Clésio Moreira dos Santos é um dos árbitros mais conhecidos de Santa Catarina e do Brasil nos últimos 20 anos. Mas não se espante se, em um primeiro momento, você não se lembrar deste nome. Clésio ficou conhecido por suas atuações, mas também por seu jeito irreverente e peculiar de conduzir a arbitragem da partida. Por isso, neste dia 8 de janeiro, o Última Divisão presta homenagem ao aniversário de 53 anos deste carismático árbitro – que você provavelmente conhece como… Margarida.
Nascido em Santos (SP), Margarida se mudou para Palhoça (SC) há 35 anos. Lá, se tornou torcedor do Guarani de Palhoça – sim, pois árbitros têm times – e se arriscou no futebol amador. Percebendo a falta de intimidade com os pés, o “pereba” Clésio decidiu adotar o apito. E se deu bem.
Mas que não se engane quem pensa que Margarida é apenas um fanfarrão da arbitragem. Formado pelo curso da Federação Catarinense de Futebol em 1988, apitou partidas oficiais por mais de 15 anos, incluindo finais de campeonato e torneios no exterior – tudo isso, dividindo seu tempo com a profissão de representante comercial.
O estilo peculiar, porém, lhe rendeu sequência no mundo do futebol. Os gestos expansivos e o posterior uniforme exótico ajudaram a tornar seu nome conhecido no futebol amador, onde ele podia atuar todo em cor-de-rosa. Hoje, aposentado do futebol profissional, abandonou as atividades comerciais e sobrevive apenas com suas apresentações. “Atualmente, sou o único arbitro-show do mundo”, diz.
Para homenagear esta ilustre figura do futebol brasileiro, o Última Divisão falou com Clésio. E ao longo de um bem-humorado bate-papo por telefone, Margarida falou sobre carreira, preconceito, homossexualidade, arbitragem, Armando Marques, Carlos Eugênio Simon, família, e garantiu: “a primeira pergunta que fazem é se eu sou ou não sou viado”.
Última Divisão: Bom, em primeiro lugar, não sei como te chamar: Clésio ou Margarida.
Clésio: Vamos fazer a entrevista como Margarida
UD: OK, Margarida. Li em uma entrevista que você não gosta de futebol. É verdade?
Margarida: Não sou muito chegado, pela violência dentro dos estádios. Isso afugenta um pouco o torcedor e deixa a gente entristecido, preocupado com quem vai ao estádio. Tem também a atual fase de valores dentro do futebol brasileiro. É raro ver um craque, na concepção da palavra.
UD: Mas você gostava, certo?
Margarida: Sim, sempre gostei de futebol, sempre fui a estádio. Quando criaram as organizadas – que de organizada não têm nada – é que deixei de ir.
UD: Que jogador te faria ir ao estádio hoje?
Margarida: Um jogador que me levaria? Um Zico, um Pelé, um Rivelino, Tostão, um Paulo César Caju, Falcão… Estou sendo exigente demais, né? (risos)
UD: E o que levou você a ser árbitro?
Margarida: Pergunta interessante. Quando eu jogava futebol no time da rua, eu era reserva do reserva. Ou eu carregava o saco de roupa, ou vestia a camisa 15. Só entrava quando alguém se machucava. Aí, caí na realidade de que era um pereba (risos), e a única vaguinha que eu arrumava nas peladas de bairro era o apito. Foi isso que me levou. Descobri meu verdadeiro dom.
UD: Nessas arbitragens amadoras, você já fazia toda a performance do Margarida?
Margarida: Não, ainda não. Comecei a colocar isso em prática em 1992. Me deu um estalo. Comecei a fazer minhas pantomimas dentro de jogos de juniores, de campeonato amador, de peladas de bairro. Aí eu vi que começou a chamar a atenção do público. Em 1998, resolvi implantar também o uniforme cor de rosa.
Mas é importante destacar que eu nunca imitei o Jorge (o carioca Jorge José Emiliano dos Santos, primeiro Margarida). Foi um amigo da imprensa que colocou o apelido, por eu me achar parecido – inclusive fisicamente – com o Jorge. Mas meu estilo de corrida, de dar cartão, de iniciar o jogo, é coisa minha. Nunca imitei o Jorge Emiliano, mas tinha – e ainda tenho – o maior respeito, o maior carinho e admiração por ele. Mas todo mundo tem que considerar que eu sou o precursor, por impor esse estilo no futebol, em um esporte machista. Até então, você nunca tinha visto uma camisa cor de rosa, uma chuteira cor de rosa. Hoje em dia, o Neymar usa, o Robinho usa, o Cristiano Ronaldo usa.
UD: E como eram as reações do público, dos jogadores? Rolava uma perseguição?
Margarida: A do público era interessante. O público gostava, mas sempre fui criticado por companheiros de arbitragem. Sofri muita pressão, fui muito perseguido por dirigentes de federações… Principalmente do Armando Marques (então chefe da Comissão de Arbitragem da CBF). Esse aí era uma ciumeira… O primeiro recado dele que eu recebi pelo doutor Delfim (Delfim Pádua Peixoto, presidente da Federação Catarinense de futebol) foi: “avisa para o teu Margarida aí que viado no futebol só tem um” (risos). Isso mesmo, pode destacar aí. Pra você ver, né? Sempre levei a regra a sério, mas sempre levando de forma divertida. Nunca tive problema com camburão, torcedor, jogador… Pelo contrário, os jogadores gostavam de quando eu ia apitar, porque tirava o foco do torcedor para mim.
UD: Alguma vez algum jogador ou técnico se mostrou desconfortável, incomodado com o Margarida?
Margarida: Nunca, pelo contrário. Sempre fui muito respeitado pelos atletas, o carinho que tiveram sempre foi muito grande. Nunca tive entrevero ou indisposição. Quando a gente faz jogos ou amistosos, todos vêm falar com carinho, com educação.
UD: Você se lembra quando foi seu primeiro jogo de rosa?
Margarida: Foi no lamaçal. A Rede Globo me contratou para fazer um jogo em uma cidade chamada Turvo, no sul de Santa Catarina. Eu já apitava uns jogos de rosa, e caiu na mídia. Ia passar no Me Leva, Brasil, do Maurício Kubrusly (quadro do programa “Fantástico”). Era o Futlama. No profissional, nunca usei porque não pode. Era sempre vermelho, bordô, um bordô com uns detalhes pretos… Sempre achei roupa preta sisuda, parecia coisa de agente funerário.
UD: Mas existe alguma regra que proíba o árbitro de entrar de chuteira rosa, por exemplo?
Margarida: Não existe. A regra do equipamento, número 3, não menciona nada de cor. O atleta apenas deverá entrar em campo com meia, calção, camisa e chuteiras.
UD: Então, se você quisesse, poderia entrar em campo de uniforme cor-de-rosa.
Margarida: Se eu quisesse, sim. Infelizmente os departamentos técnicos solicitavam “educadamente” para não utilizar. Mas vontade não faltava.
UD: Hoje você já esta aposentado, certo?
Margarida: Parei com a arbitragem profissional em 2004. Pela idade, mas também um pouco desgostoso com o futebol.
UD: Já apitou jogo do Guarani de Palhoça?
Margarida: Já, e perdeu. Não tinha sorte comigo no apito. O pessoal nunca desconfiou.
UD: Para você, quem é o grande nome da arbitragem brasileira hoje?
Margarida: Infelizmente, teve que parar. Eram dois. Um, o Carlos Eugênio Simon, pela idade. E o Leonardo Gaciba, por problemas de avaliação física. Mas tenho um carinho muito grande pelo Paulo César de Oliveira. Acho ele fantástico.
UD: O Joseph Blatter já disse que as arbitragens na Copa de 2014 serão profissionais. Você concorda com a profissionalização?
Margarida: Se em 2014 a Fifa pretende utilizar árbitros profissionais na Copa do Mundo, o Brasil não vai ter ninguém. No Brasil, arbitragem é um bico. Na CBF, tu tens que comprovar que tem uma profissão paralela à arbitragem. Eu sou favorável ao que o Blatter falou: jogador é profissional, técnico é profissional, massagista, roupeiro, todo mundo tem ali o registro… Eu não vejo motivo para que o arbitro não seja profissional no Brasil.
UD: Escuta, com que freqüência perguntam se você é homossexual?
Margarida: Com bastante frequência. Quando a gente passa na rua ou vai participar de algum programa de programa de TV, a primeira pergunta que fazem é se eu sou ou não sou viado. Já estou acostumado. Estou no segundo casamento, tenho três filhos do primeiro casamento. Sou casado com uma loira linda, chamada Elaine Cristina Vieira, que é enfermeira – o que é bom, porque ela cuida de mim.
UD: Menos mal que a pergunta ficou para o fim dessa vez. Então, para encerrar: qual é sua melhor lembrança como árbitro?
Margarida: A melhor que eu tenho foi minha estreia no quadro nacional como árbitro principal. Fui apitar um jogo Internacional x Flamengo no Beira-Rio (em 1995). É a que mais guardo comigo. E também a final do Catarinense de 1999, Figueirense x Avaí.
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