O Última Divisão já lembrou a participação feminina no futebol em diversos momentos, como jogadoras, treinadoras e até como nome de estádio. Mas você conhece algum caso de narradora? Se não conhece, apresentamos o caso da paraguaia Estela Mareco, um dos casos mais conhecidos do futebol sul-americano neste quesito.
O futebol brasileiro registra diversos casos de mulheres aos microfones durante os jogos, principalmente como repórteres. Hoje, porém, é difícil achar qualquer referência de uma narradora brasileira – melhor dizendo, nós não encontramos registros de atividades delas por aqui. Na América do Sul, Estela Mareco tornou-se nome conhecido, além de ser um caso raro na profissão em todo o mundo.
Advogada de formação, Estela Mareco começou a narrar jogos de futebol em 1999. A jornalista já tinha mais de duas décadas de carreira na imprensa, em especial na cobertura do basquete, quando sentiu que havia chegado o momento de narrar jogos. Ganhou destaque internacional na Copa América do mesmo ano, quando trabalhava pela Rádio Nanawa AM 1080 de Luque, cidade na região metropolitana de Assunção.
“Faltavam duas semanas para a Copa América do Paraguai em 1999 e eu não tinha uma rádio”, comentou Estela em entrevista ao diário argentino Olé em 1999. “Então, averiguei com um amigo de confiança que havia um lugar na AM e me surgiu a Nanawa”, completou.
Na ocasião, a paraguaia formou dupla com Julio César Romero, o Romerito (foto), ídolo do Fluminense e da seleção guarani na década de 80. A seleção anfitriã não fez lá esse sucesso esperado em casa, caindo nas quartas de final da Copa América de 1999; no entanto, Estela se destacou no ramo e deixou a Rádio Nanawa e circulou por outras rádios nos anos seguintes.
Desde então, Estela – que já havia passado por diversos jornais de Asunción – passou ainda por veículos como Rádio Génesis e Rádio Mil. Em 2009, por exemplo, esteve no Recife para irradiar Brasil x Paraguai pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2010.
Ainda hoje, comanda o programa Fútbol Estelar, que garante a ela projeção na mídia paraguaia. Além disso, segue trabalhando com a advocacia e é diretora geral do Festival Internacional Ykua Salas, em Itacurubi del Rosário, no Paraguai. Muito dedicada a sua cidade natal, Estela busca a formação dos jovens de Itacurubi através do esporte, da cultura e das artes, graças a uma fundação que leva o nome de seu pai, Placido Mareco.
“Com isso, demonstro que sou uma profissional independente, apaixonada pelo esporte e pela arte, que busca a formação de crianças e jovens, e crio minha própria fonte de trabalho. Há momentos que não tenho rádio (para trabalhar), mas a luta continua”, conta ela, em entrevista exclusiva por e-mail ao Última Divisão. Em uma longa conversa conosco, ela mostrou sua motivação para trabalhar e destacou seu pioneirismo. Veja:
1. Você começou a narrar partidas de futebol na Copa América de 1999, no Paraguai. Desde quando você tinha interesse em narrar partidas? Fez algum curso ou aula específica para isso?
Antes de mais nada, quero esclarecer: sou jornalista formada na Universidade Nacional de Asunción, com o título de licenciatura em jornalismo, e também sou advogada. Senti meu interesse pela narração de futebol desde menina, porque o futebol me apaixona. Cresci praticamente ao lado de meu pai, um destacado dirigente do futebol no interior do país, com quem aprendi a amar a este esporte. Quando vivia em minha cidade, Itacurubi del Rosário, e antes de terminar meus estudos secundários, já sabia que queria ser jornalista e locutora de futebol. Escutávamos as partidas pela rádio.
Quando terminei meus estudos secundários, vim a Asunción para prosseguir meus estudos universitários, e me pai me apresentou a Carlos A. Gomez (narrador paraguaio). Logo, ele veio e me levou junto ao professor Ovidio Javier Talavera, narrador de futebol e professor de Carlos A. Gómez. Ele me aceitou. Comecei na Radio Ñanduti com ele – primeiro com informações de basquete, porque ele achava que o futebol era muito masculino. Aos poucos, ele foi me dando a chance de falar informações de futebol, mas mais de basquete. Comecei assim com ele. Lembro-me de uma apresentação assim: “hoje, no Panorama Deportivo, temos uma mulher no jornalismo esportivo do Paraguai: a presença de Estela Mareco, a primeira jornalista esportiva, uma inovação dentro do jornalismo”.
Trabalhei com ele durante dez anos. Logo, passeis ao jornal La Tribuna, dali ao diário Ultima Hora, e logo sai do Panorama Deportivo porque comecei a estudar Direito. Lembro-me quando informei ao professor Ovidio Javier Talavera – ele não gostou. Quando saí da rádio, ainda não narrava.
Quando saí do jornal Ultima Hora, fiz minha própria revista esportiva, chamada Todo Basquet, a primeira revista especializada em basquete. Logo, fiz rádio com um programa especial de basquete, também chamado Todo Basquet. Depois, em 1989, aproximadamente, comecei com minha primeira narração, e fui do basquete durante cinco anos e mais. Por fim, em 1999, disse: se não começar a narrar jogos de futebol, vou morrer antes de realizar meu sonho, que era narrar futebol.
Vinha a Copa América, e comecei a pensar. Liguei a um colega para perguntar-lhe de uma rádio que não tinha programação esportiva. Ele me indicou a Radio Nanawa. Liguei para o diretor e lhe perguntei se podia trabalhar em sua rádio – ele disse que sim, mas me perguntou o que eu queria fazer. Eu disse que não podia dizer-lhe ainda, porque tinha medo de que não aceitasse. Ele me insistiu. Primeiramente, eu disse que ele teria que jurar por sua mãe que manteria segredo. Ele me jurou por sua filha que não revelaria meu segredo. Ali, disse a ele que queria narrar futebol. Ele aceitou, disse que me conhecia como narradora de basquete – por isso, não foi tão difícil começar no futebol. Comecei assim. Na mesma tarde, fui procurar Romerito para que fosse meu comentarista. Ele aceitou. Narrei a primeira partida da Copa América, Paraguai x Japão, pela Radio Nanawa, com Julio César Romero, o Romerito, nos comentários.
2. Quando exatamente você começou no jornalismo? Você sempre trabalhou com esportes?
Sempre trabalhei com esportes, porque sempre foi meu sonho desde menininha. Sou a primeira mulher jornalista esportiva do Paraguai, e a primeira narradora de basquete e futebol do Paraguai. Comecei em 1979, na Rádio Ñandutí, com o professor Ovidio Javier Talavera, no programa Panorama Deportivo. Primeiro, como te disse, fiz basquete, depois (virei) cronista de futebol, trabalhei em jornais diários, logo trabalhei como comentarista de basquete. Por fim, meu sonho se aproximava, mas só fazia relatos de basquete pela Radio Nacional del Paraguay. Fiz campeonatos oficiais de basquete paraguaio, Copa Libertadores de basquete, copa de seleções e viajei para relatar acompanhando equipes paraguaias em competições, como San José e Sol de America, por locais como Uruguai, Concepción (Chile), Barranquilla (Colômbia) e Bolívia, entre outros.
Depois, em 1999, comecei com o futebol, meu sonho desde sempre. Mas fiz muito bem o basquete, que me deu experiência sem problema pra narrar o futebol. Narrei toda a Copa América, depois as Eliminatórias de 2002, com partidas de ida e volta, até agora atualmente. Também estive na partida final entre Olímpia e São Caetano, do Brasil, em São Paulo, quando o Olímpia conquistou sua terceira Copa Libertadores da América. Narrei o gol de Mauro Caballero de pênalti na Rádio Antena 2, e meu comentarista foi Prisciliano Sandoval, um narrador dono da radio, com quem trabalhei. Alternávamos as partidas. E justamente o último jogo ficou para mim, o Olímpia e São Caetano.
3. Você estudou Direito também. Chegou a trabalhar como advogada ou chegou a seguir carreira?
Estudei direito, sou advogada até agora. Sou autônoma, não sou funcionária desde 1997. Desde que saí do diário Última Hora, sou uma profissional independente. Como advogada, tenho meu estudo jurídico. Como jornalista, tenho minha própria produtora, a EM Produciones, e dirijo meu programa Fútbol Estelar desde 1999.
4. Desde a Copa América de 99 com a Rádio Nanawa, você passou também por rádios como Génesis e Mil. O que você pode dizer de suas experiências depois da Copa América de 1999?
No futebol, narrei primeiro na Rádio Nanawa, depois passei para a Rádio Libre, então à Genesis até agora. Na Rádio Mil, tenho um programa, o Fútbol Estelar, mas nesta rádio não faço narrações, apenas programação esportiva. Minha experiência mais bonita foi, depois da Copa América, ver proliferarem aqui no Paraguai as cronistas esportivas no futebol. Os homens em meu país já não são tão machistas para aceitar uma mulher, mas apenas como cronistas, jamais como comentaristas.
Meu caso é muito particular e único em meu país, como em toda a América do Sul e no mundo. Sou a diretora geral de meu próprio programa, comprando espaço na rádio e pagando meus companheiros como comentarista, coordenador, voz comercial e cronistas que me façam a parte de campo do estádio. Nunca fui contratada por uma rádio, sempre me fiz independente e sempre produzi meu próprio programa. Esta experiência é única, como jornalista esportiva, já que sou chefe de meu próprio programa, Fútbol Estelar. No mundo todo, são repórteres ou lêem notícias pelos canais – exceto na Argentina, onde já se admite programas esportivos que tenham mulheres como companheira de trabalho. Mas apenas para programas esportivos, como na Fox. Você nunca vai ver uma mulher comentarista de um narrador masculino, ainda se mantém o machismo no esporte em todas as modalidades.
O mesmo aconteceu comigo em Todo Basquet: eu narrava e pago meu espaço de transmissão, o custo da transmissão, o hotel, as passagens e o custo da rádio. Por essa razão, à medida que passa o tempo, me emociono com meu trabalho e admiro minha força. Ainda há muito para Estela Mareco, a primeira relatora paraguaia. Não posso narrar a Copa do Mundo pelo alto custo, mas no Brasil, sei que irei narrar – mesmo que o Paraguai não se classifique.
Outro sonho que me falta é contar com minha própria emissora de rádio. Como mulher, sou a primeira jornalista esportiva do país, a pioneira. Sou como um espelho para as mulheres paraguaias. Elas me têm como um exemplo por ser uma pioneira neste ramo do jornalismo no Paraguai.
5. Quando você começou na televisão com o Fútbol Estelar? O que você pode dizer sobre o programa?
Comecei no Canal 2 no ano de 1999, sendo a diretora do programa com debatedores homens. Não é fácil dirigir um programa com homens, porque simplesmente as pessoas não aceitam. Mas fiz e voltarei a fazer a qualquer momento.
6. De acordo com pesquisas nossas, você também é diretora geral do Festival Internacional Ykua Salas, da cidade de Itacurubi del Rosário. É verdade? O que você pode contar do Festival?
Sim, é verdade. Sou a fundadora e a diretora do Festival Internacional Ykua Salas, que nasceu há 18 anos e acontece em janeiro de todo ano. É considerado um dos festivais mais importantes do país e conta com a presença dos principais artistas do Paraguai. Além disso, fundei o grupo de dança que se chama Ballet Internacional Ykua Salas, com o único propósito de formar crianças e jovens da minha cidade através da arte, da música, do esporte e da cultura. Este balé figura como um dos mais importantes no Departamento de San Pedro e no país, foi ganhador de dois festivais importantes como o Guarambare. Estivemos na Itália, na Espanha, no Brasil, na Argentina, na Colômbia. Em 2007, nos apresentamos como preliminar da partida Paraguai x Equador pelas Eliminatórias da Copa do Mundo. Este festival figura dentro do calendário turístico nacional de meu país, e é considerado de interesse cultural e artístico.
Minha paixão pela arte me levou a criar o conservatório de música que leva o nome de meu pai, Placido Mareco, que tem uma história muito singular. Meu pai foi um artista e um grande esportista. Foi violinista e, em sua homenagem, fundei este conservatório, que foi fundado em 13 de junho de 2009 – no dia seguinte de minha volta do Recife, onde fui transmitir a partida Brasil x Paraguai, quando Cabañas fez seu último gol antes de seu acidente.
Finalmente, para completar meu trabalho pela cultura, pela arte e pelo esporte, também tenho a escola de futebol em minha cidade, que se chama Escuela de Fútbol Itacurubi del Rosario, com 120 alunos, e que integra uma fundação pela arte, pela cultura e pelo esporte, chamada “Placido Mareco y Marciana Nuñez”, com o único objetivo de buscar a formação de crianças e jovens de minha cidade através da arte, da cultura e do esporte, que consegui através de um orçamento que consegui do Governo Paraguaio para cobrir os custos de professores de dança, do conservatório e da escola de futebol. Além disso, sou a presidente da fundação. Com isso, demonstro que sou uma profissional independente, apaixonada pelo esporte e pela arte, que busca a formação de crianças e jovens, e crio minha própria fonte de trabalho. Há momentos que não tenho rádio (para trabalhar), mas a luta continua.
7. Você conhece outras narradoras na América do Sul, na América Latina ou no mundo? Já enfrentou algum preconceito por ser mulher no jornalismo esportivo?
Te garanto que não há outra mulher narradora de futebol, até onde sei, na América Latina ou no mundo. É que ninguém dá espaço à mulher. Eu ganhei este espaço por minha paixão pela narração, porque nasci narradora e porque compro meu próprio espaço na rádio. Esperei 18 anos para narrar uma partida de futebol. Tive que fazer primeiro a prévia no basquete como cronista, comentarista, depois como narradora. Depois, ascendi ao futebol.
Em minhas apresentações, o locutor sempre diz antes de minha narração: “com vocês, Estela Mareco, a primeira narradora paraguaia e do mundo”. Estou buscando meu recorde no Guiness Book. Quando estive na Copa do Mundo da Coréia do Sul e do Japão, em 2002, fui depois à Inglaterra e levei meus dados. Ainda não há nada, mas vou insistir e conseguir.
Te convido a procurar, e estou quase segura de que, na América Latina não há (outra narradora). Nem na Europa, nem a Ásia, nem na Oceania. Há cronistas esportivas e mulheres que lêem notícias pelos canais de televisão. Outras que integram programações esportivas pelos canais, especialmente na Argentina e creio que também na Colômbia.
8. Qual foi seu principal momento como narradora?
Todos os momentos são muito especiais para mim, mas os mais emotivos são aqueles em que narro os gols da minha querida Albirroja pelas eliminatórias da Copa do Mundo. Mas falta a coroação dos meus sonhos, o mais, mais importante de tudo, que ainda não consegui: narrar uma Copa do Mundo. Estive em várias Copas do Mundo como jornalista, mas não como narradora.
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