A Jamaica é conhecida pelo cantor Bob Marley e pelos seus corredores do atletismo, como o raio Usain Bolt. Todavia, o futebol também é jogado por lá. E, acredite, a evolução da infraestrutura, cobertura jornalística e crescimento técnico dos atletas tem sido notório.
O país está assumindo uma certa dominância no Caribe e tem feito frente às potências da CONCACAF, como Estados Unidos e México, além de conquistar bons resultados regionalmente. A terra do reggae não podia ficar de fora da nossa série de reportagens sobre os jogadores brasileiros que jogam ou jogaram no Caribe.
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Na temporada 2018-19, o atacante brasileiro Matheus Henrique Gomes Guimarães jogou por cinco meses pelo Mount Pleasant Football Academy e ajudou a equipe a completar uma ótima temporada com o terceiro lugar na Red Stripe Premier League, a Primeira Divisão da Jamaica.
Natural de Rio Claro, interior de São Paulo, Matheus conta que começou a jogar futebol aos sete anos incentivado pelo irmão. Teve passagens por Ituano, Rio Claro FC, Velo Clube, União São João (todos no estado de São Paulo) e Sliema Wanderers (Malta). Atualmente defende as cores do Amparo Athletico Club, outro clube paulista.
Apesar de assinar com os jamaicanos por dois anos, permaneceu na equipe por cinco meses. O atleta explica que aconteceram algumas situações que o impediram de cumprir o tempo de contrato. O jogador de 22 anos teve apenas quatro aparições somando 75 minutos de jogo.
Quando questionado se ele sentiu que o clube não dava muitas oportunidades para jogadores estrangeiros o atleta diz que foi o contrário, que o clube deu a ele boas oportunidades. “Eles gostavam muito do meu estilo de jogo e tinham um olhar diferente sobre mim por ser brasileiro. Não fui titular, mas desde a estreia eu tinha entrado em todos os jogos. O treinador (Paul Davis) não mexia muito no time para dar frequência aos titulares, mas sempre dava oportunidade para jogar”, conta.
Esta não foi a primeira vez que defendeu uma equipe fora do Brasil, mas, para ele, jogar na Jamaica foi a melhor experiência de sua carreira até agora. Comenta que o futebol por lá é diferente com muita força e velocidade. “Uma das minhas características é a velocidade e qualidade o que me ajudou a me adaptar ao futebol jamaicano”, explica.
Lost in Translation
Nem o futebol e nem a alimentação foram problemas para o paulista no Caribe. Então, a principal dificuldade foi o idioma por não saber muitas palavras em inglês quando chegou ao país caribenho.
“Eu aprendi o básico do inglês em minha passagem pelo futebol de Malta, mas mesmo assim tive muitas dificuldades no início. Não dominar a língua local me atrapalhou na comunicação durante os treinamentos e nos jogos. Contei com a grande ajuda de meu amigo panamenho, o goleiro Joseph Vargas, que fala espanhol, como meu tradutor pois este outro idioma era mais fácil para mim devido a similaridade com o português. Mas quando ele não estava por perto, eu tinha dificuldade”, comenta.
Ele diz que saber o inglês poderia tê-lo ajudado, inclusive, a desenvolver melhor o futebol, porque ele criou uma dependência do companheiro para traduzir as conversas com o treinador, os demais membros do time e, até mesmo, com a torcida.
Regulamento da liga jamaicana
O nome oficial da competição é Red Stripe Premier League (ou RSPL, na abreviatura). Red Stripe é o nome de uma cervejaria local que tem quase 100 anos e é a patrocinadora oficial do torneio. A competição profissional conta com 12 clubes.
Diferentemente de Trinidade e Tobago e da República Dominicana, há rebaixamento e promoção. A cada temporada dois clubes descem para a KSAFA Super League e dois novos entram na liga profissional. Após os 33 jogos da fase de grupos, os seis melhores nos pontos corridos vão para os play-offs. Porém, os primeiros colocados não são prejudicados.
Um exemplo: Os dois primeiros na temporada passada foram Portmore United e Waterhouse e se classificaram automaticamente para as semifinais. Enquanto isso, os outros quatro disputam as quartas de final (3° x 6° e 4° x 5°) e o vencedor passa às semifinais.
A partir daí chega-se ao campeão. O mesmo acontece no Haiti.
Dos 12 clubes da edição 2019-2020, sete são da Capital Kingston: Arnett Gardens, Cavalier FC, Harbour View FC, Molynes United, Tivoli Gardens, UWI, Waterhouse; dois da cidade de Portmore: Dunbeholden e Portmore United; O Humble Lion de May Pen; o Mount Pleasant FA, de Runaway Bay e o Vere United, de Claredon.
Estrutura profissional
Sempre abordamos o aspecto da estrutura das ligas, dos clubes e dos estádios em nossas matérias sobre o futebol caribenho porque esta é uma área de carece muito de investimento, ainda que tenha melhorado no últimos anos na região.
Guimarães revela que foi surpreendido sobre a estrutura do futebol de lá. Apesar de não conhecer todos os clubes e estádios e a infraestrutura de cada um, diz ter gostado do que viu.
“A estrutura do futebol na Jamaica me surpreendeu muito e não era nada como eu imaginava. Uma sugestão de melhoria é o departamento médico, que ajuda muito na recuperação de um jogador lesionado em menor tempo. No mais, o campo é bem cuidado, os estádios possuem vestiários bacanas e academia. Gostei muito da estrutura da liga. Todos os jogos têm música, premiação para o melhor jogador da partida e alguns jogos têm cobertura de TV e rádio”, explica.
Os jogadores
Sobre os futebolistas jamaicanos, o paulista comenta que possuem um nível técnico muito bom e que aprendeu muito com eles. Para ele, as principais características dos jogadores de lá são a velocidade, força física, vontade de vencer e o amor pelo futebol.
“Os atletas têm sede de aprender, muita força de vontade e união o que os ajuda a aprimorar o futebol todos os dias. Além disso, os treinadores e comissão técnica, pelo tempo que fiquei por lá, percebi que são unidos em prol de ajudar e fazem o que podem. Eles também estudam e participam de cursos para elevar o conhecimento técnico”, comenta.
Fazendo a América
Em 2020, seis jogadores deixaram a Red Stripe Premier League para seguirem suas carreiras em ligas maiores. O atacante Cory Burke, de 28 anos, esteve na primeira metade temporada por empréstimo do Philadelphia Union, da MLS, ao Portmore United. Os 11 gols e a retomada da confiança chamaram a atenção do SKN St. Pölten, da Primeira Divisão Austríaca, e o jogador foi mais uma vez emprestado pelos norte-americanos. O jamaicano têm 10 jogos e quatro gols pelo novo clube.
A Liga Canadense foi destino para três Jamaicanos. Ex-companheiros de Cavalier FC, Nicholas Hamilton e Alex Marshall agora serão rivais no Canadá. Hamilton é novidade do York9 FC enquanto o amigo defenderá as cores do Halifax Wanderers. O meio-campista Tevin Shaw deixou o Portmore United para fazer sua estreia no exterior ao assinar com o Atlético Ottawa.
O habilidoso meia Andre Lewis retornou ao futebol dos Estados Unidos em 2020 para defender as cores do Colorado Springs Switchbacks, clube da United Soccer League (USL), do segundo escalão norte-americano, proveniente do Portmore United. Lewis já fez parte do time reserva do Portland Timbers e pelo Vancouver Whitecaps (Canadá), que depois o emprestou ao Charleston Battery. O goleiro Amal Knight foi contratado junto ao UWI Mona pelo San Diego Loyal, também da USL, mas foi emprestado recentemente ao FC Tucson, da terceira divisão.
Estrangeiros
A liga jamaicana, ao longo de seu crescimento, está se abrindo aos poucos para jogadores estrangeiros. Na temporada atual, são dois jogadores de São Cristóvão e Névis, dois panamenhos, um ganês, um norte-americano, dois de São Vicente e Granadinas, um colombiano e um jamaicano com nacionalidade inglesa.
Além do brazuca, na temporada 2018-2019, foram três surinameses, três ganeses, um nigeriano, um venezuelano, dois panamenhos e dois jogadores de São Vicente e Granadinas.
Histórico dos Reggae Boyz
O maior momento da história do futebol jamaicano foi participar da Copa do Mundo da França de 1998, com o treinador brasileiro René Simões à frente do time. Outros momentos marcantes são seis Copas do Caribe e duas participações em Copas Américas. Apesar de nunca ter sido campeã da Copa Ouro, maior torneio de seleções da CONCACAF, a seleção possui bons desempenhos recentes sendo vice-campeão em 2015 e 2017, e quarto lugar em 2019.
Após serem finalistas e sofrerem uma dura derrota por um gol para os Estados Unidos na Copa Ouro 2017, os norte-americanos foram mais uma vez carrasco dos caribenhos, que foram eliminados nas semifinais da Copa Ouro 2019 por 3 a 1. Os Reggae Boyz vinham embalados após eliminarem Honduras e Panamá, países com tradição na CONCACAF.
A Jamaica garantiu sua vaga na Copa Ouro 2021 com as cinco vitórias e um empate no grupo C da Liga B da Liga das Nações. Seu grupo fácil era também formado por Guiana, Antígua e Barbuda, e Aruba.
Está nas mãos de Theodore Whitmore, que esteve na França como jogador, liderar os Reggae Boyz novamente à uma Copa do Mundo e serem a primeira nação caribenha a participar de duas edições.
As aspirações da seleção jamaicana ganharam ânimo com a chegada de Leon Bailey no final de maio do ano passado. O craque do Bayer Leverkusen, frequentemente ligado ao futebol inglês, chegou como o jogador que pode ser decisivo em uma partida importante.
Além da estrela do futebol alemão, a seleção jamaicana tem nomes como o goleiro André Blake (Philadelphia Union); os zagueiros Michael Hector (Fulham) e Adrian Mariappa (Watford), o lateral Kemar Lawrence, que assinou no início deste ano pelos belgas do Anderlecht; o lateral direito Alvas Powell (Inter Miami CF); meia atacante Bobby Reid (Fulham); e o experientes atacantes Dever Orgill (Ankaragucu, da Turquia) e Darren Mattocks (sem clube). Outro destaque é o jovem atacante Shamar Nicholson, do Charleroi, também da Bélgica, que tem se destacado na Europa e pela seleção.
A base vem forte
Os “Reggae Boyz” contam ainda com jogadores muito promissores como os meias Lamar Walker, do Portmore United, que já esteve em testes no Vasco da Gama; Tyreek Magee, do Eupen B, da Bélgica, e Peter Lee Vassel, que chegou a ser contratado pelo Los Angeles FC, mas que está livre no mercado. Os zagueiros Jamoi Topey, do Bethlehem Steel, segunda equipe do Philadelphia Union, e Ajeannie Talbott, do Harbour View FC também são jogadores que figuram na equipe principal depois de terem passagens pelas categorias de base.
Os representantes do ataque são os habilidosos Alex Marshall, novo jogador do Halifax Wanderers, da liga canadense; o jovem Kaheem Parris, emprestado pelo NK Domzale, da Eslovênia, ao Krka, do mesmo país; Deshane Beckford do RGV Toros, dos Estados Unidos e Nicque Daley, do Charleston Battery, também dos Estados Unidos.
A brilhante temporada do “winger” pela direita Norman Campbell chamou a atenção dos italianos da Udinese, mas o jogador do Harbour View FC retornou à Jamaica por conta da pandemia causada pela Covid-19. Porém, ele ainda não foi chamado por Theodore Whitmore ao time principal.
Jeadine White, do Cavalier FC, e Akeem Chambers, do Waterhouse FC, são jovens goleiros que pintam como promessa na seleção principal.
A pandemia na Jamaica
O presidente da Federação Jamaicana de Futebol, Michael Ricketts, informou em comunicado divulgado no dia 15 de maio que a temporada de futebol da Jamaica 2019/2020 seria cancelada e declarada nula e sem efeito. Sendo assim, a Red Stripe Premier League e a KSAFA Super League não terão campeões, rebaixamentos e nem promoção.
Para Ricketts, adiar a decisão do cancelamento da temporada poderia gerar ainda mais sérias implicações aos clubes profissionais que estavam lutando para sobreviver.
A pandemia do coronavírus, assim como em praticamente todos os países, afetou drasticamente os clubes jamaicanos. Em carta aberta, o Arnett Gardens FC, um dos maiores clubes do país, publicou:
“[…] Os desafios enfrentados pelos clubes são multifacetados nesse clima econômico muito severo. Os principais patrocinadores também estão sofrendo durante a profunda recessão econômica global, portanto as receitas de patrocínio estão sendo afetadas.”
“[…]A crise exige que decisões difíceis sejam tomadas pelos clubes. Confrontado com essas realidades e as incertezas que estão por vir, o Arnett Garden FC está tendo que reestruturar nossa base de custos em um esforço para se tornar uma organização mais resiliente e sustentável. O clube está empreendendo um processo de redução de custos indiretos, começando pelo tamanho da equipe para a próxima temporada, enquanto nos preparamos para retomar as operações com menor receita projetada.”
O clube também salientou a perda de receita sem o público nos estádios. As demais equipes, apesar de não se manifestarem publicamente, possivelmente seguirão pelo mesmo caminho.
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