Poucos jogos do Brasil envolvem tantos atrativos como um Fla-Flu: desde um nome interessante, passando por uma rivalidade histórica enorme, o clássico já foi palco para grandes jogos, belos gols, momentos inesquecíveis e até para a política. A política? Sim, isso mesmo. Em um dos momentos mais importantes do Brasil, o futebol esteve envolvido graças ao confronto carioca. Poucos sabem, mas havia sim algo de Fla-Flu na maior manifestação pública da história tupiniquim.
Era 1984. Estouravam protestos e manifestações políticas em todo o Brasil, como nunca antes acontecera. Quem gerava descontentamento e revolta era o governo comandado por um assumido torcedor do Fluminense: o General João Baptista Figueiredo presidia o país em um sistema militar, mas o povo pedia que seus representantes fossem eleitos democraticamente. O movimento das “Diretas Já” tomou as ruas em vários estados, e só em São Paulo chegou a juntar mais de 1 milhão de pessoas. E foi aí que a história do Fla-Flu começou a se misturar com todo esse agito político.
Dante de Oliveira foi o deputado do PMBD que enviou uma emenda constitucional para mudar o modo de escolha do Presidente da República. Mesmo com o massivo apoio popular, a proposta foi rejeitada, mas funcionou como um marco para o início da redemocratização do Brasil. A eleição seguinte, ainda em 1984, teria ares mais democráticos do que nunca nos últimos 20 anos. Entretanto, mesmo assim, os militares não queriam se ver longe do poder: Paulo Maluf, membro do partido do governo militar, era o homem escolhido para dar continuidade aos interesses do tricolor João Figueiredo. Do outro lado, Tancredo Neves era o candidato com total aprovação do povo e representava a possibilidade de mudanças na história do país.
É aqui que a aula de história acaba e o futebol aparece: João Figueiredo buscava aquilo que seu rival tanto tinha: uma imagem melhor diante dos brasileiros, uma vez que sempre rejeitou essa aproximação, tendo dito certa vez que preferia “cheiro de cavalo a cheiro do povo”. E nada melhor do que o esporte para conseguir isso. Ele, que já tinha até cedido um terreno da Associação dos Tarifeiros da Marinha para a construção do que é hoje o Centro de Treinamento de Xerém, conseguiu se aliar à diretoria do Fluminense antes das eleições. No Palácio do Planalto, uma comissão tricolor visitou o então presidente, entregou a faixa de campeão estadual de 83 para ele e deu até uma medalha comemorativa. Paulo Maluf também faturou uma camisa do time como presente.
A imprensa carioca reagiu rapidamente: várias críticas foram feitas ao Fluminense por causa do apoio dado exatamente ao candidato que tinha total reprovação do povo. Até mesmo um jogador do tricolor carioca estranhou o acontecimento – e não foi qualquer jogador: Romerito, paraguaio craque e ídolo daquele time, comentou que era estranho ver aquela cena. Ele não entendia a razão do clube ajudar logo o candidato que era contra os anseios populares. Foi então que o Flamengo entrou na história: o clube se aproveitou do fato de Tancredo Neves, nome forte junto à maioria dos brasileiros, ser flamenguista assumido, e transferiu a rivalidade das urnas para o campo.
O que antes já era uma disputa de relevância enorme, pois podia mudar os rumos políticos de uma nação, ganhou um atrativo a mais: o clássico entre Flamengo e Fluminense, que decidiu a Taça Guanabara de 1984, colocou frente a frente as preferências de João Figueiredo e Tancredo Neves. Como se não bastasse, o jogo ainda foi decidido com um pênalti polêmico: Duílio, do Fluminense, agarrou a bola com as mãos após imaginar que ouviu o apito do juiz José Roberto Wright, que não aconteceu. Após a cobrança da falta, Adílio fez o gol decisivo. A comemoração foi enorme e técnico rubro-negro, Zagallo, disse que aquela conquista teria, para ele, o mesmo peso do tri com a seleção brasileira. Vitória do Flamengo em campo, que depois se consolidou com a vitória de Tancredo Neves nas urnas. Resultado: conquistas da Taça Guanabara e da democracia.
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