Protestos, xingamentos, indiferença, liminares judiciais, oposição, parcerias mal costuradas e disputas políticas. Esses são os ingredientes da pior crise da história do Mogi Mirim em 85 anos. Em vias do quarto rebaixamento em dois anos e meio, o clube acabou de passar pela vexaminosa experiência de perder uma partida da Série C do Campeonato Brasileiro por W.O. – com salários atrasados, os atletas se recusaram a entrar em campo, contra o Ypiranga-RS.
E pensar que, há tão pouco tempo, o limbo parecia uma condição impossível para um dos mais tradicionais clubes paulistas. Através da saída do pentacampeão Rivaldo e pela administração centralizadora de Luiz Henrique de Oliveira, o Última Divisão faz um raio-x da penúria do Sapão da Mogiana, um clube sem torcida, sem dinheiro, sem jogadores, sem ônibus e – quem sabe? – sem futuro.
Não podemos nos esquecer de Rivaldo
Os problemas administrativos do Mogi Mirim remetem aos anos em que o clube foi comandado por Rivaldo, um presidente que, se por um lado deu as maiores alegrias que o clube já viu, por outro renunciou ao cargo em uma passagem marcada pelo afastamento com o torcedor e a cidade no geral, e pelo primor administrativo que inclui ter a própria esposa como vice-presidente e o filho de 19 anos, jogador do time, como presidente do conselho deliberativo – responsável, portanto, por fiscalizar as ações do pai.
Com Rivaldo, o Mogi foi campeão do interior em 2012, levou o Santos de Neymar para a disputa por pênaltis na semifinal do Paulistão de 2013 e subiu da Série D para a Série B do Brasileirão, algo que não acontecia há dez anos. Em 2014, a relação do dirigente com a torcida já havia desandado de vez, com discussões acaloradas nas redes sociais e no estádio, local este que, muito a contragosto local, levava o nome do pai do ex-jogador.
Rivaldo então passou a oferecer o Mogi a quem aceitasse, durante a pausa para a disputa da Copa do Mundo de 2014, com direito à publicação no Instagram de um número de telefone para ofertas. Em 2015, renunciou ao cargo e levou consigo dois centros de treinamento, que foram passados ao seu nome como forma de abater uma dívida de R$ 10,9 milhões, em manobra que ainda é investigada pela Justiça. Wilson Bonetti, ex-procurador com quem Rivaldo rompeu em 2014, acusa-o de fraude em parceria do clube com uma empresa do Uzbequistão.
Quem assumiu depois, em julho de 2015, foi o empresário Luiz Henrique de Oliveira. Quatro meses depois, ele seria afastado do cargo por decisão do conselho deliberativo, abrindo disputa pelo poder que serviria como âncora para acelerar a ida do clube ao fundo do poço.
O estilo Luiz Henrique de Oliveira
Luiz Henrique e Victor Manuel Simões deveriam se entender e dividir a gestão do clube. O primeiro, como presidente, e o segundo, como vice e principal investidor. Não foi o que aconteceu. Luiz Henrique causou furor no clube com atitudes polêmicas, como a demissão de dois funcionários de alta confiança: um deles, o diretor de futebol Luiz Simplício, havia sido contratado no dia anterior. Geraldo Bertanha, diretor de comunicação, estranhou e contestou a decisão unilateral, e foi imediatamente demitido também.
O clima nos bastidores azedou e, por decisão do conselho deliberativo, Luiz Oliveira foi afastado do cargo em 12 de novembro de 2015, por praticar atos que vão contra o Estatuto Social. No dia 29, era aclamado presidente para o biênio 2016/2017. Ao entender que a ata que decidiu por seu afastamento fora forjada, ele ignorou a decisão e convocou eleições, para as quais a chapa de Victor Manuel Simões não pôde participar por ter sido inscrita a menos de 15 dias do pleito.
A eleição ainda contou com a presença de um grupo novo de sócios, que compareceu de van, vindos de Guarulhos, para ajudar a confirmar Luiz Henrique como presidente do Mogi Mirim. O caso rendeu registro de Boletim de Ocorrência na delegacia da cidade. A cisão política permanece até hoje. Em dezembro de 2016, ex-diretores e sócios formaram um grupo chamado “SOS Mogi Mirim” para buscar soluções mediante o caos que o clube vivia. Em dezembro, foram proibidos de acessar o clube para entregar reivindicações. Foi uma das vezes em que viaturas policiais barraram a porta do clube a pedido do presidente.
Em 29 de abril deste ano, o dirigente impediu a entrada de sócios oposicionistas na assembleia geral de prestação de costas, atropelando liminar judicial. Em junho, ele simplesmente não compareceu a uma audiência pública na Câmara Municipal para discutir a situação do Mogi Mirim Esporte Clube. Em julho, uma nova assembleia geral foi feita em um hotel da cidade, e novamente a decisão foi por destituir Luiz Henrique do cargo. Como ele se recusa a receber notificação, apesar da publicação da ata e outros documentos em jornais da cidade, nada mudou.
Em campo, o caos
Quando assumiu o Mogi Mirim, Luiz Henrique tinha em mãos um clube na Série B do Campeonato Brasileiro e na elite do Paulistão. Dois anos depois, está em vias de punição de dois anos sem participar de competições da CBF, por conta do W.O. contra o Ypiranga-RS na Série C do Brasileiro. O rebaixamento à Série D é uma possibilidade grande. No Paulista, caiu para a Série A-3. Foram três rebaixamentos consecutivos.
A queda de desempenho anda lado a lado com os problemas financeiros. Eles se agravaram pela primeira vez em agosto de 2016, quando o elenco ameaçou fazer greve por conta de salários atrasados. O Sindicato dos Atletas Profissionais do Estado de São Paulo (Sapesp) interviu, mas o clube desrespeitou os prazos e, em setembro, 17 jogadores deixaram o clube em meio à disputa da Série C.
O Mogi encerrou 2016 com cortes de telefone e energia, por falta de pagamento, e como único clube da Série A-2 ainda sem técnico definido. Para poupar os salários de novembro, a preparação foi iniciada no mês seguinte. O clube terminou a competição rebaixado e com prejuízo de R$ 58 mil. Para aliviar a situação, Luiz Henrique tentou negociar acordo com o Audax, que ajudaria com logística, infraestrutura e jogadores. Isso faria o Mogi atuar pela Série C em Osasco. O negócio não foi pra frente, no entanto.
A dois dias da estreia na competição nacional, o Mogi Mirim tinha 15 atletas inscritos e precisou contar com atletas da base para evitar o W.O.. No Estádio José Liberatti, em Osasco, o time empatou por 0 a 0 contra o São Bento e deu calote nas taxas de arbitragem. Mesmo as lâmpadas da placa eletrônica que indica substituição de jogadores estavam queimadas. Sequer havia água mineral para a realização do exame antidoping.
Em junho, o goleiro Poti rescindiu contrato após disputa judicial. Ele estava sem receber salários desde janeiro. Em julho, outros seis atletas fizeram o mesmo. Em agosto, até o técnico Marcelo Veiga perdeu a paciência e pediu demissão.
O comando do time merece um capítulo à parte: foram oito trocas desde janeiro de 2016. Um dos treinadores, Leston Junior, foi demitido em setembro por dispensar os jogadores dos treinos do dia porque, sem ônibus, o time resolvera treinar no estádio, mas os materiais já se encontravam no CT. O próprio Veiga foi demitido e recontratado em um intervalo de três meses.
O fundo do poço
Como o elenco se recusou a entrar em campo contra o Ypiranga-RS por falta de pagamento
e Luiz Henrique proibiu a entrada dos atletas rebelados no clube, o Mogi deve encerrar a Série C com jogadores da base para, pelo menos, não sofrer punição pesada da CBF – isso apesar de ter anunciado a desistência do torneio e voltado atrás. Só um milagre evita o quarto rebaixamento em cinco competições na “gestão Oliveira”.
O dirigente vai encerrar o ano marcado por alguns feitos no cargo. Entre eles está o de não vender ingressos para as cadeiras numeradas do estádio, para evitar xingamentos dos torcedores. Por falta de laudos e garantias de segurança, o clube atuou em oito partidas da Série A-2 em Limeira. De volta ao Estádio Vail Chaves, desde fevereiro está proibida a entrada de menores de 18 anos, por decisão judicial que, esta sim, é respeitada pela diretoria.
Trata-se de um clube absolutamente abandonado pela torcida, um processo de anos, passando pelas administrações da família Barros e de Rivaldo. A crise parece sem fim, e as dívidas trabalhistas já batem a casa dos R$ 3 milhões. Em julho, um torcedor do Sapo flagrou o ônibus do clube à venda em Guarulhos. Luiz Henrique confirmou que tudo o que o clube puder vender será vendido para tentar conter o prejuízo.
O mandato de Luiz Henrique Oliveira à frente do Mogi Mirim Esporte Clube termina em 31 de dezembro de 2017. Não há interesse em tentar a reeleição.
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