Por Luciano Borges*
Eu tenho uma mania: durmo com um rádio de pilha ligado. Debaixo do travesseiro para não incomodar ninguém. Adquiri este hábito em 1966, depois da Copa do Mundo da Inglaterra. Meu pai me deu um rádio (até que de tamanho médio) para eu ouvir os jogos do Brasil.
Tinha oito anos de idade quase completos (29 de agosto) e já era palmeirense, apesar da pressão de meu tio Gilberto que queria me ver são-paulino. Ele cometeu um erro estratégico: me levou ao Pacaembu para assistir ao horroroso 0 a 0 entre São Paulo e Bangu. Achei a Concha Acústica a coisa mais linda. E dormi no segundo tempo.
Meus amigos da travessa Antonio Calafiori, na Vila Romana, eram palmeirenses: Danilo Di Napoli Guzzela, Celso e Dorival. Já gostava mais do Periquito.
Terminou a Copa do Mundo, eu cochilava aos domingos depois do almoço e ouvia Fiori Giglioti no Cantinho da Saudade, da Rádio Bandeirantes.
Leia também:
- Um craque chamado Divino
- O fim trágico de Vágner Bacharel
- O boleiro nikkei
- Você se lembra de João Marcelo, o reforço de 48 horas do Palmeiras em 2003?
Um dia, depois de espaguete e frango, deitei e entrou a jornada esporte do Escrete do Rádio. O repórter avisa que o volante Zequinha tinha sido baleado na perna depois de reagir a uma tentativa de assalto no sábado. A bala passou de raspão, mas ele era dúvida para o clássico decisivo do meio de semana contra o São Paulo.
Fiquei preocupado. O companheiro do Ademir da Guia no meio de campo era notícia em todo programa esportivo que ouvia.
Na quinta-feira de noite, o time entrou em campo no Pacaembu com o Zequinha em campo. O Palmeiras meteu 3 a 0 e o volante pernambucano abriu o placar. Ouvi o jogo todo com o rádio embaixo do travesseiro e não gritava os gols. Meu pai, Tiago, era feirante e acordava às 4h para trabalhar.
Zequinha se tornou meu primeiro herói no futebol. Porra, o cara encarou os assaltantes, levou um tiro na perna e jogou seis dias depois. Fez gol. O Palmeiras foi campeão paulista!
Nos anos 80, quase duas décadas depois, estou encostado no cano que servia de apoio para quem subia as escadas do vestiário do Palmeiras. Ia começar um treino à tarde. Ao meu lado, o zagueiro Minuca, que estava trabalhando com a base na época. Ele jogou o jogo de 1966. Era zagueiro titular. Conversa vai, conversa vem eu conto para ele da minha admiração pelo herói do Verdão: Zequinha.
Contei a história toda. O Minuca quase caiu na escadaria de tanto rir. E me explica.
“Rapaz, ele casou com minha irmã. O que aconteceu foi o seguinte: o Zequinha adorava um puteiro e chegava tarde em casa. Minha irmã ficou invocada porque não domava o homem. Naquele sábado, ele chegou tarde de novo e ela já tinha avisado que ia dar um tiro no saco dele. O Zequinha chegou, deu de cara com minha irmã segurando o revólver. Ela mirou bem e atirou. A bala passou raspando a perna”, contou.
Nunca soube se o casamento durou para sempre ou não. E esqueci de perguntar para o Minuca.
Ou seja, meu primeiro herói da bola era um putanheiro. Talvez isso explique muita coisa.
* Luciano Borges, jornalista desde 1975, é chefe de reportagem da ESPN. A pedido do Última Divisão, topou publicar por aqui este relato.
Comentários