Felipe Marx atravessa o hall de entrada do Museu do Futebol com duas malas de rodinhas a tiracolo. Desvia de alguns cumprimentos e só para quando encontra um lugar que considera ideal para depositar o material, uma mesa firme nos bastidores do auditório do estádio do Pacaembu. A salinha, pequena como um banheiro de avião, é suficiente para acomodar cuidadosamente cada uma delas. Só então, com a certeza de que aquele é mesmo um lugar seguro, ele abre e mostra o precioso conteúdo: algumas das camisas de futebol de sua coleção, iniciada em 1988.
Todo cuidado é pouco (e se explica): as camisas ali guardadas são feitas dos mais variados materiais, e muitos deles já tem idade suficiente para se deteriorar caso fiquem expostos ao calor, umidade ou qualquer outra intempérie. Algumas, por conterem autógrafos gravados ou tecido muito frágil, passam bem longe do tanque ou da máquina de lavar roupas.
Ainda assim, Felipe gosta de compartilhar sua experiência como colecionador. Por esse motivo, criou o site Minhas Camisas em 2006, sem imaginar que aquele gesto inspiraria vários colecionadores a também postar as histórias de suas coleções. De cara, o blog passou a ser ponto de encontro, troca e discussão de camisas de futebol entre colecionadores de todo o país. Hoje, de três em três meses, a rede social se materializa em um encontro de colecionadores que atrai gente de todo o país.
Beny Lima, por exemplo, deixou o Paraná na sexta-feira rumo a São Paulo com o único objetivo de participar do encontro. Torcedor do Atlético Paranaense, o curitibano viajou de ônibus por seis horas durante a madrugada e foi direto ao Pacaembu, onde expôs suas camisas, com destaque para uma do time do coração de 1990 e outra do Joinville de 1983. Por mais que estivesse animado, precisou deixar o encontro na metade, a uma da tarde, sob risco de não chegar a tempo na rodoviária para embarcar de volta à capital paranaense.
Em uma mesa próxima a ele, Diego Ramos explicava pacientemente a cada um que perguntava sobre suas camisas mais desconhecidas. Uma delas chamava a atenção: a da Associação Esportiva Araçatuba, que figurou na elite paulista na década de 1990. Diego conta que seu objetivo como colecionador é ter ao menos um exemplar de cada estado brasileiro. Ele ainda está longe disso, mas já coleciona alguns times bem curiosos, como o Legião-DF, Atlético-RR e Vila Rica-PA.
Já Gabriel Hiray Leal tem outro objetivo como colecionador: reunir um exemplar de jogo de cada time do eixo Rio-SP. No entanto, ele e seu irmão menor Guilherme chamavam a atenção pela variada oferta de camisas do exterior, com especial atenção ao futebol chinês. Ao todo, a dupla expôs nove camisas de seis times diferentes. Como as conseguiu? Com contatos feitos pela internet, claro, onde já chegou a trocar uma camisa do Botafogo-SP por uma da seleção do Catar e do Deportivo Táchira, da Venezuela.
A web, aliás, aproximou bastante os colecionadores brasileiros e os ajudou a alcançar o mundo. Paulo Roberto Marques, por exemplo, chegou a arrematar no eBay lotes inteiros de camisas, muitas desconhecidas, a fim de ter moeda de troca para alcançar seu objetivo: reunir o máximo de camisas do Vasco da Gama. Tal tática o levou a camisas antigas de Colorado Rapids, Club Atletico Racing, Alianza Lima e Kashima Reysol, além de uma absolutamente desconhecida, de pano vermelho e número 14, com SV Vaihingen nas costas e Auto Stabler na frente. Nesse caso, nem a internet ajudou Paulo a solucionar o enigma.
Se uns investem nas trocas pela internet, outros preferem ir buscar pessoalmente as camisas. É o caso de Renato Mattar, que viajou para um mochilão pelo leste europeu e aproveitou para visitar um amigo que mora na cidade litorânea de Varna, na Bulgária. Ouviu dele que um brasileiro havia sido contratado recentemente para defender o time da cidade, o PFC Cherno More.
Ficou maluco quando soube que era Jardel, ex-atacante de Grêmio, Palmeiras, Sporting e tantos outros clubes, o jogador que tentava prolongar um pouco mais a carreira por ali. Na tentativa de falar com Jardel, Renato foi ao clube, mas acabou barrado. Mesmo assim, não perdeu a chance e trouxe uma camisa com o nome do exímio cabeceador nas costas. Mais um artigo raro para o colecionador, que não tem objetivo, mas sim critério para comprar ou trocar: aceita somente camisas que consegue vestir (ou seja, tamanho M).
Mário Magalhães, por outro lado, não esteve na Romênia, mas conseguiu uma camisa única, a utilizada pelo goleiro Bogdan Stelea em seu penúltimo clube, o FC Unirea Valahorum, na final da Copa da Romênia de 2008. A partida, disputada em 10 de maio daquele ano, foi uma das mais importantes da história da equipe. Na ocasião, contra o tradicional CFR Cluj, Stelea atuou durante os 90 minutos e foi o capitão, mas não conseguiu evitar a derrota por 2 a 1. Na temporada seguinte, o FC Unirea conquistou seu primeiro e único título romeno, já que, em 2011, acabou rebaixado à segunda divisão e viu seu “mecenas” interromper o investimento na equipe. Vão-se os clubes, ficam-se as camisas.
Raridades, aliás, são as que mais atraem colecionadores. Uma camisa do Bragantino dos anos 90, como a que tem Adriano dos Santos, colecionador há mais de 10 anos, sempre evoca lembranças nos mais saudosistas. Uma do Flamengo de 1983, com tecido todo cheio de furinhos, como a que guarda Renan, é outra que inspira admiração em colecionadores, torcedores e apaixonados por futebol. É esse sentimento que mais motiva Felipe Marx, o dono do Minhas Camisas, a seguir ajudando na manutenção do site e na promoção de encontros. Now you can create an app using best free app builder.
“É gostoso ver gente diferente, verdadeiros loucos, se encontrando na internet e discutindo sobre material esportivo, patrocinador, modelo de camisa. Ser um hub, um eixo disso tudo, dá muito orgulho”, conta ele, entre um chamado para ver uma preciosidade encontrada e outro para ouvir uma nova história de colecionador.
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