Ver um comentarista de futebol sair do rádio ou da TV e ir para o gramados é sempre curioso. Falcão, ex-Globo e ídolo do Internacional, foi quem fez isso recentemente, assumindo o cargo de técnico do time gaúcho. Mas ele não foi o primeiro a fazer essa trajetória. Há mais de 15 anos atrás, a maior torcida do Brasil viu uma história semelhante.
Washington Rodrigues era um flho de vascaíno que tornou-se fanático pelo Flamengo. Cresceu, virou repórter de rádio e lá ganhou o apelido de Apolinho – ele usava um microfone sem fio, igual o dos astronautas da missão Apolo. Com um jeito bem humorado e opiniões fortes, logo Apolinho ganhou espaço na crônica esportiva do Rio de Janeiro e ficou conhecido a ponto de se tornar jurado do programa do Chacrinha.
Apolinho sempre foi bem aceito por todas as torcidas do Rio de Janeiro, mas nunca escondeu seu amor pelo Flamengo. E foi esse sentimento, junto com uma amizade criada no rádio, que o colocou para ser técnico do time em 1995, logo no ano de centenário do clube, com um elenco recheado de estrelas, como Romário, Edmundo e Sávio – o pior “melhor ataque do mundo”.
Kléber Leite era o presidente do Flamengo em 95. Ex-radialista, ele era amigo de Apolinho desde os tempos de Rádio Globo. Como mandatário do time, ele sofria para achar o técnico ideal em um ano tão importante. O centenário só tinha trazido uma Taça Guanabara e dois treinadores já tinham sido demitidos, Vanderlei Luxemburgo e Edinho. Foi então que Kléber Leite se reuniu com Apolinho, conversou por horas sobre o time do Flamengo e resolveu tirar o radialista de sua zona de conforto – chamou Apolinho para treinar o Flamengo e o convite foi rapidamente aceito.
A chegada de Apolinho ao Flamengo foi cercada de receios. Acima de tudo, por sua falta de experiência, mas também por outros motivos. Romário, por exemplo, era bastante criticado por Apolinho em suas transmissões. “Ídolo de barro” foi uma das alcunhas criadas por ele para o Baixinho. Mas a personalidade bem humorada de Apolinho foi suficiente para lidar com esse problema e os dois se acertaram.
E todo esse bom humor gerou situações curiosas também. Por vezes Apolinho simplesmente abdicou de treinar o time, deixando a missão para Arthur Bernardes, seu auxiliar, que tinha mais conhecimento para isso. Reza a lenda também que Apolinho chegou até a levar uma TV pro banco de reservas, com a intenção de assistir ao jogo com uma visão melhor, lembrando seus tempos de radialista.
Mesmo com todas essas peculiaridades, Apolinho conseguiu ficar invencível em seus três primeiros jogos. O resultado mais emblemático dessa época aconteceu contra o argentino Vélez Sarzfield, que tinha Chilavert em 1995. Em um jogo emocionante, o Fla venceu por 3 a 2.
Essa partida era válida pela Supercopa, competição que reunia times campeões da Libertadores e era anunciada como “único título que o Flamengo ainda não tem”. A intenção era valorizar a disputa, já que o Rubro-Negro estava eliminado no Campeonato Brasileiro e ainda buscava um título grande para coroar seu centenário.
Apolinho era o responsável por dar essa conquista ao seu time de coração. E por pouco não conseguiu: disputou a final contra o argentino Independiente, perdeu fora de casa por 2 a 0 e até venceu no jogo de volta, mas não foi suficiente. O placar de 1 a 0 no Maracanã lotado não bastou para coroar o trabalho do radialista, que depois saiu do cargo e deu lugar a Joel Santana. Talvez se o título tivesse sido conquistado a passagem de Apolinho pelo Flamengo não seria lembrada hoje como apenas mais um caso folclórico…
Ao todo, o radialista acumulou 11 vitórias, 8 empates e 7 derrotas no Flamengo. Ou seja, 52% de aproveitamento em 26 jogos. Além disso, Apolinho já disse, em entrevista ao Blog do Garça, que “foi uma experiência fantástica” e que aprendeu “mais naquele período do que em toda a carreira de repórter e comentarista”.
Em 1998, Apolinho ainda retornou ao Fla com o cargo de diretor técnico, mas por pouco tempo. Logo ele voltou de vez ao rádio e não saiu até hoje. Está na Rádio Tupi, mas costuma dizer que pode voltar ao Flamengo a qualquer momento, basta ser convidado – pelo Flamengo tornaria-se até goleiro, se preciso fosse, diz ele. Quem sabe um possível sucesso de Falcão no Inter não inspire Patrícia Amorim a repetir a dose?
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