7 canetadas que questionam a evolução do futebol brasileiro

Desde a virada do século, o futebol brasileiro se modernizou para deixar para trás o lado folclórico e alcançar o bonde da história. Em pouco mais de uma década, as competições se tornaram mais rentáveis, os clubes aumentaram seus faturamentos e os jogadores se valorizaram.

Até que chegássemos a este patamar, é bem verdade, o Brasil encarou alguns fiascos – as ligas regionais de 2002, com exceção do Campeonato do Nordeste, foram um retumbante fracasso. Mesmo assim, o resultado foi benéfico, e o Campeonato Brasileiro se tornou um dos mais ricos do mundo, fortalecendo a Série B, a Série C e até viabilizando uma Série D.

Mas é claro que nem tudo é perfeito. Neste intervalo, o futebol nacional assistiu a alguns fiascos, sendo alguns deles bastante recentes. Muitas vezes, as chamadas “viradas de mesa” tiram um pouco do brilho das competições e marcam os torneios de forma bastante negativa – não raro, até mesmo por ingenuidade de dirigentes desacostumados aos meandros do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD).

Para lembrar alguns tropeços recentes em casa, o Última Divisão listou aqui, por ordem cronológica, sete polêmicas “canetadas” do futebol brasileiro pós-2002 – para que você possa ver que a coisa melhorou, mas que ainda tem coisa para melhorar na próxima década com o que temos aprendido até aqui.

1. Edílson Pereira de Carvalho e o Brasileiro de 2005
A primeira grande confusão do Campeonato Brasileiro no sistema de pontos corridos se deu em 2005, graças à chamada Máfia do Apito. Edílson Pereira de Carvalho, árbitro ligado ao quadro da Fifa, e Paulo José Danelon foram acusados após reportagem da revista Veja de acertarem placares de partidas do Campeonato Paulista, da Copa Libertadores, do Campeonato Brasileiro e da Copa Sul-Americana – todos de 2005 – com investidores interessados nos resultados de apostas envolvendo as tais partidas.

Ao todo, 11 jogos do Campeonato Brasileiro já realizados foram remarcados pela CBF e pelo STJD mediante denúncias de acertos. Em 12 de outubro, menos de três semanas após a divulgação das acusações, os primeiros jogos foram disputados novamente. Vasco 3 x 3 Figueirense (originalmente 2 x 1), Cruzeiro 2 x 2 Botafogo (4 x 1), Santos 2 x 3 Corinthians (antes 4 x 2) e Juventude 3 x 4 Fluminense (2 x 0).

O problema: o Corinthians teve duas derrotas anuladas (também o 4 x 2 para o São Paulo), e somou quatro pontos nas duas partidas remarcadas (empatou em 1 a 1 com o time do Morumbi). O Internacional, que havia vencido o Coritiba por 3 a 2 em partida anulada, repetiu o placar na remarcação e não alterou sua pontuação original. No fim do campeonato, Corinthians campeão (81 pontos) e Inter vice (78). E o Brasileiro de 2005 ficava ali para sempre na história – não da melhor maneira.

Edílson Pereira de Carvalho acabou suspenso – e posteriormente banido – do futebol e denunciado pelo Ministério Público pelos crimes de estelionato, formação de quadrilha e falsidade ideológica. A ação penal, porém, foi suspensa em 2007 e trancada em 2009 (aqui).

2. Duque de Caxias, Rio Branco e a Série C de 2008
O Duque de Caxias surpreendeu na Série C de 2008, passando pelas três primeiras fases e conquistando uma vaga para o octogonal final, que definiria os quatro promovidos. Porém, logo na segunda rodada da última fase, o time se envolveu em confusão: jogando contra o Rio Branco-AC no Estádio Arena da Floresta, o Duque teria simulado contusões de jogadores (o chamado “cai-cai”) para tentar segurar o empate por 2 a 2. Não conseguiu e foi punido pelo STJD com uma derrota por 3 a 0.

Segundo a súmula assinada pelo árbitro Rosinildo Galdino da Silva, o técnico do Duque de Caxias, Marcelo Buarque, instruíra o goleiro Borges e o atacante Edvaldo a simularem lesões em campo. Detalhe: o time do Rio de Janeiro já havia tido três jogadores expulsos (Renatinho, Douglas Silva e Tica), e seria considerado derrotado caso não dispusesse de pelo menos sete jogadores em condições de atuar. Foi o que aconteceu.

A decisão saiu em 24 de outubro e garantiu os três primeiros pontos ao Rio Branco. Marcelo Buarque, Borges e Edvaldo também foram punidos. Pior: o Duque de Caxias seria excluído da Série C e abriria uma vaga para a reformulada competição em 2009 – o Vitória da Conquista, 21° colocado da competição em 2008, seria o premiado com a vaga.

Mais tarde, porém, o STJD aliviou para o Duque: manteve a pena ao técnico e aos jogadores, mas anulou a exclusão do time da competição. Desta forma, o Duque permaneceu na Série C e acabou promovido para a Série B do ano seguinte, conquistando o quarto lugar no octogonal final.

3. Comercial, Votorary e a Série A-3 de 2010
O Votoraty foi fundado em 2005 em Votorantim (SP), e fazia campanhas seguras nas divisões de acesso de São Paulo. Foi assim até 2009, quando o time foi comprado pela empresa Manoel Leão S/A, com sede em Ribeirão Preto. Na cidade, a MLSA já era responsável pelo Olé Brasil.

Votoraty 0 x 1 Grêmio na Copa do Brasil de 2010: sim, aconteceu

Em 2010, o Votoraty anunciou que se mudaria para a cidade-sede da empresa. A tendência era que, por serem da mesma holding, Votoraty e Olé Brasil se fundissem para fortalecer o segundo time – que não conseguia emplacar e deixar a quarta divisão do Campeonato Paulista. Inicialmente, porém, não foi o que aconteceu: a empresa anunciou que o Votoraty iria para sua nova cidade para ser o quarto clube local, atendendo pelo nome de Ribeirão Futebol Clube.

Mas também não foi isso que aconteceu. Em maio de 2010, depois de ficar em quinto lugar na Série A-3 e perder o acesso à Série A-2, o Comercial (então controlado pela empresa Lacerda Sports) se aproximou do Ribeirão FC. Nelson Lacerda, o gestor comercialino, adquiriu 50% do novo clube. Assim, depois de um mês de negociação, viabilizou a fusão entre o Comercial e o Ribeirão.

Nelson Lacerda: o homem por trás da fusão

Desta forma, de duas maneiras, o Comercial conquistou seu acesso à Série A-2 de 2011. Primeiro: assumiu a vaga que era do Votoraty (nono colocado da competição em 2010). Segundo: extinguiu o Votoraty e promoveu o quinto colocado da Série A-3 de 2010 – no caso, o próprio Comercial. De uma forma ou de outra, o Bafo estava de volta à Série A-2 em 2011 – e garantindo o acesso à Série A-1 em 2012.

4. Joinville, América-AM e a Série D de 2010
O América-AM fez uma campanha histórica na Série D do Campeonato Brasileiro de 2010. Meses depois de anunciar (sem sucesso) os planos de mudança de nome para Manaos FC, de forma a atrair simpatizantes e patrocinadores, o time iniciou sua participação na competição sem grandes pretensões. No entanto, veio a surpresa: com um time modesto, superou a imagem arranhada após a briga com a GO! Sports MKT e chegou às finais da competição.

Na campanha, um desempenho quase irrepreensível. Passou por Cametá-PA, Cristal-AP (primeira fase) e Mixto-MT (segunda fase); na terceira fase, perdeu para o Vila Aurora por 3 a 1 no placar agregado, mas avançou nos critérios técnicos às quartas de final. Aí, surpreendeu o Joinville (3 a 2 no placar agregado) e garantiu o acesso como um dos quatro melhores times da competição. Nas semifinais, com direito a jogo em Guaratinguetá, levou a melhor nos duelos contra o Madureira (3 a 2 na somatória) e foi à decisão. Na final, perdeu o título para o Guarany de Sobral.

Joinville? Quem é Joinville?

O resultado colocaria o América-AM na Série C depois de 30 anos de ausência. Sim, colocaria, pois não foi o que aconteceu. Após as partidas das quartas de final entre América-AM e Joinville, o time da casa foi acusado de ter relacionado o reserva Amaral Capixaba de forma irregular. Assim, em meio às finais da competição, o time alvirrubro foi denunciado no código 214 do CBJD (“incluir na equipe, ou fazer constar da súmula ou documento equivalente, atleta em situação irregular para participar de partida”).

O América-AM foi inocentado em primeira instância, mas o JEC recorreu e o caso foi para o Pleno do STJD. Desta vez, já após a decisão do título a favor do Guarany de Sobral, o time comandado pelo técnico Sérgio Duarte foi punido com a perda de seis pontos no confronto das quartas de final e garantiu o acesso do Joinville. Já afastado do comando do clube, o ex-presidente Amadeu Teixeira (que encabeçou o América-AM por cinco décadas) ainda viu o Joinville ser campeão da Série C do ano seguinte.

Sinto muito, seu Amadeu…

5. Paraná Clube, Rio Branco e o Paranaense 2011

Adriano de Oliveira Santos, ou simplesmente Adriano, foi contratado pelo Rio Branco de Paranaguá junto ao futebol paulista para a disputa do Campeonato Paranaense de 2011. Acontece que, por um erro no meio do caminho, o meia-atacante foi registrado pelo clube como Adriano Oliveira dos Santos em sua inscrição na Federação Paranaense de Futebol (aqui).

Adriano, de branco: o contratado, não o registrado

A FPF-PR foi buscar o nome do atleta para a transferência de “Adriano de Oliveira” na Federação Paulista de Futebol, de onde viriam os últimos registros. A FPF-SP encontrou o de “Adriano dos Santos” registrado na Federação de Futebol do Estado do Espírito Santo, e repassou os dados para o PR. Registro feito, Adriano de Oliveira passou a defender o Rio Branco no Paranaense de 2011.

Acontece que, depois de seis partidas disputadas por Adriano de Oliveira, o Formiga-MG contratou Adriano dos Santos. Foi buscar os dados entre os capixabas e descobriu a confusão: o jogador estava registrado no Paraná, mesmo sem atuar lá. Quando o caso veio à tona, o Rio Branco foi denunciado pelo TJD-PR por inclusão de atleta em situação irregular. Adriano de Oliveira vinha atuando sem inscrição (aqui).

Julgado pelo artigo 214 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), o clube de Paranaguá foi inocentado em primeira instância. Eis que surge o imbróglio: na classificação geral do Campeonato Paranaense, o clube parananguara foi o 10° colocado, com 24 pontos, uma posição acima da zona de rebaixamento. Logo atrás, com um ponto a menos, veio o Paraná Clube, rebaixado. Derrotado pelo Rio Branco na segunda rodada da primeira fase (2 a 0, com Adriano de Oliveira em campo), o Paraná – inicialmente excluído do processo – pediu participação na denúncia. O pedido foi acatado e o clube recorreu ao STJD, cobrando punição ao rival.

Caso fosse punido, o Rio Branco perderia 22 pontos e seria rebaixado junto com o Cascavel. Não foi o que aconteceu: por unanimidade (9 votos a 0), o Rio Branco foi inocentado no julgamento final e se manteve na primeira divisão. O Paraná Clube foi rebaixado.

6. Brasil de Pelotas e o rebaixamento na Série C de 2011
Na primeira rodada do Grupo D da Série C de 2011, o Santo André recebeu o Brasil de Pelotas no Estádio Bruno José Daniel e foi derrotado por 3 a 2 – rebaixado no Campeonato Paulista, o time andreense mostrava que teria dificuldades também para evitar a queda para a quarta divisão do Campeonato Brasileiro.

O Brasil, por sua vez, também não tinha moleza. Sem conseguir o acesso à elite do Campeonato Gaúcho, o time somou duas vitórias e um empate nas quatro primeiras rodadas (folgou na terceira). Porém, quatro derrotas nas cinco rodadas seguintes (nova folga, na oitava) complicaram a situação pelotense. Na décima rodada, por conta dos critérios de desempate, o time precisava de um empate em casa para evitar a queda. O rival: o mesmo Santo André, lanterna da chave no número de gols marcados.

Antes mesmo do jogo, porém, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva julgou uma denúncia do Santo André, que pediu a perda de seis pontos do time pelotense. Motivo: a escalação irregular do lateral direito Cláudio na primeira rodada. O STJD inicialmente negou a punição, mas julgou novamente mediante recurso e acatou o pedido: tirou seis pontos do Brasil de Pelotas e rebaixou matematicamente a equipe.

Em campo, Brasil de Pelotas e Santo André empataram em 1 a 1 (acima), resultado que rebaixaria originalmente a equipe paulista.

7. Rio Branco-AC x Luverdense: quem briga para subir?
A briga entre Santo André e Brasil de Pelotas, no entanto, não foi a única da Série C de 2011. O Rio Branco-AC foi líder do Grupo A, mas não pôde disputar o acesso por conta de uma confusão que envolveu Governo do Acre, Procon (!!!) e a CBF. Pior: o time acreano acabou rebaixado.

Tudo começou quando a Procuradoria de Defesa do Consumidor do Estado do Acre (Procon-AC) interditou o Estádio Arena da Floresta. A decisão levou o Rio Branco e o Governo do Estado do Acre a acionarem a Justiça Comum para viabilizar os jogos no local – no qual o time recebeu todos os seus jogos na primeira fase.

Rio Branco-AC 2 x 1 Paysandu: classificação inútil

O STJD não gostou, e suspendeu o Rio Branco da competição em 20 de setembro, após o fim da primeira fase. Mesmo assim, o Grupo E da segunda fase, que contava com Paysandu, CRB, América-RN e Rio Branco, foi iniciado. O time do Acre chegou a fazer três jogos, empatando com CRB fora de casa (0 a 0), perdendo na Arena da Floresta para o Paysandu (2 a 1) e fora de casa para o América-RN (3 a 0).

Mas eis que, em 13 de outubro, o STJD negou o pedido de permanência do Rio Branco na Série C e excluiu o clube da competição. A CBF acatou a decisão e incluiu o Luverdense (terceiro colocado do Grupo A na primeira fase) no Grupo E, anulando os jogos do Rio Branco na chave. O Rio Branco ainda conseguir revogar a decisão na Justiça e voltar à segunda fase, mas a competição foi paralisada em 21 de outubro pela própria Justiça, até que o caso fosse resolvido.

Aí, quem não aguentou foi o Rio Branco. Alegando desgaste com a situação, o time desistiu de dar sequência à confusão e acatou a eliminação (e o rebaixamento) da Série C. Com a tabela do Grupo E remarcada, o Luverdense refez os jogos do Rio Branco, mas não obteve sucesso: somou três pontos nas seis rodadas e foi lanterna.

Sair da versão mobile