Nas minhas andanças por estádios, eu sempre busco uma criança torcedora. Fico olhando e observando, e sei que aquele time vai longe, pois ao menos aquele serumaminho vai carregar esse sentimento por mais uns 40 anos.
Em um Coritiba 2 x 2 Juventude no Couto Pereira, por exemplo, coube a Gabriel puxar a Império Alviverde. A plenos pulmões, vibrou e torcer para o Coritiba como tem que se torcer.
Os pais do Gabriel são torcedores do Athletico, o que torna a situação ainda mais peculiar.
É em casos assim que o futebol se mostra algo antropológico, que deveria ser estudado com mais entusiasmos. Afinal, qual seria o motivo que o Gabriel teria para torcer para o Coritiba?
Torcer para o Athletico seria o mais fácil – pais rubro-negros, clube estruturado, figurando entre os maiores do continente após os títulos de 2018 e 2021 da Copa Sul-Americana. Ali, várias estrelas surgem e vão para a seleção brasileira. Em campo, um dos times mais copeiros do país.
Mas Gabriel torce para o Coritiba.
Com 8 anos, ele talvez nem se lembre, mas viu o Coxa garantir dois títulos estaduais, em 2017 e 2022. E também viu duas quedas do time no Campeonato Brasileiro, em 2017 e 2020, além de algumas crises. Enfim.
Mas o ponto é exatamente esse: a criança não escolhe o time por causa de um elenco bom e campeão ou por vencer sempre. A gente escolhe um time por identificação, por pertencimento.
O pouco que sei do Gabriel é que o tio que é coxa-branca e leva o menino aos jogos. Esse tio também faz parte da principal torcida organizada do clube. Assim, de alguma forma, Gabriel se identificou mais com o time do tio, e não com o dos pais.
Eu também fui assim, mas meus pais nem gostam de futebol. Meu pai torce para o Inter, mas não é do tipo que acompanha, e eu nunca vi um jogo com meu pai no estádio.
Foi meu tio Herivelto quem me apresentou o Corinthians, quem me deu várias camisas do Timão e foi com o time do meu tio que me identifiquei quando era criança. O Operário só foi virar meu time quando ele voltou a ter um time profissional, em 2004, mas aí foi uma escolha de apoiar o time da minha cidade. Escolha que, por mais que doa, foi a melhor que fiz.
Mas quando criança eu não sei explicar o porquê de ter escolhido o Corinthians, já que meus outros tios eram palmeirense.
Eu sei que, assim como o Gabriel escolheu o Coritiba, o Miguel, afilhado de uma amiga minha, torce para o Athletico – a família toda athleticana, o Miguel não teve escapatória. Mas para a surpresa de todos, Miguel quis conhecer a sede da Fanáticos, principal organizada rubro-negra. Quis uma camisa da torcida, quis tirar foto e se sentir incluído ali.

Tanto Miguel quanto Gabriel querem mesmo fazer parte da festa do futebol. Da bateria que pulsa dentro do peito. Da música, dos cânticos até mesmo provocativos e cheios de palavras de baixo calão.
Porque é ali, no meio deles, que vários Miguéis e Gabriéis se sentem pertencentes a algo maior que eles.
Eu mesma tenho várias questões com as organizadas, principalmente com a violência e rivalidades levadas ao limite. Mas não há como negar que as baterias, os cânticos, as regras, as cores e os sons fazem com que as crianças se apaixonem.
Criança gosta de festa e de barulho. No fundo, o placar nem sempre importa.
É esse o estudo antropológico que deve ser feito sobre pertencer, identificar, escolher amar um time que pode ser campeão continental ou cair para a Série B do Brasileiro. O amor não se explica.
No livro Os Quatro Amores, C. S. Lewis define que o amor pode ser comunicado de quatro maneiras: afeição, ou a forma mais básica de amar; amizade, considerada a mais rara; eros, o amor apaixonado; e caridade, o maior e menos egoísta deles.
Eu acrescentaria um amor louco aí, que nem mesmo eu consigo definir, mas é esse amor bizarro que criamos por um time. Um amor tão puro e violento. Um amor sem explicação, mas que nos dá as maiores alegrias das nossas vidas e também as piores dores que podemos sentir.
Ao amor louco, eu agradeço tio Herivelto, por me apresentar. Ao tio Railson, por me mostrar como amar um fantasma. Aos tios e tias que fazem o futebol ter um futuro longo cheio de pequenos apaixonados.
A esse amor que nos faz ter a certeza que pertencemos a algo maior que nós.
Pra cima deles, Fantasma!
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