Polícia Militar presente.
Já era quase 13h quando o árbitro pediu a bola.
O Oeste Paulista Esporte Clube era campeão da quarta divisão.
Presidente Prudente era campeã.
O doce sabor da vitória (e a buzinadinha)
O fim do jogo não foi o início da festa, que já havia começado minutos antes. Os jogadores se juntavam à torcida no alambrado. A essa altura, não haveria policiamento que contivesse a turba. Jaime, Nuno e Juliano Gerlim há muito haviam cedido e comemoravam conosco.
A Federação Paulista, estranhamente, não abriu o portão de acesso ao gramado – o que pareceu desde o início ter sido uma idéia inteligente, já que a passagem era perigosamente pequena para tanta animação. Decepcionante, porém, foi o palco montado do outro lado do gramado, perto da garrafa inflável, o que impossibilitou a festa perto da torcida.
De qualquer maneira, o time atravessou o gramado do Prudentão para exibir o troféu, enquanto a torcida já esfriava seus ânimos. Era o desfecho de um dia histórico.
De lá, fomos embora – meu amigo e eu – a pé. A distância era curta e o sol era ameno. Depois de um longo torneio escrito, a caminhada era um sorridente ponto final, que ganhou um curioso post-scriptum: um VW Cross Fox, com jogadores e dirigentes, que passou carregando a taça e buzinando por nós, uniformizados.
Era bom demais ser campeão.
PS1: o Jogos Perdidos, sempre genial, esteve em Presidente Prudente para acompanhar o jogo. O excelente relato deles, aqui.
PS2: Quer ver o vídeo com os gols do jogo? Aqui, ó.
PS3: Rebaixado da Série A3 em 2009, o Oeste Paulista se licenciou dos gramados naquele mesmo ano. No entanto, após a passagem do Grêmio Barueri pela cidade com o nome de Grêmio Prudente (entre fevereiro de 2010 e maio de 2011), dirigente locais aproveitaram a estrutura deixada pelo clube da Grande São Paulo; assim, reativaram o Opec com o nome de Grêmio Desportivo Prudente.
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