Você sabe que Estados Unidos e União Soviética viveram décadas de tensão no século XX, durante a chamada Guerra Fria. Ao redor do mundo, diversas nações aliadas das duas superpotências eram coadjuvantes nessa rivalidade, cujos resquícios nós vivemos ainda hoje em todo o mundo.
Mas talvez você não saiba que, no início da década de 1970, Estados Unidos e Cuba quase protagonizaram uma segunda edição da chamada Crise dos Mísseis. O motivo: campos de futebol.
No fim, assim como aconteceu na primeira crise, os dois lados conseguiram apaziguar a situação, evitando o pior. Mesmo assim, os gramados cubanos entraram para a história (de forma discreta, é verdade) como motivo de grande preocupação na Casa Branca.
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Se você não conhece essa história, vamos a ela.
Crise dos Mísseis
Antes de tudo isso, é preciso contextualizar a tensão vivida no Caribe durante o começo da década de 1960.
Em abril de 1961, paramilitares cubanos que viviam exilados nos Estados Unidos tentaram invadir Cuba com o apoio da CIA (Agência Central de Inteligência, do governo norte-americano) com o objetivo de derrubar o governo de Fidel Castro.
O plano foi um grande fracasso do início do governo de John F. Kennedy. Os cubanos anticastristas chegaram a desembarcar na Baía dos Porcos, mas foram derrotadas pelos militares cubanos (treinados pelos aliados soviéticos) na chamada Batalha de Girón.
A iniciativa foi uma das que incomodaram a União Soviética, que também já estava insatisfeita com instalação de misseis norte-americanos em países como Turquia e Itália. Foi então que o gabinete de Nikita Khrushchev decidiu instalar misseis balísticos em Cuba, a pedido do próprio aliado caribenho, temendo mais uma possível tentativa de invasão dos EUA.
O episódio ficou conhecido com a Crise dos Mísseis e gerou muita tensão internacional – especialmente depois que um avião espião norte-americano foi abatido no espaço aéreo cubano, matando o piloto. Foram dois meses de tensão, entre outubro e novembro de 1962, até que as superpotências recuassem e aceitassem retirar os mísseis que haviam sido instalados em nações aliadas.
‘Soviéticos jogam futebol’
No começo de 1970, diversos navios soviéticos foram vistos a caminho de Cuba, provocando desconfiança no governo norte-americano. O temor era de que, mais uma vez, Moscou estivesse municiando o território do aliado caribenho para um possível conflito armado.
Em setembro, Henry Kissinger – então conselheiro nacional de segurança dos Estados Unidos – recebeu fotos de reconhecimento tiradas por aviões sobre o território cubano. A presença de vários descampados deixou o futuro secretário de Estado em alerta.
As fotografias mostravam campos de futebol que os cubanos estavam construindo na cidade portuária de Cienfuegos. Mas as clareiras das fotos (semelhantes aos terrenos utilizados como bases de lançamentos de mísseis que geraram a crise de dez anos antes), e os navios soviéticos que vinham sendo vistos no Caribe deixaram Kissinger assustado.
Assim, ele correu para contar a novidade a H. R. Haldeman, então Chefe de Gabinete da Casa Branca. Para Kissinger, a presença de campos de futebol em Cuba era um sinal de que os soviéticos não apenas estavam a caminho, como ainda pretendiam ficar um longo período.
“Aqueles campos de futebol podem significar guerra”, argumentou Kissinger, segundo o próprio Hadelman. “Cubanos jogam beisebol, e soviéticos jogam futebol.”
O argumento não se sustentava. Cuba possuía (e possui) uma liga nacional desde 1912, com clubes longevos (o FC La Habana foi fundado em 1915) e até já disputou uma Copa do Mundo (caiu nas quartas de final em 1938, depois de despachar a Romênia na estreia). Embora o futebol não seja o esporte mais popular do país, a presença de campos não chega a ser uma anormalidade.
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Apesar da preocupação de Henry Kissinger, o motivo jamais se justificou. E os temores dos EUA só foram resolvidos em outubro de 1970, quando o embaixador soviético nos EUA, Anatoli Dobrynin, reafirmou ao governo norte-americano que o compromisso firmado em 1962, de que bases da URSS não seriam construídas em Cuba, continuava válido.
Os campos construídos, no entanto, não se converteram em grandes resultados para o futebol cubano. A despeito do quarto lugar (entre seis times) no Campeonato da Concacaf de 1971, o país conseguiu poucos resultados nos últimos anos – destaque para as quartas de final nas edições 2003, 2013 e 2015 da Copa Ouro.
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