Uma seleção pode entrar na Copa do Mundo depois que ela já começou a ser disputada? Parece que foi o que aconteceu com a Nicarágua, que vive euforia desde o último sábado, quando Óscar Duarte anotou o segundo gol da surpreendente vitória costarriquenha por 3 a 1 diante do Uruguai. O zagueiro do Bruggee, que nasceu na cidade nicaraguense de Catarina e imigrou com a família para a Costa Rica aos cinco anos de idade, entrou para a história como o primeiro jogador da história da Nicarágua a fazer gol em Mundiais.
Em um país de pouca tradição esportiva, Duarte virou ídolo da noite para o dia. As pautas da imprensa nicaraguense demonstram bem o orgulho nacional. Na mesma edição, o jornal mais vendido de lá, o La Prensa entrevistou sociólogos para uma análise sobre a relação de proximidade entre Nicarágua e Costa Rica, além de conversar com a mãe do jogador, que prometeu convencê-lo a passar seu próximo aniversário na Nicarágua. Em um artigo, o atleta foi exaltado como um exemplo do potencial do povo nicaraguense: “Duarte se formou na Costa Rica. É um país que lhe deu oportunidade e ele a aproveitou. Mas, igual a vocês, ele nasceu aqui. Significa que, sim, há talento (na Nicarágua). É preciso criar condições para desenvolvê-los aqui”.
O curioso é que, apesar de não haver registro de empolgação semelhante à registrada na Nicarágua, outros dois países que jamais disputaram a Copa do Mundo anotaram “seus primeiros gols” na rodada inicial do Mundial do Brasil. A diferença é que, nesses casos, ninguém falou nada…
Pouca gente sabe, mas o chileno Jorge Valdivia, de tantos altos e baixos com a camisa palmeirense, nasceu em Maracay, na Venezuela, a única nação sul-americana a jamais ter se classificado para uma Copa.
Quando o “Mago” veio ao mundo seu pai trabalhava na companhia aérea LAN Chile. Apenas três anos depois, a família retornou ao país de origem, onde o garoto se criou e, aos 18 anos de idade, optou pela cidadania chilena. Ainda assim, o golaço de Valdivia na vitória por 3 a 1 contra a Austrália, em Cuiabá, entra para a história como o primeiro gol venezuelano em Mundiais.
O outro caso aconteceu em uma seleção bastante acostumada a acolher naturalizados (até demais). Em 2010, a Suíça fez história ao vencer a futura campeã do mundo Espanha com um gol chorado do cabo-verdeano Gelson Fernandes. Neste ano, a esquadra helvética estreou diante do Equador com cinco atletas nascidos fora de suas fronteiras: o marfinense Djourou, os kosovares Behrami, Xhaka e Shaqiri, e o macedônio Mehmedi.
Coube ao último a honra de marcar um gol na Copa. Mehmedi nasceu em Gostivar, na época pertencente à antiga Iugoslávia, e imigrou com a família para a Suíça aos dois anos de idade.
Pelos cálculos do Última Divisão, quatro países que jamais disputaram o Mundial ainda podem se juntar a Nicarágua, Venezuela e Macedônia. Eles podem ter o “primeiro gol em uma Copa do Mundo” caso jogadores que nasceram em seus territórios consigam balançar as redes nos gramados brasileiros.
Separamos ainda outros três casos à parte, de países que já jogaram Copas sem fazer gols e o do islandês Aron Jóhannsson, que “traiu” a nação onde cresceu para defender os Estados Unidos, onde nasceu. Veja quem pode realizar a façanha:
Albânia – Kone (Grécia) Conhecido pela torcida do Bologna como “a pequena faca das Balcãs”, por sua presença letal na pequena área, o meia-atacante Panagiotis Kone nasceu em Tirana, capital da Albânia, mas imigrou para a Grécia com a família aos dois anos de idade.
Mesmo com dupla cidadania, o “faquinha” afirmou, em entrevista ao site da Fifa, que não hesitou quando foi convocado pela primeira vez para defender a Grécia, em 2010. “A Grécia me deu tudo, como pessoa e como jogador. Tenho uma grande dívida com esse país, que foi muito receptivo com meu pai, um biologista, quando ele decidiu se mudar para cá”, disse.
Na estreia grega, em derrota por 3 a 0 contra a Colômbia, Kone teve uma atuação apagada e foi substituído no fim do segundo tempo.
Guiné-Bissau – Éder (Portugal)
Em um ano no qual chorou a morte do seu maior jogador da história, o moçambicano Eusébio, a seleção portuguesa convocou dois africanos de nascimento para a disputa da Copa. O mais famoso deles, o cabo-verdeano Nani, do Manchester United, não pode mais se tornar o primeiro de seu país a fazer um gol em um Mundial, já que Gelson Fernandes o marcou antes, em 2010, pela camisa suíça.
Portanto, quem ainda pode fazer história é o atacante Éder, natural da Guiné-Bissau, ex-colônia de Portugal, para onde imigrou na adolescência. Em 2011, quando jogava no Acadêmica, ele recusou uma convocação do seu país-natal pois tinha objetivos maiores.
“Já fizemos o nosso trabalho, tendo em conta a qualidade que o Éder tem decidimos convocá-lo, mas ele teve uma atitude muito humana e muito responsável, explicando que tem o sonho, até pela idade que tem, de vir a representar a seleção portuguesa. Continuamos a apostar nele, a tentar que no futuro ele represente a seleção da Guiné, mas ele pediu-nos para ter paciência, aguentar um bocadinho”, declarou Hélder Fontes, técnico da seleção africana na época.
Pouco depois o sonho se concretizou e o jovem Éderzito António Macedo Lopes, que hoje defende o Braga, se tornou nome constante nas listas do treinador Paulo Bento. Na desastrosa estreia lusa na Copa, com derrota por 4 a 0 diante da Alemanha, o atacante entrou em campo aos 26 minutos do primeiro tempo, após lesão do titular Hugo Almeida, quando o placar ainda era 1 a 0.
Kosovo – Shaquiri, Xhaka e Behrami (Suíça)
O governo brasileiro ainda não reconhece o Kosovo como um país independente, mas a Fifa já. Em 2014, a nação realizou a sua primeira partida oficial, em um empate contra o Haiti. Enquanto a equipe engatinha, três kosovares de nascimento defendem as cores da Suíça, país que recebeu milhares de imigrantes de ex-repúblicas iugoslavas após o agravamento dos conflitos armados na região, nos anos 90.
E eles são justamente três das maiores estrelas da equipe, todos titulares que abandonaram o país natal muito cedo: Xherdan Shaquiri, meia-atacante do Bayern de Munique, deixou Gnjilane com um ano de idade. Granit Xhaka, meia do Borussia Mönchengladbach, se mudou de Gijlan com poucos meses de vida. Completando a trinca, Valon Behrami, volante do Napoli, partiu de Titova Mitrovica para a Suíça quando tinha cinco anos.
Como cerca de 95% da população kosovar, o trio “suíço” têm também ascendência albanesa. Fortemente ligado às origens, todos são ativistas e ajudaram a convencer a Fifa a permitir a participação da seleção de Kosovo em competições oficiais. Shakhiri costuma calçar chuteiras com as três bandeiras dos países que representa: Suíça, Albânia e Kosovo.
Mais multicultural das seleções da Copa, o time suíço tem sete dos seus 23 convocados nascidos fora do território. Outros oito são filhos de estrangeiros. Em entrevista para a agência ANSA, o pesquisador Raffaele Poli comentou: “a Suíça é um país de imigração. Tendo em vista a riqueza do país, sempre chegaram muitos habitantes estrangeiros. Da Itália, da Espanha, da Alemanha, e mais frequentemente da Turquia e da ex-Iugoslávia. A seleção tem uma grande aceitação, até porque os resultados têm sido bons”.
Uzbequistão – Odemwingie (Nigéria)
Filho de estudantes estrangeiros de medicina, a mãe nigeriana e o pai russo, Peter Osaze Odemwingie nasceu em Tashkent, capital do Uzbequistão, país que tem batido na trave nas Eliminatórias Asiáticas e teve boas chances de se classificar para as Copas de 2006 e 2014. Acompanhando a família, ele se mudou para a Nigéria com dois anos de idade, mas imigrou para a Rússia na adolescência, onde cresceu e começou a carreira como jogador nas categorias de base do KAMAZ e CSKA Moscou.
Ainda com 17 anos, voltou para a Nigéria e lá se tornou ídolo do Bendel Insurance FC, clube pelo qual se profissionalizou. Após idas e vindas, optou pela nacionalidade nigeriana, chegando a disputar a Olimpíada de 2008 e a Copa do Mundo de 2010. No Mundial do Brasil, Odemwingie entrou em campo na metade do segundo tempo durante o empate sem gols das Águias Verdes com o Irã.
CASO À PARTE 1: pela redenção canadense
Canadá – Jonathan de Guzmán (Holanda)
O Canadá já disputou uma Copa do Mundo, no México, em 1986, mas foi o saco de pancadas do grupo que contou com França, União Soviética e Hungria, terminando a competição sem marcar um único gol. Agora, 28 anos depois, o canadense naturalizado holandês Jonathan de Guzmán, meia do Swansea, pode fazer um “gol canadense” no Mundial.
Jonathan nasceu em Scarborough, no estado de Ontário, filho de pai jamaicano e mãe filipina. Já mostrando talento aos 12 anos de idade, incomodado com o pouco desenvolvimento do futebol no Canadá, se mudou para a Holanda e se juntou às categorias de base do Feyenoord. Em uma entrevista recente, ele explicou a situação: “depois da escola, eu e meu irmão queríamos jogar futebol. Isso era muito difícil no Canadá, pois quase ninguém da minha idade fazia isso”, desabafou.
O irmão de Jonathan, Julian de Guzmán, sete anos mais velho, também foi para a Europa tentar a sorte, no Olympique de Marselha. Hoje ambos são jogadores de seleção: enquanto Jonathan optou pela Holanda, Julián aceitou o desafio de atuar pela seleção canadense, na qual é uma das maiores estrelas.
Na Copa de 2014, Jonathan de Guzmán começou as duas primeiras partidas da Holanda como titular, em vitórias contra Espanha e Austrália, mas foi substituído no final do segundo tempo em ambas.
CASO À PARTE 2: pela redenção congolesa
Rep. Dem. do Congo – Vanden Borre (Bélgica)
A exemplo do Canadá, a República Democrática do Congo também já disputou uma Copa, quando ainda se chamava Zaire, em 1974. Mas não conseguiu marcar nenhum gol e deixou o Mundial com um desastroso saldo de -14, fruto especialmente de um humilhante 9 a 0 contra a Iugoslávia. Reza a lenda que, após essa partida, o ditador Mobutu chegou a ameaçar os jogadores de nunca mais voltarem a ver suas famílias caso perdessem por mais de 5 gols de diferença para o Brasil. Por sorte, o confronto terminou apenas 3 a 0.
De lá para cá o país até teve suas glórias futebolísticas, como a vitória do Mazembe contra o Internacional no Mundial de Clubes de 2010. Mas o gol em Copas do Mundo ainda não saiu. Nem mesmo Émile Mpenza, astro belga nos Mundiais de 1998 e 2002, filho de congoleses, conseguiu. Uma nova chance surge em 2014, pelos pés de um zagueiro.
Anthony Vanden Borre, do Anderlecht, nasceu em Likasi, no antigo Zaire, mas cresceu na Bélgica. De todos os “estrangeiros” deste post ele é o único que não entrou em campo na primeira rodada da Copa do Mundo no Brasil, mas é uma opção do treinador Marc Wilmots para os próximos jogos.
CASO À PARTE 3: o islandês “traídor”
Islândia – Aron Jóhannsson (EUA)
Com uma população de 320 mil habitantes (menos que quase 80 municípios brasileiros), a Islândia ficou muito perto de se tornar o país de menor população a disputar uma Copa do Mundo, com 1 milhão a menos de pessoas que Trinidad e Tobago, atual dono do posto por sua participação na Alemanha-2006.
Após segurar empate em Reyjavik, a seleção nórdica caiu diante da Croácia, em Zagreb, por 2 a 0, no jogo de volta da repescagem europeia. Mesmo com a derrota, a história islandesa no Brasil ainda não acabou: um dos maiores talentos da nova geração do país disputará o Mundial, só que pela seleção americana.
Aron Jóhannsson nasceu no Alabama e não na Islândia, portanto não faz parte da nossa lista original. Mas seus pais são islandeses, ele se mudou para a Islândia com três anos, cresceu lá e chegou a defender a seleção sub-21 da nação europeia.
Em outubro de 2012, aceitou convocação para o time principal islandês, porém foi cortado na última hora por uma lesão. A partir dali, começou a se destacar cada vez mais como como atacante do AZ Alkmaar, até que, em julho de 2013, surpreendeu a todos ao postar no Facebook que estava “à disposição para uma convocação da seleção americana”. Já um mês depois, Jurgen Klinsmann o convocou e ele estreou em amistoso contra a Bósnia.
O islandês “traidor” veio para a Copa e entrou em campo aos 23 minutos do primeiro tempo na vitória contra Gana, após lesão de Jozy Altidore. Nas próximas partidas, deve começar como titular.
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