Por Stuart Cosgrove*
Eu me deparei pela primeira vez com o mistério dos testículos de macaco durante uma viagem rumo ao norte da Escócia, para um jogo fora de casa do St Johnstone com meu amigo de escola Mike Lawrence. Seu pai era entusiasta do futebol de uma área escondida – mas importante – do futebol escocês: os times de vilarejos que se espalhavam por uma Escócia rural nas primeiras eras do esporte. Jim Lawrence era o presidente do Bankfoot Athletic, o time que descobriu Paul Sturrock, e durante sua vida ele se acostumou a usar uma expressão que desorientava os jovens que ele treinava. Quando um jogador estava em plena forma ou dominando uma partida, Jim costumava dizer que “ele está com testículos de macaco”. Era uma expressão de tão absurda magia que seu filho e eu fizemos uma viagem de pesquisa social e histórica para descobrirmos o que ela significava, e como ela passou a fazer parte do vocabulário do futebol escocês.
A trajetória do mistério dos testículos de macaco é tão errante que nós seguimos seu caminho sinuoso de Moscou a Paris, de lá para Amsterdã e de lá para a Inglaterra, antes de terminarmos de volta onde tudo começou: o vilarejo onde Mike cresceu.
O futebol dos vilarejos já foi ferozmente competitivo na Escócia, e um dos principais rivais do Bankfoot Athletic era um time de Luncarty, um vilarejo próximo, no qual o jogador mais famoso era Jim Guthrie, filho de um fazendeiro local. Guthrie emergiu das fileiras de jovens equipes da Escócia para um contrato profissional com o Dundee, que o vendeu para o Portsmouth.
Então capitão do Portsmouth, nas semanas antes do início da Segunda Guerra Mundial, Jim Guthrie levantou o troféu da FA Cup. O Portsmouth foi o incontestável vencedor daquela que ficou conhecida entre a imprensa popular da época como A Final dos Testículos de Macaco. O time atropelou o favorito e empolgante Wolverhampton Wanderers por 4 a 1. O técnico linha-dura dos Wolves, major Frank Buckley, foi severamente ridicularizado ao deixar o campo, zombado por milhares de marinheiros de Portsmouth que agitavam seus chapéus triunfantemente no ar.
O extrato de testículo de macaco foi um estimulante brevemente popular no futebol pré-Segunda Guerra – provavelmente a primeira substância para intensificar a performance conhecida no futebol profissional, embora o abuso de anfetamina fosse amplamente comum naquela época também. Embora isso soe bizarro hoje, todos os 22 jogadores que disputaram aquela final de 1939 estavam “com testículos de macacos”, e Jim Guthrie disse em uma entrevista pós-jogo que “nossos testículos eram obviamente melhores que os deles”.
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Guthrie, seus companheiros de Portsmouth e todo o elenco do Wolverhampton Wanderers tomaram soluções de uma seiva extraída de glândulas e testículos de macacos e outros símios. Até hoje, a história é impressionante. No caso dos Wolves, os jogadores recebiam a seiva de testículo de forma intravenosa, injetada semanalmente, em doses cada vez maiores a caminho da final. Do lado do Portsmouth, o time manteve a dignidade, tomando a seiva de macaco em copos de cocktail. Uma fotografia sobrevivente mostra o time do Portsmouth, em uniforme completo, bebericando os testículos de macaco enquanto o treinador da equipe observa, com uma garrafa pela metade do elixir. Longe dos segredos tecnológicos que hoje blindam as drogas estimulantes de desempenho no esporte, os testículos de macaco eram um segredo aberto, conhecido de torcedores, jogadores e imprensa.
É aqui que o mistério dá outra reviravolta. Guthrie alegava que a prática era disseminada no futebol escocês antes da Segunda Guerra, e que fazendeiros regularmente cozinhavam os bagos do gado que haviam castrado para melhorar o bem-estar deles. Quando os campeonatos retornaram em 1945, o National Health Service (serviço de saúde pública do Reino Unido) havia nascido e novos padrões alimentares passaram a vigorar. A prática de extrair seivas de animais entrou em declínio e a febre do testículo de macaco saiu da moda.
Embora a prática fosse bastante abundante no futebol da Inglaterra, foi um misterioso químico escocês chamado Menzies Sharp que se tornou o principal fornecedor de extratos de testículos de macaco para o futebol profissional. Suas teorias a respeito do aprimoramento do desempenho estiveram em voga duante o fim da década de 1930, e Sharp era visto como bem relacionado e bem informado. Sharp era aluno do notório cientista russo Abrahamovitch Voronoff, pioneiro dos experimentos com testículos de animais selvagens que chegou ao ponto de enxertar os pênis de bodes em outros bichos. Voronoff, um médico baseado em Paris que atendia a elite, foi uma espécie de infame excêntrico que influenciou um conto de Sherlock Holmes, “O homem que andava de rastos”, sobre um sedutor idoso que teme perder sua potência e recebe glândulas de macaco. Mas apesar de toda a excentricidade das atividades de Voronoff, suas atividades não foram totalmente sem mérito. Em 1935, quando cientistas holandeses analisaram suas teorias e examinaram a seiva de testículos a nível forênsico, eles isolaram um hormônio dentro das glândulas ao qual eles deram o nome de testosterona.
Menzies Sharp era, primeiro e acima de tudo, um vendedor. Ele havia ganhado o que era de fato uma franquia para vender as ideias e os elixires de Voronoff ao redor de todo o Reino Unido a partir de sua base em Edimburgo, onde ele também supostamente experimentava suas próprias variações. Pressupondo corretamente que o futebol profissional seria uma maneira de alcançar muitos mais usuários, ele se aproximou de diversos dirigentes esportivos – entres eles o técnico do Wolverhampton Wanderers, major Frank Buckley – para convencê-los de que as glândulas de macaco, e a testosterona ali, melhorariam o desempenho dos times deles. Parece que funcionou. O Wolverhampton voou ao longo da liga e ameaçou tirar do Preston North End o título de “invencíveis”, datado da década de 1880, como o time que nunca seria batido. O que Buckley não sabia é que Sharp também estava infiltrando o elixir em todos os times da Escócia e da Inglaterra e havia vendido garrafas da seiva de macaco para seus rivais na final da FA Cup, o Portsmouth de Jim Guthrie.
Dos escoceses que jogaram naquele dia em Wembley, todos receberam a seiva de macaco. Guthrie capitaneou o time. Lewis Morgan, de Cowdenbeath, um ex-defensor do Dundee que já havia sido convocado para a seleção escocesa antes de se mudar para a Inglaterra, jogou na lateral esquerda do Portsmouth. Jock Anderson, natural de Dundee e autor de um dos gols do Portsmouth em Wembley, era um centro-avante à moda antiga e foi um dos jogadores bebendo a seiva de macaco. Assim como Morgan, ele também treinou no Dens Park, estádio do Dundee, na juventude. Do lado do Wolves, Alex McIntosh, de Dumfermline, era um atacante criativo e o único dos escoceses que jogaram a final a ter injetado a seiva de macaco imediatamente antes da partida.
Embora não haja evidência conclusiva a respeito do abuso de testítulos de macaco no Dens Park por si só, muitos afluentes levavam de volta à foz do rio Tay (onde fica a cidade de Dundee) e se espalham por diversos vilarejos rurais do condado de Perthshire, até locais onde o acesso a vísceras de animais era fácil e barato. Tommy Smith era o mais antigo amigo de Guthrie. Eles se conheceram jogando futebol na escola do vilajero de Luncarty e eram filhos de fazendeiros locais. Ele assinou com o Dundee uma temporada antes de Guthrie. Outro usuário confirmado da alternativa à testosterona era outro velho amigo de Guthrie dos tempos de Luncarty, Bob Salmond, que deixou o Portsmouth no meio da década de 1930 e assinou com o Chelsea. O ótimo time do Dundee da temporada 1934/1935 capitaneado por Scot Symon, posteriormente técnico do Rangers, era todo contemporâneo de Guthrie – e muitos deles, como Symon, que veio do vilarejo de Errol, vieram do futebol amador de Perthshire. Symon também se transferiu do Dundee para o Portsmouth, mas deixou o litoral sul da Inglaterra para acertar com o Rangers uma temporada antes d’A Final do Testículo de Macaco, e pode ter sido privado dos desconhecidos prazeres de beber o suco secreto dos testículos de um chimpanzé. Ou não.
O Mistério dos Testículos de Macaco quase certamente tem outros segredos não revelados, mas o início da Segunda Guerra deixou uma lacuna na história que poderá nunca ser preenchido. O falecido Ian Redford, que cresceu no mesmo vilarejo de Scot Symon, me contou antes de sua trágica morte que se lembrava de, quando era criança, fazendeiros locais que brincavam a respeito de testículos de macaco. Mas, para ele, aquilo era história antiga – e o Lucozade já estava à venda para o público na época.
Quando o futebol foi retomado após a guerra, o elixir parecia ter desaparecido completamente, e as experiências que antes eram lugar comum no futebol profissional saíram de moda. Curiosamente, o período pós-guerra foi uma era de ouro para um rejuvenecido Dundee: cinco anos depois da vitória dos aliados, o time foi vice-campeão da liga escocesa e conquistou seu primeiro troféu em mais de 40 anos.
Eu não vou forçar qualquer conclusão sem embasamento. Seria profundamente grosseiro para um cínico torcedor do St Johnstone simplesmente começar a sugerir que o sucesso do Dundee na década de 1940 fornece até a mais frágil evidência que o uso de testículos de macaco sobreviveu à guerra. Seria uma calúnia que nem mesmo eu poderia colocar na mente do leitor.
* Stuart Cosgrove é escritor e locutor. Ele é o autor de The Soul Trilogy: ‘Detroit 67’, ‘Memphis 68’ e ‘Harlem 69’. Em 2020, publicou o livro ‘Cassius X’, sobre a ascensão do jovem Muhammad Ali.
Este texto foi originalmente publicado na edição número 2 da revista trimestral escocesa Nutmeg Magazine, de dezembro de 2016. A tradução e a publicação por parte do Última Divisão foram autorizadas pelo autor e pela revista. O conteúdo original pode ser lido aqui.
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