Há 15 anos, um time do Norte do Brasil deixava sua marca na Libertadores. Em 2003, o paraense Paysandu não apenas se tornava o primeiro da região a disputar o maior torneio de clubes da América do Sul, como ainda teve a pachorra de bater o multicampeão Boca Juniors na temida La Bombonera, um dos maiores caldeirões do futebol mundial. Um feito que poucos times brasileiros tiveram a honra de colocar em seu currículo.
Como o Papão da Curuzú conseguiu a histórica façanha? Antes é preciso lembrar da Copa dos Campeões de 2002, uma espécie de supercampeonato regional criado pela CBF para definir quem ficaria com a nova vaga que tinha sido aberta na Libertadores. Como já falamos em um outro post, contra tudo e contra todos, o Paysandu se sagrou campeão em um jogo emocionante contra o Cruzeiro.
Com a vaga assegurada, o bicolor foi até a Libertadores 2003 ao lado de Santos (então campeão brasileiro), Corinthians (campeão da Copa do Brasil) e de Grêmio (terceiro colocado no Brasileirão). Essa imagem de estranho no ninho sudaca ficou mais evidente ao se conhecer o grupo que o time jogaria: Cerro Porteño (PAR), Universidad Católica (CHI) e Sporting Cristal (PER), todos com longas passagens pelo torneio continental.
Óbvio que isso tudo não intimidou a equipe paraense. Comandadas pelo uruguaio Darío Pereyra, os jogadores mostraram uma gana copera que fazia jus às suas ligações históricas com o povo charrua: foram quatro vitórias, dois empates e nenhuma derrota, e, consequentemente, a liderança isolada do grupo. Destaque para duas belas vitórias fora de casa: 2 a 0 em cima do Sporting Cristal e um sonoro 6 a 2 contra o Cerro Porteño, com gols de Vélber, Robgol e Iarley, cada um marcando dois tentos.
Pelo chaveamento da próxima fase, o adversário nas oitavas de final seria ninguém menos que o argentino Boca Juniors, que terminara seu grupo em segundo atrás do Independiente de Medellín (COL). Por isso, o primeiro jogo seria na casa deles, na Bombonera.
E o Paysandu mostrou mais uma vez que não se intimida em terras internacionais. Em uma partida tensa, a equipe de Carlos Bianchi até esboçou uma pressão, mas Iarley logo mostrou seu cartão de visitas e, como um um visitante indesejado, fez uma bela jogada pela esquerda, foi cortando pelo meio até disparar um chutaço que exigiu boa defesa de Pato Abbondanzieri.
Aos 21 minutos, o esquema montado por Darío Pereyra sofreu um baque após o árbitro Carlos Amarilla expulsar Robgol e o lateral boquense Clemente Rodriguez depois de um desentendimento entre os dois. Só que no final das contas, quem sofria mais era o Boca, que tinha um time sem criatividade e com a jovem revelação Carlitos Tévez esquentando o banco.
No fim do primeiro tempo, o empate em 0 a 0 era até um bom resultado para o Papão, principalmente sabendo o quão difícil é ganhar do Boca em casa. Até então, apenas dois times brasileiros tinham saído com a vitória na Bombonera: o Santos de Pelé em 1963 e o Cruzeiro de 1994, que tinha Dida e Ronaldo Fenômeno no elenco.
E um empate virou um resultado mais do que fantástico quando Vanderson foi expulso aos 10 minutos do segundo tempo após dar uma cotovelada sem escrúpulos em Schelotto. Com um a mais, o caldeirão azul e amarelo começou a ferver ainda mais.
Até que veio o banho de água fria. Aos 23 minutos do segundo tempo, após uma reposição errada do goleiro Ronaldo, Jorginho recuperou a bola e ligou o contra-ataque. Sandro Goiano recebeu no campo adversário, segurou, viu Iarley livre na esquerda e passou. Iarley fintou para dentro, tirando dois zagueiros argentinos, e chutou forte e rasteiro para o fundo da rede. Um a zero Papão.
Carlos Bianchi fez o que pode para reverter a vantagem, abrindo mão da teimosia e colocando Tevez em campo. Mas o Paysandu resistia bravamente ao avanço xeneize e ainda conseguia encaixar contra-golpes perigosos com o endiabrado Iarley. No último minuto, Moreno teve a chance de empatar o jogo para o time da casa, mas cabeceou para fora.
Era o fim de um resultado histórico. O dia 24 de abril de 2003 ficou para sempre marcado como o dia em que o Paysandu, com um a menos em campo, bateu o poderoso Boca Juniors dentro da Bombonera. Um resultado que o diário argentino Olé chamou de “Batacazo”, que pode ser traduzido como uma “porrada”.
Na partida de volta, a torcida do Paysandu fez sua parte, lotando o estádio do Mangueirão e fazendo uma grande festa mesmo com uma greve de ônibus que acontecia em Belém. Só que em campo, o time decepcionou. Schelotto marcou três gols, sendo dois de pênaltis, e o Papão não conseguiu sequer um empate. Resultado final: 4 a 2 para o Boca e festa portenha em terras paraenses. Mesmo assim, o time bicolor foi aplaudido de pé pelos mais de 57 mil torcedores.
Para Lecheva, que fez o primeiro gol do Papão naquele jogo, a pior parte da eliminação foi não ter correspondido com as expectativas da torcida:
Tivemos uma tristeza grande pela derrota e por saber o sofrimento do nosso torcedor para chegar ao estádio. Concentramos em um hotel muito próximo do Mangueirão e, naquele dia, levamos mais de uma hora para fazer um trajeto que, normalmente, é de vinte minutos. No caminho víamos a dificuldade do nosso torcedor que foi de carona, em carroça, de bicicleta, etc. Não tenho dúvidas de falar que esse dia foi a vez que eu vi o estádio mais bonito (via Globo Esporte)
Embalado na competição, o Boca foi avançando na Libertadores até chegar à final contra o Santos de Diego e Robinho. O time da Vila, porém, não foi páreo para os argentinos e perdeu os dois jogos, mas uma cena que ficou famosa é a do Paulo Almeida dando cartão amarelo para o juiz.
Classificado para a Copa Intercontinental, Boca foi ao Japão enfrentar o Milan, que tinha um timaço na época: Dida, Cafú, Maldini, Kaká, Seedorf, Pirlo, Schevchenko e Tomasson. O jogo não teve grandes emoções, mas o Boca conseguiu enfrentar os italianos de igual para igual e, após um empate por 1 a 1, levou a melhor nos pênaltis. E quem estava neste jogo? Iarley, que tinha se transferido para o Boca após a Libertadores.
Já o Paysandu teve um resto de ano para esquecer e ficou perto de ser rebaixado da série A, muito por conta de uma escalação irregular que o fez perder oito pontos na tabela.
Também ajudou no resultado ruim o fato de alguns jogadores importantes terem deixado o time após a campanha histórica. O Iarley, como já dito, foi para o Boca Juniors. Robgol foi para o Oita Trinita do Japão. Dario Pereyra deixou o time em julho e passaria a treinar o Grêmio no restante da temporada.
Nos anos seguintes, outros jogadores começaram a sair do Paysandu, como é o caso do Vélber, que foi para o São Paulo, Sandro Goiano foi para o Grêmio e virou ídolo por lá, e Lecheva foi para o Santa Cruz.
Em 2005, o Paysandu não aguentou mais uma fase ruim na Série A e caiu para a segundona. Chegou a ficar seis temporadas na Série C, mas depois retornou à Série B, onde está desde 2015.
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