Um time formador e vencedor. Essa talvez seja a melhor maneira de definir a trajetória do Guarani, único clube do interior do país a ser campeão nacional. Apaixonado pelo Bugre, o cineasta Samir Cheida realizou o documentário Bugrinos que conta o passado e o presente do alviverde campineiro.
O longa-metragem combina entrevistas com ídolos como Neto, João Paulo e Careca bem com torcedores anônimos da agremiação. O filme teve exibições em Campinas e estará concorrendo na mostra competitiva do Cinefoot deste ano. Última Divisão conversou Cheida.
Última Divisão: Como surgiu a ideia de você fazer um filme sobre o Guarani?
Samir Cheida: Eu lembro que sou bugrino desde que o Viola fez o gol contra o Guarani na final do Campeonato Paulista de 1988. A cidade estava toda agitada por causa da final e eu, então com sete anos, fiquei muito impressionado com toda aquela euforia. Eu era fã do Neto, e me lembro de ter chorado a semana inteira por causa daquele gol. Desde então, minha paixão pelo Guarani só aumentou, estimulado por diversos bons campeonatos que o Bugre disputou.
Eu estava no Pacaembu dia 25 de janeiro de 1994 e vi o Guarani campeão da Copa São Paulo de Futebol Júnior, quando o Pitarelli pegou três pênaltis naquela final. Acompanhei bastante a geração do Amoroso, vi o Guarani quase chegar na final do Paulista em 1992 com o time do Edílson e do Edu Lima. Eu vi o Guarani muito forte e protagonista do futebol brasileiro. A minha paixão pelo clube com certeza foi um dos motivos de querer fazer o filme. Em 2010, a prefeitura de Campinas lançou um edital para premiar projetos culturais, o FICC, Fundo de Investimento Culturais de Campinas.
Pensei em um documentário para o ano do centenário do clube e que contasse a história da agremiação. Achava que era necessário que todos conhecessem a história de um time que desperta a paixão de muitos campineiros e é parte da cultura de Campinas. Assim, escrevi o projeto, fui vencedor do edital e comecei a produção.
UD: Todos os ex-jogadores entrevistados são atletas formados pelo clube. Por que essa opção?
SC: Foi um critério que surgiu durante a produção e a montagem. Até entrevistei o ex-lateral Diogo, que participou do time que ganhou do Santos de Pelé por 5 a 1. Na realidade, achei importante marcar a importância da formação de jogadores dentro das categorias de base do Guarani. Foi assim que o clube conquistou seus títulos e teve suas grandes vitórias.
O Bugre não consegue lidar com a Lei Pelé e os jogadores formados no clube vão embora sem dar retorno financeiro ao Guarani. Elano, Deco e William são alguns exemplos de jogadores que saíram do clube sem participar efetivamente dos times principais. Além disso, acredito que a formação de jogadores seja uma das saídas do Guarani para a atual crise. Porém, uma formação de jogadores adequada a realidade do atual futebol brasileiro.
UD: Dos ex-atletas que dão seu depoimento, qual te deixou mais emocionado?
SC: O João Paulo diz coisas marcantes na entrevista dele. Ele conta como foi perder um pênalti numa final de Campeonato Brasileiro. O João era o grande craque do Guarani em 1986. Ele afirma que, depois da final, ficou três dias num hotel sem falar com ninguém e sem atender o telefone. Toda vez que passava o reprise do jogo, ele desligava a TV. Esse depoimento foi muito impactante.
UD: A rivalidade com a Ponte Preta é explorada pelo filme?
SC: Sim. Mostramos dois dérbis no filme. Um de 2011 em que o Guarani perdeu de 3 a 0 e o histórico de 2012 em que o Bugre venceu por 3 a 1 se classificando para a final do Campeonato Paulista. O dérbi que o Guarani perdeu tornou-se a parte mais polêmica do filme. Eu quis simbolizar a crise que o Guarani vive hoje com a derrota para a AAPP na segunda divisão do Brasileiro. Alguns bugrinos não gostaram de ver a imagem dessa derrota, mas acredito que a maioria entendeu que é importante não só mostrar os grandes momentos, mas também os problemas vividos.
UD: Você acredita que a utilização do Brinco de Ouro como centro de treinamento na Copa do Mundo vai beneficiar o Guarani?
SC: Eu acredito que sim. A reestruturação do campo e das traves foi um grande benefício. Não sei se o Guarani teria condições de fazer essa reforma hoje. Além disso, haverá um interessante volume de negócios em torno da seleção da Nigéria. Isso terá atenção da imprensa mundial. É uma oportunidade para realizar ações de marketing e atrair dinheiro para o clube.
UD: O técnico Evaristo Piza chegou a passar o filme pros jogadores do elenco como motivo de motivação. Qual importância isso teve para você?
SC: Fiquei muito emocionado quando soube da notícia. Achei bacana essa ação do treinador porque ele mostrou ao atual elenco a força que o Guarani teve no passado. Isso aproximou o elenco atual das tradições e da torcida. O filme serve de motivação para os atuais jogadores tentarem entrar na história do clube.
UD: O Guarani com um passado tradicional e um presente não tão glorioso. Qual a importância da torcida nesse momento?
SC: Sem a torcida o Guarani iria acabar. Se não houvesse essas pessoas apaixonadas que ainda vão para Batatais-SP e Santa Rita-AL, ver o time jogar em campos horrendos e sem estrutura, tudo teria acabado. O Bugre está jogando em divisões que não são lugar do clube. Se não tivéssemos essa torcida, não teríamos a menor chance de reconstruir nossa história. Esse sentimento que a torcida tem com o Guarani, de não abandonar o clube mesmo com todos os problemas, é muito bonito. Isso não pode morrer. Porém, somente o sentimento não basta. O Guarani precisa de melhor gestão, de dinheiro para pagar suas dívidas e de uma fonte de receita que garanta a sobrevivência do clube.
UD: Atualmente, o Bugre disputa a Série A-2 do Paulista e a Série C do Brasileiro. Você acredita que o clube pode voltar aos bons tempos?
SC: Creio que sim. O futebol é cíclico. A própria AAPP teve momentos de perambular pelas divisões de acesso do futebol brasileiro. Porém, não acho que essa volta irá acontecer logo. O Bugre tem uma dívida grande e uma arrecadação pequena. O clube precisa planejar como pagar essa dívida ao longo prazo e garantir receitas para o Guarani sobreviver. Voltar para as divisões de elite é essencial para conseguir patrocínio da televisão, que é o que sustenta a maioria dos clubes brasileiros.
UD: Bugrinos teve exibições especiais em Campinas com relativo sucesso. Pra quem não é da cidade, o que deve fazer o que pra assistir o filme?
SC: O filme entrou na mostra competitiva do Cinefoot e deve ter exibições no Museu do Futebol de São Paulo no fim de maio. Além disso, Bugrinos está disponível para a compra na loja virtual do Guarani (www.guaraniesportes.com.br). O DVD custa 30 reais.
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