Imagine se o nome Brasil não tivesse “pegado” e boa parte do mundo ainda nos conhecesse como Terra de Vera Cruz. A ideia é absurda, mas serve para ilustrar o que acontece em casos como Myanmar (ex-Birmânia) e República Democrática do Congo (ex-Zaire), talvez mais facilmente reconhecíveis pelas antigas nomenclaturas do que por suas denominações nos Atlas atuais. Ao menos eles não estão pior que um país europeu que nem sequer o Itamaraty decidiu se deve ser chamado de Belarus ou Bielorrússia. Poucos sabem, existe sim uma grafia correta.
Apesar da maioria dos dicionários da língua portuguesa aceitar as diversas variações (Belarus, Bielorrúsia ou Bielo-Rússia) e o gentílico local ser predominantemente conhecido como bielorrusso, o país possui apenas um nome, que é Belarus (só não me perguntam se a pronúncia é Belárus ou Bêlarús). A confusão acontece porque entre 1920 e 1991, enquanto foi uma república da União Soviética, o nome era Bielorrúsia (“Rússia Branca”, apelido da região desde tempos medievais). Depois mudou, mas (como a maioria das coisas que acontecem por lá) isso não foi muito divulgado.
Com essa informação, quem gosta de esbanjar cultura poderá se divertir bastante no próximo dia 27 de julho, quando Brasil e Belarus se enfrentarão pela segunda rodada do torneio masculino de futebol na Olimpíada. Algum zeloso leitor do Última Divisão esbravejará quando Galvão Bueno apresentar a escalação da “Bielorrússia”: “ele não sabe que já acabou a Guerra Fria? Cala a boca”. Dá para fazer ainda melhor e exigir correção de todos os veículos de imprensa que publicarem a versão antiga da bandeira do país, levemente modificada no último dia 22 de maio.
Há pelo menos dois temas bielorrussos que podem ser encontrados com certa frequência no noticiário: a trajetória da tenista Victoria Azarenka, atual campeã do Aberto da Austrália, e as polêmicas de Aleksandr Lukashenko, presidente do país desde 1994, que é conhecido como “o último ditador da Europa” e foi o autor de uma frase que deixaria até o Hélio dos Anjos indignado: “melhor ser ditador do que ser gay”.
Pode ser que você saiba o nome da capital (Minsk) e deduza que, localizado onde está, o país é muito frio na maior parte do ano e tem tradição em esportes como ginástica artística, levantamento de peso e arremesso de martelo. Talvez você até tenha ouvido falar sobre o obscuro plágio do seriado The Big Bang Theory na TV local, desmascarado recentemente.
Mais difícil é encontrar quem saiba mais que o básico sobre o futebol de lá. As referências mais fortes foram algumas participações do BATE Borisov, atual hexacampeão nacional, em fases de grupos da Liga dos Campeões, e o sucesso internacional do lateral/atacante Alexander Hleb, conhecido por passagens por Stuttgart, Arsenal e Barcelona. Em baixa, ele hoje atua, aos 31 anos, no Krylia Sovetov, equipe mediana que na última temporada foi quase impedida de disputar o Campeonato Russo por problemas financeiros.
Se Hleb já não é mais o mesmo, uma das grandes esperanças nacionais é um brasileiro. Natural de Tubarão-SC, Renan Bressan chegou ao país em 2007 para defender o Gomel, atual campeão da segunda divisão da liga local e da Copa de Belarus. Emergente como o clube, ele assinou contrato com o BATE e se naturalizou bielorrusso. No último dia 29 de fevereiro, Bressan defendeu as cores rubro-verdes (da bandeira de Belarus, não da Lusa) pela primeira vez, em um empate sem gols contra a Moldávia.
A seleção bielorrussa chamou a atenção do mundo com algum destaque há apenas dois anos: no dia 3 de setembro de 2010, os comandados do treinador alemão Bernd Stange souberam aproveitar o abatimento da França depois da campanha decepcionante na Copa do Mundo daquele ano. Sem piedade, Belarus estreou nas eliminatórias para a Eurocopa com uma vitória por 1 a 0 em pleno Stade de France, graças a um gol de Kislyak aos 40 minutos do segundo tempo.
No entanto, o rendimento surpreendente não teve sequência e a equipe terminou a chave apenas na quarta colocação, após perder pontos para seleções mais fracas como Albânia e Luxemburgo. Ficou o consolo de não ter perdido para os franceses (no jogo de volta, em Misnk, Abidal, poucos dias após conquistar a Liga dos Campeões com o Barcelona, marcou um gol contra e o placar ficou em 1 a 1).
Os “fregueses” franceses estarão no caminho de Belarus novamente nas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2014, no papel de favoritos destacados do Grupo I ao lado da Espanha. Se parece muita ousadia sonhar com uma das duas primeiras posições, ao menos o futebol do país poderá colocar a evolução em teste em jogos mais equilibrados, contra Finlândia e Geórgia.
As chances de sonhar mais alto dependem do amadurecimento de jovens promissores, que já fizeram história com um terceiro lugar no Europeu Sub-21 de 2011 e garantiram a inédita vaga olímpica. Entre as principais esperanças estão o atacante Andrey Varankow (hoje já com 23 anos, vinculado ao Dínamo de Kiev e emprestado ao bielorruso Neman Grodno), e especialmente o meia Mikhail Sivakov, único bielorruso escalado na seleção final do torneio de base continental (de 24 anos, ex-Cagliari, hoje no belga Zulte Waregem). Abre o olho, Mano!
Para chegar a Londres, porém, os bielorrussos enfrentaram um caminho tortuoso na Dinamarca, onde foi disputado o Europeu Sub-21. Na primeira fase, fizeram campanha idêntica às dos anfitriões e da seleção da Islândia, todas com apenas 1 vitória em 3 jogos. Um gol a mais no confronto direto entre os três países permitiu que a equipe do leste europeu avançasse, ao lado da Suíça, que passou para o mata-mata com 100% de aproveitamento.
Já na fase semifinal, faltou pouco para Belarus eliminar a Espanha, que viria a ser campeã do torneio. Voronkov abriu o placar aos 38 minutos do primeiro tempo e o resultado se manteve até o penúltimo minuto de jogo, quando Adrián empatou. Na prorrogação, Adrián (do Atlético de Madrid) voltou a marcar e Jeffrén Suárez (venezuelano naturalizado espanhol do Barcelona) eliminou os azarões.
Restou então a oportunidade de disputar as Olimpíadas caso vencessem a decisão de terceiro lugar. E os bielorrussos não desperdiçaram a chance: em mais um jogo tenso, o placar era de 0 a 0 contra a República Checa até os 43 minutos do segundo tempo, quando o zagueiro Egor Filipenko, do BATE Borisov, fez o gol mais importante da história de Belarus até aqui.
Em Londres, parece possível superar Egito e Nova Zelândia para avançar às quartas de final com o segundo lugar do Grupo C. O Brasil, na teoria, será líder com facilidade. Ou será que Belarus nos ensinará seu nome correto do jeito mais doloroso possível?
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