O Linense foi a minha primeira frustração. Com 10 anos de idade, não conhecia muitos problemas da vida para lamentar, mas sentia um incômodo esquisito, incompreensível para uma criança, quando pensava sobre aquele clube de Lins, cidade de metade da família. O time existia, só que estava licenciado desde 1993 e completamente jogado no ostracismo. Eu queria saber tudo sobre ele, poder torcer por ele, e sentia que nunca teria essa chance.
Naquela época já era um garoto obcecado por futebol, similar a grande parte dos meus amigos – a não ser por uma pequena diferença: o time grande que escolhi não me bastava (embora sempre tenha sido fanático por ele também). Sem resistir a um trocadilho infame, assim como o mascote do Linense é o elefante, eu sentia a necessidade de ir contra a manada.
Um lado quixotesco da personalidade – presente no modo de apreciar o futebol e outras sensações da vida até hoje – já se manifestava timidamente aos 10 anos de idade. Eu já era Linense mesmo quando ele estava inativo.
Em meados do histórico ano de 1998 (um pouco adiante explicarei o porquê), tive acesso às primeiras informações mais abrangentes sobre o time, quando ganhei o livro “Lins e Seus Pioneiros”, autografado pelo meu tio-avô, historiador de Lins. Com um tom épico, tio Altamiro contou sobre a construção do estádio de madeira, os surreais anos na primeira divisão na década de 50 (com direito a uma goleada por 4×1 que encerrou 19 jogos de invencibilidade do São Paulo, em 1953), a lenda (?) de que o time desfilou em cima de um elefante de circo e o orgulho de ter revelado o craque Leivinha.
Dizem que elefantes não esquecem, mas aquela era praticamente toda a memória que o Linense tinha até os obscuros anos 90, quando se licenciou e eu tive a maldita sorte de querer torcer por ele. Talvez fosse até mais legal assim (eu não queria tanto ser diferente? Nada como se dedicar a um clube flertando com o amadorismo), porém eis que um dia o inesperado aconteceu.
Em 1998, quando já estava entrando na pré-adolescência e começava a procurar problemas de verdade para me preocupar, descobri que finalmente o meu time imaginário havia criado vida: o Linense se inscreveu em um campeonato profissional (!), a quinta divisão paulista, também conhecida como série B-2. Daí em diante, tudo ganhou mais sentido. Seria um tanto complicado, mas tinha a obrigação de segui-lo.
Morando a quase 500 km de Lins, tive meus primeiros contatos com a internet buscando resultados da quinta divisão do Paulistão. E tão logo aprendi um pouco mais daquele novo mundo, criei um site na plataforma HPG para contar tudo que sabia sobre a história do Elefante (basicamente o que meu tio relatava no livro e algo retirado de almanaques da Federação Paulista e da clássica página RSSSF).
Enquanto meu primeiro time irritava com as mudanças de treinador e derrotas em clássicos, o Linense só dava alegrias, ainda que perdendo para a Santacruzense em casa e caindo na primeira fase da saudosa B-2. Eu só queria torcer, sem culpas, pelo clube que completa a parte mais antiquada de mim. Até que um dia essa relação conheceu sua primeira cobrança: quer dizer que sobem quatro clubes e terminamos em quinto!?
Mas tudo bem, o mais importante ainda era apenas existir. Seguir o Linense era um exercício de fé, no qual eu retribuía com extrema lealdade a perseverança que ele demonstrava. Com os percalços inevitáveis do caminho, ao longo de uma década, eu o acompanhei nos acessos para as Séries B-1, A-3, A-2…
Comecei minha coleção de camisas, adquiridas pessoalmente em Lins ou em viagens dos meus pais para lá. Apesar de quase sempre estar distante fisicamente, acordei cedo em domingos para acompanhar jogos na Rede Vida ou em rádios na internet. Me orgulhei das arquibancadas lotadas do Gilbertão, abismado ao constatar que públicos de 7 mil pessoas significavam que 10% da população linense estava no estádio.
Fui grato a Mario Prata, ex-morador ilustre de Lins, por apresentar o Elefante a amigos influentes como Chico Buarque (dizem que “nense” no Rio e “nense” em São Paulo) e Xico Sá (não esquecerei quando citou o Linense, ainda um clube desconhecido, em sua coluna na Folha de S. Paulo).
Sonhar com meu time “underground” no mainstream da primeira divisão já soava plausível. Confesso ter ficado um pouco enciumado ao imaginar que repentinamente todos passariam a acompanhar os resultados do Linense, roubando um pouco daquele prazer individual que desfrutei por tanto tempo. Com esforço, porém, consegui superar o lado doentio da paixão e torci muito naquela série A-2 de 2010, quando o acesso foi se desenhando desde a primeira rodada.
E foi assim que cheguei àquela tarde de 10 de abril de 2010, no templo da Rua Javari, para assistir ao decisivo Pão de Açúcar x Linense. Aos gritos de “vai olhar o caixa do supermercado”, “ah, é Carrefour” e “ei, Abílio, vai tomar…”, eu e pelo menos outros 200 torcedores do Elefante perdidos em São Paulo (reforçados por animados ônibus vindos de Lins) fomos maioria no campo escolhido pelo adversário para empurrar nosso time em uma vitória por 2 a 0, o marco que encerrou 53 anos de espera longe da elite do futebol paulista.
Aquele não foi o acesso oficial, confirmado com título na rodada seguinte, mas ali todos já sabiam que a hora mágica havia chegado. Da quinta divisão para a primeira em dez anos, que alegria indescritível! Uma euforia ainda mais apoteótica porque também imaginávamos o quanto seria efêmera (um ou dois anos entre os maiores estaria bom demais para quem nunca almejou tanto).
Faixas com o lema “Rumo a Tóquio” foram vendidas na porta da Javari para extravasar, enquanto equipes da Globo entrevistavam os jogadores. Era algo quase inédito: nutrir expectativas de ver o Linensão no Globo Esporte de segunda-feira.
Daquele dia até hoje, tudo foi acontecendo. Foram oito impensáveis anos na primeira divisão, com direito a vitórias sobre todos os grandes da capital e classificações para as fases finais, sempre na condição de uma das menores cidades da Série A-1. No mesmo período ainda tivemos campanhas e jogos históricos na Copa Paulista, além de cruzar as fronteiras estaduais para fazer bonito na Copa do Brasil e na Série C.
Desconhecidos e um tanto exóticos, nos tornamos alvos fáceis para as caricaturas de Tiago Leifert no Globo Esporte, promovendo personagens como a musa do Linense, Fausto e Lolô, sem nunca sabermos se o programa estava rindo com a gente ou da gente. Olhando pelo lado positivo, graças a isso hoje se comete menos o erro de chamar “O” Clube Atlético Linense de “A” Linense e já conheci gente aleatória que sabe cantar o início do hino: “avante, Linense/ Avante…”
As condições precárias do estádio para a imprensa e a venda do mando de campo nas quartas do Paulistão de 2017 viraram polêmicas nos grandes veículos esportivos – que divertido! Lins esteve muito em evidência desde 2010, como jamais antes em sua história. Oito anos seguidos na elite é um feito raro para clubes do interior, um período que elevou o patamar do Linense para sempre – e azar o meu, pois nunca mais sentirei o gostinho de apresentá-lo a amigos, como tanto o fiz em um tempo já tão distante quanto os meus 10 anos de idade.
Hoje o conto de fadas na Série A-1 acabou. Cruelmente, a mística de vitórias salvadoras na última rodada se manteve até os minutos finais em Mirassol, dando a impressão de que conseguiríamos sobreviver como em 2011 (diante do São Caetano) e 2015 (em batalha com o Red Bull). Foi bom enquanto durou, porém os indícios de que o rebaixamento viria em 2018 eram fortes e quase irreversíveis, eu e todos que se importam já estávamos nos preparando.
O suspiro final foi mais uma mostra da nossa dignidade, mas não deu. Depois de dois mandatos presidenciais na primeirona, não teremos reeleição. Pela primeira vez vejo o Linense cair, mas esse velho elefante não morrerá solitário (aliás, nunca mais morrerá). A única frustração seria se ele não existisse.
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