Claudio Ranieri e a ‘Anthony Noghes’ do Monaco

Os fãs de Fórmula 1 sabem este roteiro de cor: Chicane Nova, Tabacaria, Louis Chiron, Complexo das Piscinas, Rascasse e Anthony Noghes. Trata-se da sequência de curvas que encerra uma volta no Circuito de Monte Carlo, palco anual do Grande Prêmio de Mônaco. Passada a Anthony Noghes, os carros seguem pela reta, cruzam a linha de largada/chegada e seguem para a Saint-Devote, iniciando uma nova volta no traçado.

E o que isso tem a ver com futebol? Caso você não esteja familiarizado com a Fórmula 1, trata-se de uma metáfora que explica (ou tenta) o que acontece com o Monaco, tradicional clube do principado que participa das principais competições do futebol francês. E que, depois de passar pela Anthony Noghes e embalar na reta final da última temporada, busca uma volta rápida capaz de recolocá-lo na briga pelas primeiras posições do Campeonato Francês em pouco tempo.

Na década de 90, o Monaco foi treinado por uma série de treinadores renomados, como Arséne Wenger (1987 a 1994), Jean Tigana (1995 a 1999) e Claude Puel (1999 a 2001). No entanto, se a qualidade técnica trazia bons resultados em campo, como os títulos franceses de 1988, 1997 e 2000, o cenário nos bastidores já era menos animador: vice-campeão francês na temporada 2002/2003, perdendo o título para o Lyon, o time foi rebaixado juridicamente da Ligue 1 para a Ligue 2 por razões financeiras – a dívida seria de 50 milhões de euros na época.

Apesar da pena, o Monaco apelou e se salvou, mas foi impedido de adquirir jogadores (entenda aqui). Jean-Louis Campora, então presidente do clube, foi condenado e deixou o cargo após 28 anos, cedendo a cadeira para que Pierre Svara assumisse o posto. Em meio à crise, o técnico Didier Deschamps permaneceu.

E qual não foi a surpresa na temporada 2003/2004, quando o Monaco foi terceiro colocado do Campeonato Francês? E mais: depois de eliminar times como Real Madrid e Chelsea, acabou com o vice-campeonato da Liga dos Campeões da Uefa, perdendo a surpreendente final para o Porto do técnico José Mourinho. No gramado, nomes como Fernando Morientes, Ludovic Giuly e Dado Prso empolgavam a torcida.

De pé: Hugo Ibarra, Edouard Cissé, Flavio Roma, Fernando Morientes, Andreas Zikos e Lucas Bernardi. Abaixados: Gaël Givet, Ludovic Giuly, Jérôme Rothen, Julien Rodriguez e Patrice Evra

Porém, a inexperiência de Pierre Svara à frente de um clube de futebol cobrava seu preço nos bastidores: com pagamentos elevados a jogadores, o dirigente provocava uma situação financeira ao Monaco ainda pior que a da temporada anterior. Resultado: Didier Deschamps, em alta no mercado europeu, acertou com a Juventus, e Svara deixou a presidência para Michel Pastor.

Com a debandada de jogadores que se seguiu, o ASM teve problemas também para manter técnicos no cargo: Francesco Guidolin, contratado para substituir Deschamps, deu lugar ao romeno Laszlo Boloni ainda na temporada 2005/2006, que foi substituído por Laurent Banide em 2006, que cedeu o banco de reservas a Ricardo Gomes em 2007. Na tabela, o time ia perdendo espaço para rivais, terminando a temporada 2006/2007 em nono lugar. A essa altura, era possível perceber: o Monaco de 2003 era um carro modesto, com rivais instáveis, que parecia ter um bom piloto para levá-lo às primeiras posições.

Se vira nos 30, Laurent Banide! (Crédito: SI.com/Getty Images)

Em 2008, mais crise: criticado, Michel Pastor deixou o clube monegasco e deixou a batata quente para Jérôme de Bontin, acionista majoritário que prometeu muito e conseguiu pouco. Depois de contratar o americano Freddy Adu, o time do técnico Ricardo Gomes terminou a temporada em 11° lugar, e Jérôme de Bontin deixou a presidência. O novo presidente: Etienne Franzi, banqueiro monegasco, que foi nomeado presidente e que trouxe com ele uma série de dirigentes.

Contratar Adu era uma ótima ideia – afinal, o menino vinha emplacando uma atrás da outra, né? (Crédito: Divulgação)

Desta vez, Ricardo Gomes também não aguentou a foi embora. Quem assumiu o banco de reservas foi Guy Lacombe, que decidiu adotar uma política tida como milagrosa no Brasil: apostar em jovens. A tática deu certo com o oitavo lugar da temporada 2009/2010, mas os maus resultados no campeonato seguinte custaram caro: demitido, Guy Lacombe deixou o time no 17° lugar do Campeonato Francês. Enfim, os monegascos eram rebaixados para a Ligue 2 da temporada 2010/2011.

Na segunda divisão, o italiano Marco Simone – ex-jogador do clube no início da década anterior – assumiu o comando técnico. Simone foi contratado por Dmitry Rybolovlev, bilionário russo que tomou o Monaco Sports Invest (MSI, curiosamente) o papel de acionista majoritário. E mesmo com a volta de Ludovic Giuly, tirado do emergente Paris Saint-Germain, o time deu vexame na primeira temporada de Ligue 2: foi o oitavo com 52 pontos, contra 71 do campeão Bastia ou 64 do Troyes, terceiro colocado e promovido.

Rybolovlev: “ló ló ló ló lóóóó… Ló, ló ló… Ló, lóló…” (Crédito: Wikipédia)

Mas a temporada do ASM, com Simone, Giuly e companhia, não termina da pior maneira: depois de passar os oito primeiros jogos do torneio sem vencer (cinco empates e três derrotas), a equipe terminou o primeiro semestre de 2012 com uma campanha digna, somando nove vitórias e dois empates em 14 jogos. Para quem parecia condenado à terceira divisão (a National 1), terminar em oitavo lugar foi bem razoável. Pior para o Metz, que caiu.

Para voltarmos à metáfora do início do texto, pode-se dizer que o Monaco passou o túnel do Circuito de Monte Carlo entre os últimos colocados, mas ganhou posições nas curvas seguintes e chegou bem colocado à Anthony Noghes. No fim das contas, a volta 2011/2012 na Ligue 2 foi feita em um tempo considerável.

No entanto, não é o que o futebol francês e nem Dmitry Rybolovlev esperam. Para a temporada 2012/2013, o bilionário russo já contratou o técnico Claudio Ranieri, que passou por Chelsea, Valencia, Juventus e Roma, e que fora demitido da Inter de Milão no decorrer da temporada 2011/2012. Apesar de ter a pressão e a desorganização para lidar, Ranieri terá um elenco de bons nomes a seu favor, como o goleiro Johann Carrasso, o meio-campista malinês Gary Coulibaly e o próprio Ludovic Giuly.

Ranieri: o sétimo técnico do Monaco (é isso mesmo?) desde a final da Liga dos Campeões em 2004. Crédito: Yahoo! France

A missão é simples: entrar com o Monaco em velocidade na Saint-Devote, subir rumo ao Casino de Monte Carlo, descer a Mirabeau, virar na Portier, passar pelo túnel… E tudo que você já sabe, para chegar à Anthony Noghes em 2013 com um desempenho digno de brigar pela primeira fila da Ligue 2. Alguém aposta?

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