Retratar o futebol sempre foi um dos grandes desafios do cinema. Transpor para a tela a emoção espontânea de um gol, o dinamismo frenético de uma troca de passes ou o diálogo sujo das arquibancadas não é uma tarefa nada fácil. O diretor Paolo Zucca, porém, não se intimidou e expôs toda a sua visão sobre os personagens do futebol em “O Árbitro”, comédia italiana de qualidade estética invejável, cheia de ironia e referências, a começar pela escolha do protagonista: um juiz.
No filme, que ainda não tem previsão de chegar ao Brasil, três histórias que se intercalam. A primeira retrata a saga do jovem e ambicioso Cruciani (Stefano Accorci), que sonha em ser escalado para apitar sua primeira final européia e para isso acaba cedendo a propostas indecentes de suborno. A segunda é menor (desnecessária, diria) e mostra a escalada de violência e vingança entre dois primos da Sardenha, provocada pela morte de uma ovelha. A terceira e última aborda a ascensão do Atlético Pabarile, time fracassado da terceira divisão regional que só começa a vencer depois da chegada de um craque, Matzutzi (Jacopo Cullin), que retorna anos após ter emigrado para a Argentina.
À exceção do núcleo dos primos (que também jogam pelo Montecrastu, rival do Pabarile), o predominante no filme é o humor – e aí está seu maior trunfo. A composição de personagens tão típicos quanto irônicos, como o treinador literalmente cego, dão um tempero especial a trama. A opção estética de fazer o filme todo em preto e branco, com abuso de closes, câmera-lenta e música clássica, também tem seu significado. Embora o diretor jure que decidiu omitir as cores para tentar evitar com que o público faça qualquer paralelo com a realidade, fica difícil acreditar nele quando se percebe uma de suas inúmeras referências (algumas sutis, outras nem tanto).
No filme, a federação é conhecida por Fefa (quase Fifa, hein?) e seu presidente se chama Jean Michel, nome que logo nos remete a Michel Platini, presidente da Uefa. Em determinada cena, o empresário com quem Cruciani negociou o suborno grita para ele “ti arrestano” (algo como “vão prendê-lo”), a mesmíssima expressão ouvida em uma das escutas interceptadas pela polícia italiana durante o Calciopoli, esquema de manipulação de resultados que determinou o rebaixamento de Juventus, Fiorentina e Lazio na temporada 2005/06. Em outra passagem, o árbitro que apita uma partida do Pabarile chama-se Mureno, referência ao equatoriano Byron Moreno, que apitou a controversa derrota dos italianos para os anfitriões sul-coreanos na Copa 2002.
Mureno, aliás, protagoniza uma das melhores cenas do longa. Sem qualquer pudor, escancara sua má-fé com o Pabarile ao inverter faltas, ironizar atletas, anular três gols, marcar 87 impedimentos, permitir a violência adversária e distribuir cartões amarelos e vermelhos por simulação como se não houvesse amanhã – ele só para mesmo quando um carrinho quase quebra uma perna. Felizmente, a própria distribuidora do filme publicou a cena no Youtube para divulgação – está abaixo, aperte o play e divirta-se.
É justamente após esta controversa partida que os destinos de Cruciani e Atlético Pabarile se cruzam. Pego em flagrante com o dinheiro do suborno, o árbitro é punido pela Fefa e enviado para a Sardenha, onde é escalado para apitar a final do campeonato regional entre Pabarile e Montecrastu. Todos os movimentos performáticos antes ensaiados por ele para serem colocados em ação na final do torneio europeu agora são executados em campos de terra e diante de pouca plateia. No entanto, ele nem imagina que está para viver algo único e improvável, que só caberia mesmo no cinema, em um filme onde a ironia e o bom humor estão a serviço da representação da magia e da surpresa que é o futebol.
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