Por Luciano Borges*
Verão de 1984. Mario Travaglini era o técnico do Palmeiras. No domingo, o time ia enfrentar Nãolembroquem FC no Parque Antártica.
Mas iria jogar de manhã, 11h. Horário de verão ia começar exatamente neste dia.
“Seo” Mário teve a ideia infalível:
“Vamos treinar amanhã (sábado) no horário que será o jogo.”
Eu perguntei para ele no final da tarde de sexta, quando saiu do vestiário: “A que horas então?”.
Travaglini respondeu de pronto: “Meio-dia”.
Certo.
O problema é que ele errou. Deveria marcar o treinamento às 10h. Pensei com meus botões: vou corrigir o homem. Mas o homenzinho vermelho de chifre e rabo bateu na minha orelha: “Deixa ser assim. Vai ser engraçado”. E fiquei quieto.
Dia seguinte de manhã fui para lá com um relógio de parede (uma frigideira verde com o relógio que eu e irmãs demos de presente para a mãe Noêmia e ela detestou) e a equipe da TV Gazeta. Comecei a matéria mostrando a manhã preguiçosa na então Rua Turiassu, o clube já cheio de sócios aproveitando o sol, passei na porta do vestiário, chamei os roupeiros, perguntei a hora do treino. E um deles respondeu: “Agora é cedo, são 9h50. Vai ser meio-dia porque o jogo amanhã é no Horário de Verão, às 11h”.
Eu lá já antevendo a matéria. Até o roupeiro estava errado! Não poderia ficar melhor.
Ficou.
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O então encarregado do estádio, Mustafá Contursi, resolveu arrumar um ponto de irrigação do sistema de drenagem do gramado no sábado de manhã. Quando subi no gramado para esperar o meio-dia, olho na intermediária do gol oposto às piscinas e tinha um buraco.
Ele era grande. Um metro de comprimento, 60 centímetros de largura e 1,80 m de profundidade. Chutei estas medidas.
Travaglini e sua comissão técnica chegaram à conclusão que iriam fazer um rachão, campo todo, com cones ao redor do buraco para ninguém cair ali. Eu pedi então para o Travaglini para refazer a passagem com o cinegrafista lá dentro comigo e mostrando os caras fazendo aquecimento com a bola e passando perto dos cones e do buraco. Ele topou só para sacanear o Mustafá.
No fim de uma hora, um calor monstro, lindas garotas tomando sol na arquibancada, eu lembrei de completar com o relógio. Esperei os jogadores saírem e dizia: “Agora são 13h30. Que horas serão amanhã?”.
E os boleiros, sem exceção, mandavam ver confiando no técnico: 12h30. Pelo jeito, todo mundo acreditou no erro. Quando eu expliquei que teriam que ter treinado das 10h às 11h30, eles não entendiam.
Resumo: a matéria entrou no Gazeta Esportiva da época, o Roberto Avallone teve um ataque de riso enquanto comentava a reportagem e me chamou no ar de “Woody Allen caboclo”, o que virou um costume e um apelido exclusivo dele para mim.
Depois do treino, desacorçoado com o Mustafá, o Mario Travaglini soube que minha matéria seria sobre o Horário de Verão errado. Ele coçou os cabelos ralos, murmurou um “puta cagada” e me pediu:
“Mas carrega bem no buraco do Turco filha da puta.”
O Alexandre Giesbrecht alertou para uma questão: Mario Travaglini deixou o Palmeiras em 1985 antes do horário de verão, que não era adotado desde a década de 1960. O mais provável é que a história tenha sido protagonizada por outro treinador. Vicente Arenari era o técnico do Palmeiras quando iniciou o horário de verão de 1985.
* Luciano Borges, jornalista desde 1975, é chefe de reportagem da ESPN. A pedido do Última Divisão, topou publicar por aqui este relato.
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