O Rio Branco Esporte Clube, de Americana (SP), é mais um clube tradicional que pode virar SAF (Sociedade Anônima do Futebol) a partir de 2022.
No dia 18 de fevereiro, uma sexta-feira, o clube do interior paulista publicou um edital de convocação aos membros do conselho para uma assembleia geral marcada para o dia 26, às 15h, em sua sede náutica.
O encontro pode sacramentar as conversas que foram iniciadas há aproximadamente um ano entre o Rio Branco e o InverGroup, um conglomerado de empresas de infraestrutura, tecnologia e investimentos, para a constituição da sociedade. Na oportunidade, também será discutida a instauração de um processo de recuperação judicial.
A SAF é uma sociedade-empresa que pode ser formada por um clube de futebol para criar uma cisão entre a agremiação e a gestão esportiva. Os contratos, salários e outros acordos do futebol são administrados apenas pela SAF, no modelo de clube-empresa. A sociedade tem a sua própria tabela de tributação (TEF) e paga impostos federais com valores menores se comparados com os pagos pelas associações.
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Ao passo que a SAF administra o futebol, a agremiação tem possibilidade de entrar com um processo de recuperação judicial e assim equacionar as suas dívidas – com o apoio da SAF, já que há obrigatoriedade de repasse de 20% do lucro anual para a associação. O ponto positivo é que possíveis penhoras e processos judiciais não afetam a SAF, apenas a agremiação.
A administração da SAF funciona por meio de ações. Empresários compram esse ativo e passam a investir na gestão esportiva. As mudanças de escudo e outras características da instituição são regulamentadas de acordo com o estatuto associativo – o clube pode optar por não permitir esse tipo de mudança.
A SAF tem sido encarada como a salvação para clubes brasileiros endividados e em crise. Entre os clubes mais ricos do país, Cruzeiro e Botafogo foram os primeiros a aderirem. Já nos patamares inferiores, Ituano e Gama são exemplos. O União São João também está estudando a migração para esse modelo de gestão.
As propostas do InverGroup ao Rio Branco
O InverGroup é um conglomerado de infraestrutura, tecnologia e investimentos. O grupo tem duas sedes, uma em Americana (SP) e outra em Nova Odessa (SP), e opera em mais de 40 países – entre eles Estados Unidos, China e França. O lucro anual projetado é de aproximadamente R$ 1 bilhão.
Em outubro de 2021, o grupo anunciou a expansão dos investimentos na região de Americana para R$ 100 milhões. O futebol está dentro desse valor. Inicialmente, a empresa patrocinou o Campeonato Amador de Americana de 2021; agora, deseja encabeçar a compra de ações da SAF do Rio Branco.
“Nós estamos conversando há mais de um ano em relação à SAF. A lei não estava muito bem clara, estava para ser promulgada. Nós fomos apresentados por um conselheiro ao Grupo Inver e de lá para cá nós estamos no namoro”, contou o presidente do alvinegro americanense, Gilson Bonaldo.
No dia 14 de fevereiro, o CEO do InverGroup, Henrique Costa, e o advogado Luiz Henrique Martins Ribeiro, apresentaram o projeto da SAF para membros do Conselho Deliberativo do Rio Branco com as seguintes propostas:
- Marketing, plano comercial e posicionamento de marca: a intenção do grupo é trabalhar com as redes sociais e com ações na cidade para conseguir melhorar a imagem do clube junto aos torcedores, à comunidade e aos empresários locais.
- Reativação e captação de torcedores: um estudo foi apresentado e constatou queda de público nos jogos do Rio Branco, além de um menor engajamento nas ações de marketing. A intenção é que seja apresentado um programa de sócio-torcedor, além de iniciativas de aproximação com o público jovem.
- Reforma no estádio: o InverGroup quer transformar o estádio Décio Vitta em uma arena multiuso. Além de reformar o local, a intenção é utilizar os terrenos em volta para a construção de estabelecimentos comerciais, a fim de trazer receita à SAF, e para fomento da estrutura do Rio Branco, como a possibilidade da construção de um CT.
- Investimentos nas categorias de base: a proposta é que as categorias de base do Rio Branco voltem a ser totalmente controladas pelo clube, sem a atuação de parceiros.
- Investimentos e profissionalização do futebol
Os patrimônios atuais do alvinegro americanense – o estádio Décio Vitta e a Sede Náutica João Tamborlin – não estarão envolvidos na constituição da SAF.
“A SAF responderá apenas ao futebol e à profissionalização dele, para que tenha receitas e volte a formar uma base forte. O futebol é isso. É uma empresa, que tem que dar lucro e que tem que ter os melhores profissionais”, disse Bonaldo.
O presidente destacou que ainda não há prazos e nem mesmo o valor das ações a serem adquiridas. “É a próxima etapa. Primeiro estamos preocupados em aprovar a SAF, para poder criar ela. O Rio Branco terá 100% da SAF. Depois disso, aí sim vamos começar as negociações do que é intangível: a marca, os 108 anos, toda a nossa história… Aí o valor será calculado.”
Recuperação judicial: o ponto-chave
O pedido de recuperação judicial é considerado o ponto-chave para o futuro do Rio Branco. Segundo Bonaldo, toda a receita que tem entrado no clube desde 2016 está sendo bloqueada pela justiça. O pedido de recuperação pode impedir novas penhoras.
“Dinheiro de contratação, premiação, cota da Federação… Tudo é bloqueado. Só estamos pagando dívidas do passado, isso não pode acontecer mais. Precisamos de receita para olhar para frente”, afirmou.
Um exemplo disso foi a venda do lateral-direito Vanderson, do Grêmio, para o Monaco, da França, no mês passado. A transferência foi acertada em 11 milhões de euros (aproximadamente R$ 70 milhões em valores de 2022), sendo que o Rio Branco tinha direito a 30% do valor.
Mais tarde, a diretoria do Tigre esclareceu que dos 30%, 21% pertenciam à SH Sports Ltda. ME – que investia na base alvinegra na época – e 9%, cerca de R$ 6 milhões, eram do Rio Branco, mas que seriam bloqueados pela 1ª Vara do Trabalho de Americana para o pagamento de dívidas trabalhistas. O valor também foi penhorado por conta de uma dívida com um corretor de imóveis.
A dívida supracitada foi feita em 2013, quando ocorreu o leilão da Sede Social, por R$ 6 milhões, justamente devido a um processo piloto com 64 ações trabalhistas. O dinheiro foi imediatamente retido pela justiça para o pagamento das dívidas. Porém, os honorários do corretor, responsável por apresentar o local para possíveis compradores, seriam arcados pelo Rio Branco – o que não foi feito e uma nova dívida foi gerada.
“Sem o dinheiro do Vanderson, temos em torno de R$ 20 milhões [em dívidas]. R$ 10 milhões de dívidas cível e trabalhistas, e R$ 10 milhões de dívidas com a União. Não é possível falar do dinheiro do Vanderson, porque o Rio Branco não foi notificado. O Grêmio não falou sobre o pagamento com a gente”, revelou Bonaldo.
E se a SAF não der certo? Clube estuda garantias
A assembleia no próximo dia 26 será decisiva para a criação da SAF do Rio Branco. Os 36 conselheiros votarão a alteração estatuária e a autorização para instaurar o processo de recuperação judicial. Em primeiro momento, a atual diretoria não espera ter resistência para a aprovação do modelo, já que a oposição está enfraquecida.
Em 1999, o Rio Branco chegou a constituir uma S/A, presidida por Armindo Borelli, para administrar o futebol, mas diante da resistência da oposição a iniciativa não teve continuidade. Naquele mesmo ano, em entrevista ao jornal O Liberal, o então presidente do Rio Branco, Rafael Vitta, o Minão, disse que o clube havia perdido a chance “de deixar de ser um clube pequeno para ser um médio”.
“O conselho tem que se convencer do que é melhor e do que não é para o clube. Todos remam para um lado só. Nós temos que inserir alguma coisa no estatuto em relação à SAF. Depois, a questão de enfrentamento de dívida, também têm que ser criada as cláusulas dentro do estatuto”, afirmou Bonaldo, que confirma que estarão vedadas as mudanças de bandeira, símbolo, cores, cidade e nome, a fim de assegurar a identidade do clube.
Além disso, o Departamento Jurídico do Rio Branco estuda possíveis exigências aos sócios da SAF, para que a associação não se torne refém e tenha garantias. A preocupação por segurança surgiu de exemplos negativos como o do Gama (DF), que precisou entrar na justiça para se desvincular de uma empresa acionista de sua SAF por falta de pagamentos.
“O que nós temos que fazer: garantias à parte. Nós temos hoje um clube, que está respirando por aparelhos, mas nós não queremos mais problemas. Então, nós temos que criar certos gatilhos, trechos, que responsabilizam a SAF por metas conseguidas, por desempenhos e por obrigações”, contou Gilson.
O presidente ainda expõe a situação do clube. “O Rio Branco está em alto mar e o Grupo [Inver] jogou uma boia para o Rio Branco. Nós temos que olhar com carinho se nós vamos agarrar ela, para não afundar, e discutir muito em relação a garantias. Nós temos que pensar no pior também. Mas é bom ressaltar que é um grupo da cidade, está enraizado aqui. E é isso que nós queríamos e que tem sido parte da minha gestão desde o início: que sejam pessoas de Americana.”
A chegada do InverGroup não seria a primeira tentativa de administração conjunta do futebol. Além da S/A no início dos anos 00, o Rio Branco estabeleceu parcerias com as empresas Talent’s (2008-2009), Sport Lifer (2010), Agraben (2011), Anjobol (2011), Bola Gol (2011), Zaka Sports e Marketing (2015), Clube Esportivo Ouroeste (2018) e GC Soccer (2018). Dessas, a Talent’s foi a única que teve resultados consistentes no Tigre, com o acesso conquistado na Série A-2 de 2009 – porém, com dívidas deixadas. O modelo adotado nessas parcerias difere, em âmbitos profissionais, ao que seria adotado com a SAF e o InverGroup.
A preparação para a temporada
O Rio Branco irá disputar em 2022 o Campeonato Paulista da Segunda Divisão Sub-23, equivalente ao quarto nível estadual. O alvinegro está no Grupo 4 ao lado de Amparo, Independente de Limeira, Itapirense, Paulista de Jundiaí e União São João. Esta será a quarta participação consecutiva do time na Segundona.
O processo de constituição da SAF não deverá atrapalhar a preparação do time para o campeonato. A comissão técnica será anunciada na próxima semana e os treinos estão agendados para começarem em 2 de março. Caso o InverGroup passe a administrar o futebol, a expectativa é de que apenas reforços sejam contratados ao longo da preparação e da competição.
A expectativa, entretanto, é mais tímida em relação a 2021, quando o Tigre parou nas quartas-de-final contra o Vocem, de Assis. “Nós não vamos descartar qualquer hipótese. Na verdade, a meta nossa sempre foi disputar o acesso e sermos beneficiados com isso”, concluiu Bonaldo.
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