Heróis da América: Jaime Moreno, o boliviano que ensinou futebol aos EUA

Este texto faz parte da série Heróis da América, que aborda jogadores, treinadores e dirigentes que fizeram história nos países latino-americanos, mas que nem sempre são bem conhecidos por aqui. Para ler as outras reportagens da série, CLIQUE AQUI.

Goleador desde cedo, Moreno foi convocado para a primeira Copa América com 17 anos

Kaká, Villa, Lampard, Gerrard… E antes Henry, Beckham, Júlio César… Nomes de peso foram contratados para elevar o nível da Major League Soccer (MLS), cada vez mais importante no cenário futebolístico mundial. Jogadores brasileiros e europeus têm a “grife” almejada para elevar o patamar do torneio, mas eles não estão sozinhos na missão de convencer os Estados Unidos a pegar gosto pelo esporte. Na verdade, se apenas um país tivesse que receber os méritos por ensinar futebol aos americanos, um forte candidato seria a pouco tradicional Bolívia, terra natal de dois ídolos inesquecíveis: Marco “El Diablo” Etcheverry e Jaime Moreno.

O primeiro nome não causa tanta estranheza. Considerado um dos maiores jogadores bolivianos de todos os tempos, Etcheverry está na memória brasileira como autor de um dos gols (e que frango, Taffarel!) na nossa primeira derrota em Eliminatórias, além de ter sido expulso na abertura da Copa de 1994 por chutar Lothar Matthaus. Mas e Jaime Moreno? Por aqui, o Moreno da Bolívia mais famoso é o Marcelo, campeão brasileiro com o Cruzeiro em 2014. Quase ninguém sabe que a mesma Santa Cruz de la Sierra produziu um atacante ainda mais bem-sucedido com o sobrenome igual (embora não haja parentesco entre os dois).

Apelidado “el pichón” (o “pombo”), Jaime Moreno Morales até hoje é um nome reverenciado na capital americana, Washington. Talvez, acima dele, só quem estiver ocupando a Casa Branca. Talvez…

Mas, antes de entender como um boliviano se tornou lenda nos Estados Unidos, falemos dos feitos do artilheiro defendendo o próprio país.

Moreno disputa bola com Taffarel na final da Copa América de 1997

A geração de ouro boliviana
Já tido como promessa nacional, Moreno jogou a Copa América de 1991 com 17 anos, apenas para ganhar experiência. No decorrer das temporadas conquistou seu espaço entre os veteranos e participou do maior feito da história de La Verde: a classificação para a Copa de 1994, derrotando não apenas o Brasil nas Eliminatórias, mas também o favorito Uruguai de Francescolli.

Quatro anos mais jovem, o “pichón” já despontava para se tornar o companheiro ideal de Etcheverry, transformando em gols os passes fantásticos do meia. Foi o “caçula” do elenco da Bolívia no Mundial dos Estados Unidos e atuou nas partidas contra Alemanha e Espanha.

Nos torneios seguintes conquistaria de vez um lugar no ataque da seleção, ao lado de Erwin Sanchez, que fez carreira no futebol português. Essa geração boliviana acima da média ainda teria novas glórias, como vencer os Estados Unidos na Copa América de 1995 e, jogando em casa, ser vice-campeã do mesmo torneio em 1997, superando Venezuela (1 x 0), Peru (2 x 0), Uruguai (1 x 0), Colômbia (2 x 1), México (3 x 1 ) e parando apenas no Brasil (derrota por 3 a 1 na final, dia do “vocês vão ter que me engolir“).

Um boliviano na Premier League? Sim, isso já aconteceu

Em 1999, Moreno ainda jogou a única Copa das Confederações da história do seu país, com uma campanha digna (dois empates e uma derrota). Depois amargou anos sem convocações, até retornar, em 2007, como artilheiro da equipe na Copa América. Se despediu da seleção em 2008, em uma derrota por 2 a 0 diante de El Salvador.

Parceria com Juininho antes da Major League
Na infância, Jaime passou pela prestigiada Academia Tahuichi, mesmo CT que revelou outros nomes importantes da seleção boliviana, como o próprio Etcheverry e Joselito Vaca. Em 1991, estreou com a camisa do Blooming, que ajudou a ser terceiro colocado no campeonato nacional. Já uma estrela em seu país, foi vendido ao colombiano Independiente Santa Fé em 1994, mas atuou poucas vezes e foi negociado com o Middlesbrough, da Inglaterra, para ser companheiro do brasileiro Juninho Paulista.

Com o status de primeiro boliviano a jogar na Premier League, não conseguiu nunca se firmar entre os titulares e marcou apenas uma vez em dois anos de contrato. A promissora carreira atravessava seu momento mais difícil quando, em 1996, uma transferência mudou para sempre seu rumo: o D.C. United, uma das franquias mais ambiciosas da recém-criada Major League Soccer, contratou Moreno para voltar a atuar ao lado do conterrâneo Marco Etcheverry.

Moreno e Etcheverry – Dupla fez história na seleção boliviana e na MLS

Com Etcheverry, duas lendas do D.C.
Logo de cara, os bolivianos foram campeões nos Estados Unidos. No ano seguinte repetiram a conquista, e Moreno começou a despontar: foi artilheiro, além de receber o prêmio de melhor da temporada.

O sucesso foi tanto que o Middlesbrough o contratou novamente por empréstimo, apenas para que o atacante disputasse mais algumas partidas na Europa e retornasse rapidamente para Washington, a cidade onde se tornou rei. No final dos naos 90, na capital americana, era Bill Clinton mandando na Casa Branca e Jaime Moreno no RFK Stadium.

A artilharia se tornou constante, assim como a presença na seleção do campeonato e os títulos. Na primeira passagem, foram seis anos defendendo o D.C. United, entre 1996 e 2002, disputando 150 jogos e marcando 69 gols. Nesse período, o clube conquistou oito campeonatos (MLS Cup em 1996/97 e 99; MLS Supporter’s Shield  em 1997 e 1999; Lamar Hunt U.S. Open Cup em 1997; Liga dos Campeões da Concacaf em 1998; e Copa Interamericana, contra o Vasco, também em 1998).

A sina de sempre voltar a Washington
No final de 2002, por desentendimentos com o técnico Ray Hudson, o  ídolo boliviano se transferiu para o rival MetroStars (atual New York Red Bull). Mas a aventura durou apenas uma temporada e, em 2004, ele já estava de volta ao D.C., para imortalizar a camisa 99, jogar mais seis anos, entrar em campo mais 179 vezes e marcar outros 62 gols. Além, é claro, de erguer quatro troféus: a MLS Cup de 2004; a MLS Supporter’s Shield de 2006 e 2007; e a Lamar Hunt U.S. Open Cup de 2008).

Jaime na segunda divisão boliviana, com a camisa do Sport Boys Warnes

Uma carreira tão brilhante merecia terminar da mesma forma. Parecia que seria assim, quando, em seu último jogo pelo clube que defendeu por doze anos, Moreno fez um gol de pênalti contra o Toronto FC, um encerramento perfeito. Já com 36 anos, porém, o incansável atacante não se deu por satisfeito e optou por entrar no Draft para voltar à MLS atuando em qualquer outro time. Apesar de todo seu prestígio e história, o “pichón” não foi selecionado e se viu forçado parar.

Mesmo aposentado, o pombo andino nunca abandonou o esporte. Disputou torneios de golfe no país natal e, em 2013, assinou com o pequeno Sport Boys Warnes para jogar algumas partidas na segunda divisão boliviana. Paralelamente, como não podia deixar de ser, ele segue construindo seu legado em Washington: o homem que ensinou futebol aos americanos dentro de campo, agora faz isso do lado de fora, treinando a categoria Sub-23 do D.C. United.

 

 

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