A série de reportagens sobre “Jogadores Brasileiros no Caribe” chega agora a Martinica, um departamento ultramarino insular da França. O idioma oficial é o francês e a ilha é marcada por belas praias, atrações culturais, paisagem montanhosa e pela culinária. Mas por lá, também se joga futebol — e onde tem futebol não pode faltar Brasil. Atualmente, o volante Braian Robson Teixeira e o atacante Isaías Alves são os brazucas no país.
Os dois jogadores foram contratados em 2016 pelo AS Samaritaine, na época na segunda divisão. Em sua temporada de estreia, sagraram-se campeões do Campeonato da Segunda Divisão (Régional 2), e da Copa da Martinica. No retorno à elite do futebol local, o AS Samaritaine terminou a temporada 2017/2018 em quinto lugar.
Por problemas com o presidente, ambos optaram por se transferir ao RC Saint-Joseph, da mesma liga. Teixeira defende o clube pela segunda temporada, já Alves transferiu-se para o Club Franciscain, um dos maiores do país, no meio do campeonato.
Leia também
Entre o emprego fixo e o futebol
Quem contará sobre sua trajetória, estilo de vida na ilha caribenha e compartilhar sua visão sobre o futebol local será Braian Robson Carneiro Teixeira, de 24 anos, natural de Belém, no Pará. No Brasil, atuou pelo Tiradentes, Remo, Independente (pelo qual participou da Copa São Paulo de Futebol Júnior), Tapajós e Mogi Mirim, todos nas categorias de base.
Sem antes nunca ter ouvido falar do país caribenho, teve conhecimento de Martinica por meio de dois amigos que jogaram no departamento francês: Silvio Manoel Soeiro e Madson Gouveia. Dois clubes estavam interessados em ter brasileiros em seu elenco, o New Club e o AS Samaritaine, então Silvio e Madson fizeram a oferta a Teixeira. O paraense aceitou e optou pelo AS Samaritain. Assim, em setembro de 2016, Braian e Isaías deixavam o Brasil para viverem uma aventura em um país desconhecido. Os dois atletas conheceram-se poucos meses antes de jogarem juntos.
Sobre sua vida no país, comenta que o RC Saint-Joseph é quem arca com as despesas de residência, alimentação e dá dinheiro para enviar para a família no Brasil.
O RC Saint-Joseph disputa o Trophée Gérard Janvion (ou também Régional 1), equivalente à primeira divisão de Martinica. O total de 14 equipes competem. O campeão se classifica para o Caribbean Club Shield e o último colocado é rebaixado. Com a pandemia causada pela COVID-19, a Federação de Futebol Francesa autorizou as federações de Guiana Francesa, Guadalupe, Martinica e São Martinho a encerrarem as competições de futebol. Assim, o AS Samaritaine sagrou-se campeão pela terceira vez em sua história. Já o Réveil-Sport Gros-Morne foi rebaixado. O clube de Saint-Joseph terminou a competição em 13° lugar.
O time treina quatro vezes na semana na parte da noite. Este é o único horário possível, já que os jogadores trabalham durante o dia. O mesmo acontece com as demais equipes. Sobre as profissões dos futebolistas, há um aspecto curioso. Os clubes podem conseguir empregos com jornadas reduzidas para os jogadores de futebol. Teixeira conta que dependendo do clube, alguns trabalham na Prefeitura da cidade sede.
“Há casos em que o jogador muda-se para uma equipe porque o time pode conseguir um emprego para ele. Mas alguns também chegam nos clubes com seus trabalhos. A profissão varia de acordo com a formação de cada um, explica”.
O idioma
A maioria dos brasileiros que se aventuram a jogar em outro país, chegam sem saber o idioma local. Teixeira também não falava francês quando transferiu-se para o AS Samaritaine. Como o esperado, foi difícil a comunicação com as pessoas do clube. “Comunicávamos com a tradução no celular e as pessoas sempre foram pacientes com a gente (ele e Isaías)”, lembra. Na segunda temporada no AS Samaritaine ele já conseguia entender e falar algumas coisas. Atualmente, sente-se a vontade para falar francês e consegue assistir a filmes e ler. Comenta que duas pessoas foram fundamentais em sua adaptação: Jean Paul e Therry Coler.
O jogador lembra que a receptividade nos dois clubes que representou foi muito boa. Diz também que mantém uma boa relação com os jogadores e com os torcedores. Assim como Diego Oliveira comentou, Teixeira também disse receber um carinho especial das categorias de base por ter nascido no país do futebol.
O país do… handebol?
A seleção martinicana de futebol é gerida pela Liga de Futebol de Martinica, que é comandada pela Federação Francesa de Futebol. O país não é afiliado da FIFA por não ser independente. Ou seja, não disputa as Eliminatórias para a Copa do Mundo e nem amistosos oficiais. Todavia é membro da Caribbean Football Union (CFU) e da CONCACAF desde 1983. Atualmente está na Liga A da Liga das Nações da CONCACAF e ficou em terceiro lugar no grupo A da Copa Ouro 2019.
Os principais jogadores da seleção principal são o atacante Kévin Parsemain, do Golden Lion (Martinica); o volante, lateral e zagueiro Jordy Delem, do Seattle Sounders FC, dos Estados Unidos; e o “winger” Mickael Biron, que recentemente assinou pelo AS Nancy, da Ligue 2 francesa.
Leia também:
O esporte mais popular do mundo ainda é semi-profissional em Martinica. O futebol é uma paixão, mas não é a principal modalidade do país. Ciclismo, tênis, handebol e basquete também são esportes que se destacam na ilha. Além disso, Teixeira diz que o nível do campeonato é bom, mas poderia ser muito melhor se os dirigentes tivessem um pouco mais de ambição e mentalidade. Sobre o estilo de jogo, relata que como os campos de futebol não são tão grandes prevalece o jogo físico. Mas enfatiza que há jogadores muito técnicos, de qualidade e com muita raça.
Em toda região há apenas quatro países com ligas profissionais: Haiti, Jamaica, República Dominicana e Trinidade & Tobago. Para ele, somando-se às deficiências citadas acima, um empecilho para a profissionalização seria a de atrair público para os jogos, o que significaria notável perda na receita dos clubes. Apenas os grandes jogos atraem uma torcida considerável.
Porém, em quatro anos no país, observa que o futebol está mudando por lá. Acredita que as melhorias são resultado das campanhas expressivas, considerando a realidade amadora, que alguns clubes alcançaram na Copa da França. A participação do Club Franciscain na Liga dos Campeões da CONCACAF na temporada passada também provocou mudanças, ainda que singelas, na organização dos clubes. Só que não foi o suficiente para pensar na profissionalização.
Diferentes olhares
Para ele o aspecto social do país reflete também no futebol. Traçando um comparativo com si mesmo, menciona que os martinicanos, em geral, têm uma qualidade de vida estável e confortável, e que, mesmo gostando de jogar, não tratam esse esporte como prioridade. Já Teixeira, vindo de uma realidade em que as coisas são bem difíceis, o maior sonho dos jovens meninos é tornar-se jogador de futebol para poderem melhorar de vida.
O fato dos atletas enxergarem o futebol como uma diversão, e não uma profissão, segundo o brasileiro, interfere no rendimento dos atletas quando transferem-se para ligas profissionais.
“Muitos jogadores de Martinica que conseguem a oportunidade no futebol profissional não dão certo porque estão acostumados com a comodidade que têm em casa e jogar em outro país implica dificuldades e requer sacrifícios. Diante de uma dura realidade, muitos optam por voltar para casa. Aqui têm jogadores de muita qualidade que, se quisessem, poderiam ser profissionais na França e nos Estados Unidos, os principais destinos para jogadores martinicanos. “, explica.
O meia Thierry Catherine, por exemplo, teve a oportunidade de se juntar ao Swope Park Ragers, a equipe B do Sporting KC, da MLS. Mas sua passagem pelo clube norte-americano foi breve e ele não participou de nenhuma partida pelo clube. O atleta retornou ao Golden Lion, time que defende em Martinica. Recentemente foi anunciado como reforço do AS Samaritaine, atual campeão martinicano.
A metrópole, França, é o principal destino para aqueles que desejam seguir carreira profissional. Para muitos a oportunidade começa no futebol amador ou semi-profissional mas pode ser a chance de chamar a atenção de uma equipe maior. Foi o que aconteceu com o atacante Mickael Biron, que fez grande temporada pelo SAS Épinal, da quarta divisão francesa, e que foi anunciado como o primeiro reforço do AS Nancy Lorraine, da Ligue 2, a segunda divisão da França para a próxima temporada. Este é o primeiro contrato profissional do jogador da seleção de Martinica.
Adaptação
Além do idioma, adaptar-se a cultura de outro país é um processo complicado. Mas Teixeira comenta que estar com pessoas que o acolheu bem o ajudou a acostumar-se com mais facilidade ao novo ambiente. “Minha maior dificuldade de adaptação foi com a culinária porque muitas receitas aqui são muito apimentadas. Depois que aprendi a falar que não gostava de pimenta, as pessoas pararam de colocar”, explica.
Ao contrário de Belém (do Brasil em geral) em que há vida noturna agitada, em Martinica, as pessoas são mais caseiras. Mas este também não foi um problema para o brasileiro, que também revela gostar de ficar em casa.
Teixeira ainda não sabe se continuará no RC Saint-Joseph, mas seu futuro como jogador ainda será em Martinica para a temporada 2020-2021. Certamente foram quatro anos de muito aprendizado e ainda há história a ser escrita em um país ainda desconhecido pela grande maioria dos brasileiros.
Comentários