O futebol do Chipre está classificado para o mata-mata da Liga dos Campeões. O feito inédito foi conquistado pelo modesto Apoel Nicosia, que é “modesto” apenas para padrões europeus, já que trata-se de um gigante do futebol cipriota. E não foi por acaso que o time conseguiu fazer história nesta temporada. Existem motivos para explicar essa zebra. Entenda eles abaixo e conheça um pouco mais sobre o futebol dessa pequena ilha do Mediterrâneo.
Tudo começou há um tempo atrás…
Assim como no Brasil, o futebol também foi implantado no Chipre pelos colonizadores da Inglaterra, país que até hoje tem presença maciça no país, principalmente com turistas e pubs. Os primeiros times cipriotas foram criados no início do século passado e só em 1934 foi fundada a CFA (Federação Cipriota de Futebol), mas a evolução do esporte não aconteceu de forma linear e tranquila. Muito pelo contrário. Explico…
O Chipre é um país dividido. A capital Nicósia, inclusive, é separada por um muro até hoje. De um lado, ficam os turcos. Do outro, os gregos e a maioria dos times. Guerras civis já aconteceram por causa dessa segregação e isso se reflete no futebol, já que foram criadas até duas federações, sendo que apenas a CFA é reconhecida pela Fifa.
Tudo isso retardou o desenvolvimento do futebol cipriota, que só começou a ter times profissionais da década de 90. Mas o país soube acelerar seu desenvolvimento no esporte e os times correram atrás do prejuízo com uma ideia simples: apostar na contratação de estrangeiros.
Globalização
Na vitória emblemática do Apoel sobre o Porto, por 2 a 1, na Liga dos Campeões deste ano, o time titular foi formado por uma verdadeira Torre de Babel: três portugueses, mais três brasileiros, um espanhol, um grego e até um macedônio conseguiram esse resultado histórico, ao lado de apenas dois cipriotas. O que só comprova como a força dos times cresceram quando eles resolveram apostar na globalização do futebol local.
E é claro que, com tantos estrangeiros, os brasileiros não poderiam ficar de fora disso. Jardel e Zé Elias já jogaram no Chipre, mas o caso mais famoso aconteceu em 2008: em baixa na carreira, o flamenguista Sávio teve seu último momento de brilho na carreira com a camisa do Anorthosis Famagusta, time que fica no lado turco do Chipre.
Recentemente, em entrevista ao jornal “O Globo”, Sávio disse que, ao receber a proposta, ficou muito surpreso: “quando surgiu a possibilidade de contrato, tive que ir ao Google para saber onde fica”, contou ele, que foi receber um salário superior a um milhão de reais por mês no Chipre.
Esse grande investimento no brasileiro foi feito porque a Uefa tinha resolvido abrir as portas da Liga dos Campeões. A maior competição de clubes do mundo passou a ter times de mais países, até para honrar seu nome, recebendo mais campeões e menos quartos colocados das ligas nacionais. Decisão política ou não de Michel Platini, fato é que isso levou o Anorthosis Famagusta a ser o primeiro time cipriota a disputar a Liga.
Mas o time de Sávio e companhia foi além e surpreendeu. Depois de bater o grego Olympiacos se classificar para a fase de grupos, ele chegou a ter chances de se classificar para o mata-mata. Em um grupo com Panathinaikos, Inter de Milão (ambos classificados) e Werder Bremen, o Anorthosis não conseguiu a vaga e ficou em quarto lugar no grupo, mas colocou de vez o Chipre no mapa do futebol europeu.
Apoel faz história
Athletikos Podosferikos Omilos Ellinon Lefkosias. Esse é o significado da sigla Apoel. Como a inteção do Última Divisão é nunca falar grego, usarei apenas a abreviatura para explicar como esse time de Nicósia fez história nesta temporada. Mais uma vez tudo começou há um tempo atrás…
Entre as décadas de 30 e 50, o Apoel conquistou nove Campeonatos Cipriotas e começou a consolidar sua hegemonia no país. Depois, em 1974, chegou a disputar o Campeonato Grego, por causa dos conflitos no Chipre. Mas foi a partir dos anos 90 que o time conseguiu a grande virada para se profissionalizar e ficar ainda maior.
Em 1997, o então presidente do Apoel, Mike Ioannides, resolveu inovar e praticamente transformar o time em um clube-empresa. Ele foi o responsável por criar uma empresa pública que operasse departamentos financeiros e de gestão, tudo isso de forma independente. Desde então, o time foi nove vezes campeão nacional, com quatro Campeonatos Cipriotas e cinco Copas locais.
Mas foi em 2011 que o Apoel teve sua grande festa. A classificação para a segunda fase da Liga dos Campeões foi conquistada após todos esses anos de evolução e também com uma receita que já estava desenhada no país: a globalização do time.
E dessa vez com mais brasileiros. Afinal, Kaká (o zagueiro, não o meia-atacante, é bom esclarecer), Marcelo Oliveira, William Boaventura, Marcinho, Ailton e Gustavo Manduca fazem parte do elenco atual do Apoel. Com eles, o time vive uma fase batizada de “Era Dourada”. Como bem definiu o português João Carlos Pereira, em entrevista ao “Record”, o “Apoel é o expoente máximo do futebol cipriota”.
Há um porém
Com tantos estrangeiros em seus times, será que a seleção cipriota consegue se desenvolver também? A resposta é sim, mas também não. Explico…
Atualmente, o Chipre ocupa apenas o 126º lugar do Ranking FIFA, atrás até de outras pequenas ilhas, como Cuba e Bermudas. Apesar de ter vivido alguns bons momentos esporádicos, como a quase classificação para a repescagem da Eurocopa 2000 e empates contra Alemanha e Portugal, há pouco para comemorar.
É uma escolha feita pela federação local. O excesso de estrangeiros limita a produção e o desenvolvimento de talentos locais, fazendo com que a seleção cipriota evolua mais devagar do que os seus clubes. É natural. Só fica a certeza que o torcedor do Apoel jamais vai reclamar dessa escolha.
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