Era domingo de manhã e o jogo já ia começar. Pequenos grupos de torcedores e algumas famílias se acomodavam nas cadeiras do acanhado Nicolau Alayon para torcer pelo Grêmio Osasco, que logo menos decidiria a vaga na final da Copa Paulista contra o Audax, time com o qual irá se fundir definitivamente na temporada 2014. A hora do jogo se aproximava, mas uma coisa ainda me intrigava: não havia ninguém ali com a camisa do Audax.
De fato, o clube gerido pelo Grupo Pão de Açúcar não conseguiu cultivar uma torcida em quase uma década de existência, mas era inimaginável que ninguém viesse torcer pela equipe naquela que poderia ser a última partida de sua história. “Ninguém chorou o fim do Audax”, pensei, elaborando um provável título para esta matéria.
Sem interromper a caminhada que fazia para o outro lado do estádio, saquei o bloco do bolso e anotei a ideia. Quando voltei a olhar para a frente, avistei uma pessoa vestida com a indefectível camisa áureo-cerúlea do time paulistano subindo lentamente os degraus da arquibancada. Era Marcelo Gilberto da Silva Paixão, de 39 anos, funcionário da Guarda Civil Metropolitana (GCM). “Enfim, alguém poderia chorar o fim do Audax”, pensei comigo.
– Ei, você. Tudo bom? Sou jornalista e estou atrás de um torcedor do Audax. Você torce pelo time? – perguntei.
– Sim, torço – respondeu ele, ainda um tanto desconfiado pela abordagem súbita.
– Você é da família de algum dos jogadores?
– Não, não. Talvez eu seja o único torcedor aqui sem qualquer ligação familiar com os atletas.
– E o que achou dessa fusão com o Grêmio Osasco?
– Uma merda, né cara?
Alguns minutos de conversa depois, Marcelo me convida para assistir a partida em um setor restrito da arquibancada, onde ficam os funcionários e os familiares dos jogadores – o que me dá a certeza de que ele é realmente cativo por ali.
O portão que separa os setores também dá acesso ao vestiários do Audax, onde, naquele momento, apenas os seguranças estão posicionados, aguardando a saída dos jogadores para o início da partida. Marcelo cumprimenta um a um e aproveita para atualizar com eles o assunto que havia comentado comigo um pouco antes: a situação dos funcionários.
Desde que fora anunciada a fusão, em 22 de setembro, nenhum dos clubes havia garantido o emprego dos funcionários do Audax para 2014 (inclusive os jogadores). Os meses de indefinição só aumentavam a aflição, e era impossível não pensar que os funcionários do Grêmio Osasco levariam vantagem nessa disputa. Até mesmo quando esta reportagem foi finalizada, mais de dois meses depois da fusão, os funcionários ainda não sabiam onde estariam no próximo ano.
Devidamente acomodado na arquibancada “exclusiva”, Marcelo me conta que passou a acompanhar o Audax em meados de 2011, quando o clube deixou de ser chamado de Pão de Açúcar Esporte Clube (ou simplesmente PAEC). Desde então, esteve em praticamente todas as partidas do clube na cidade de São Paulo, inclusive na vitória que garantiu o acesso à elite paulista, em abril deste ano, quando o Audax venceu o Red Bull Brasil naquele mesmo Nicolau Alayon.
2004/2005: Paulistas Sub-15 e Sub-17
2006: parceria com Juventus na A-1
2007: disputa a Série B como PAEC
2008: título da B e acesso para A-3
2009: acesso para Série A-2
2010: quinto lugar na A-2
2011: muda nome para Audax-SP
2012: quinto A-2; vice Copa Paulista
2013: acesso A-1; vice Copa Paulista
Fã e amigo do volante Nenê Bonilha, emprestado pelo Corinthians (seu outro time), Marcelo chegou a ser convidado por ele para participar da comemoração do acesso na mansão do lateral Paulo César, ex-Flu, que deixou o Audax após a conquista. Outro jogador bastante elogiado por Marcelo é Francis, ex-volante do Palmeiras, que, segundo ele, é o grande motor do time atualmente. Minutos depois, os dois surgiram pelo túnel e, de perto, acompanhamos a última palavra antes da subida ao gramado. Apesar do fim iminente, o clima era de união e motivação.
Bonilha e Francis começaram jogando naquele domingo de sol quente, mas apenas o segundo ficou para a disputa de pênaltis que definiu o finalista. Após a vitória simples do Audax no tempo normal, mesmo placar da ida, os times alternaram mais de 20 cobranças até que o goleiro Yamada, ex-Corinthians, que havia sido o destaque da partida com defesas improváveis (e duas penalidades defendidas) para o Grêmio Osasco, falhasse no último chute possível antes que os batedores fossem repetidos. Resultado final: 9-8 nos pênaltis, resultado que garantiu sobrevida de dois jogos ao Audax, agora adversário do São Bernardo FC na grande final.
Ao lado dos seguranças e de alguns familiares, Marcelo e eu acompanhávamos incrédulos tudo aquilo. Era no mínimo irônico que o principal jogador da partida, aquele que havia segurado o ímpeto de um adversário motivado para chegar a final e (talvez) mostrar serviço ao novo patrão, fosse o responsável direto pela eliminação. Yamada, chamado por alguns de Yamito, chutou para fora a bola e a chance da final inédita. Como lembrou Marcelo, queira ou não, aquele era o último jogo de um dos times, já que a fusão também mudaria o nome do Grêmio Osasco – e foi o que aconteceu.
Marcelo comemorou timidamente, como quem sabe que nada está ganho ainda. Na primeira partida da final, disputada na Rua Javari no domingo retrasado (17), o mandante Audax saiu na frente, mas sofreu o empate do São Bernardo. Seu torcedor mais fiel estava lá, como sempre, e até conseguiu uma foto com o novo presidente do futuro Grêmio Osasco Audax, o ex-jogador Vampeta.
Na volta, no último sábado à noite (24), compromissos profissionais impediram sua ida ao estádio Primeiro de Maio, no ABC Paulista. Pela TV, Marcelo viu o Audax atacar o São Bernardo no primeiro tempo, mas sofreu ao ver o time ser atacado no segundo. Na metade da etapa complementar, debaixo de chuva torrencial, o time da casa conseguiu um pênalti em uma bola batida na mão de Francis, mas Gil desperdiçou por cima do travessão, para alívio do Audax. Nos pênaltis, Helton Luiz começou a sequência errando sua cobrança, enquanto o São Bernardo não perdia uma. Na última batida, a que poderia manter o Audax vivo na briga, Velicka acertou a trave e pôs um ponto final a história da equipe.
Marcelo sofreu com a derrota dramática e a perda do título inédito, mas não chorou o fim do Audax. Apenas lamentou o fim de uma fase da vida, que, como tantas outras, ficará guardada na memória e nas fotografias, sempre ali para serem recordadas.
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