Primeiro estádio em formato arena no Brasil, o Joaquim Américo, do Atlético Paranaense, terá sua história centenária contada em livro. O trabalho realizado por Heriberto Ivan Machado e Milene Szaikowski tem data prévia de lançamento para 16 de dezembro de 2014, em Curitiba. Sem prévia disponibilizada, entrelinhas deixam expectativas por pontos que expliquem controvérsia envolvendo a real inauguração do local entre 1913 e 14, aquisição do terreno, antigas reformas e a total modernização para realização de jogos da segunda Copa do Mundo no país.
Boa parte do conteúdo do livro vem do arquivo do professor Heriberto Ivan Machado, conhecido pela tradicional dupla composta com o jornalista Levi Mulford em assuntos sobre o futebol no Paraná. Entre as obras publicadas pelo pesquisador e historiador do Rubro-Negro estão “Futebol Paranaense – 100 anos de história”, “Rio Branco S.C. – 90 anos de história” e a recente “Clube Atlético Paranaense – Paixão Eterna”. O trabalho dessa vez, porém, ocorreu em conjunto com Milene Szaikowski, criadora do Circulo da História Atleticana, iniciativa com objetivo de entrevistar jogadores e demais personagens do Rubro-Negro ao longo dos tempos.
Figura conhecida em redutos atleticanos, Heriberto Ivan Machado é o principal historiador do clube e chegou a ser enviado por diretores do mesmo para pesquisar a estrutura dos museus de futebol no exterior, em 2005. O objetivo rubro-negro na ocasião foi a realização de estudo e pesquisa para implementação de memorial no local, que em 1999 foi transformado em Arena da Baixada por idealização do presidente da época, Mário Celso Petraglia. Até hoje se espera o centro histórico destinado ao público, um dos assuntos que norteiam o histórico do estádio que, pouco tempo antes de ser remodelado, ficou perto da demolição definitiva para dar espaço a construção de outra finalidade.
Confira abaixo entrevista com o autor da obra sobre o centenário palco de jogos do Rubro-Negro, Heriberto Ivan Machado:
Última Divisão: Como foi o projeto de criação do livro sobre o centenário da Baixada?
Heriberto Ivan Machado: Eu senti que não existia documentação esportiva (no esporte paranaense). Não tínhamos nada, era preciso fazer isso. E um detalhe: sempre escrevi e editei meus livros por conta própria, sem patrocínio dos clubes. Inclusive, do meu clube. Nunca tive esse patrocínio de ninguém.
UD: Quando começou a pesquisar sobre o estádio do Atlético?
HIM: Nos anos 80, falei com o Rui Carlos Ribeiro, que era o secretário do clube. Queria conhecer o museu do clube. Ele me mostrou uma sala que tinha alguns troféus e meia dúzia de fotografias na parede. Meia dúzia de seis, mesmo. O que tinha. Comecei então a perguntar: Escute, não tem nada sobre isso, jogos importantes, o Furacão de 49, pra gente ler, se inteirar? Falei que alguém tinha que fazer isso. O Rui olhou pra mim e falou: Por que você não faz? Perguntei se precisava da autorização da diretoria pra fazer e ele disse que não, que poderia fazer por conta. Se já tem material em casa, é só continuar. Foi aí que eu passei, com mais força, a procurar e pesquisar história, a partir desses anos. Com isso, em 83 e 84 eu já era o historiador oficial do Clube Atlético Paranaense.
UD: Sente falta de produção paranaense sobre futebol local nas livrarias de Curitiba?
HIM: Eles não têm nada. As livrarias de Curitiba nunca se preocuparam com isso. Nenhum livreiro de Curitiba, nenhuma livraria de Curitiba e nem de fora que venha para cá.
UD: Na condição de pesquisador, historiador e torcedor atleticano, qual a diferença da atual Arena da Baixada com o antigo Caldeirão da Baixada?
HIM: Evidentemente que a gente sente que nos bons tempos daquela velha Baixada, o potreirão com cinco degraus (sorri, em tom de brincadeira sobre o lamaçal em dias de chuva), a gente tinha o calor humano do lado. Tinha o companheiro do lado, que jogava laranja na testa do árbitro. Isso é um saudosismo que ficou para trás. A gente não tinha conforto nenhum. Cansei de tomar banho de chuva a três por dois no antigo Joaquim Américo. Com a Arena de 99, o conforto chegou.
UD: As mudanças na estrutura dos estádios são compensadas na Europa com a existência de competições entre a torcida que grita mais alto, além de grupos se mobilizando com mosaicos e tifos. Em Curitiba e no Brasil, como será?
HIM: Guardadas as proporções, os torcedores do Atlético já começaram a fazer isso. Os mosaicos já foram feitos, embelezaram a Arena. Você está em uma casa com mais conforto, com mais condições.
UD: Começou a existir depois da Copa do Mundo uma divisão explícita no futebol brasileiro, entre os clubes que possuem suas arenas e os que utilizam estádios no formato antigo?
HIM: Aqueles que possuem arenas estão um degrau acima dos outros. Esses que não tiveram essa capacidade vão ficando para trás. Ou eles vão modernizar seus estádios, construí-los como foi o caso do Palmeiras (em São Paulo), como foi o caso do Grêmio (em Porto Alegre), que correram atrás (mesmo sem ter seus campos de jogo inscritos para o Mundial), ou então gradativamente vão ficar para trás.
UD: Desde a chegada e evolução do futebol ao Paraná, Curitiba teve estádios importantes desativados. Os terrenos consequentemente foram vendidos, havendo construções para outras finalidades no lugar. Nos 100 anos de Baixada, existe algum momento em que o torcedor atleticano pudesse ter ficado com medo de o Joaquim Américo ter o mesmo rumo?
HIM: Sem sombra de dúvida. Em 86, nós fomos pro Pinheirão (estádio atualmente desativado que chegou a ter projeto megalomaníaco para cerca de 200 mil pessoas, por parte da proprietária Federação Paranaense de Futebol – FPF). Ficamos até 92, quando houve a volta para a Baixada (o reinício, com reforma posterior). Foi uma campanha do doutor (e ex-diretor do clube João Carlos) Farracha, com ajuda da torcida e do próprio presidente (José Carlos) Farinhaque. Entenderam que o torcedor atleticano não queria saber do Pinheirão. Tinham 600, 700 pessoas assistindo jogo do Atlético lá. Era uma barbaridade. Tinha que voltar para a Baixada. Era uma mística, era a nossa casa que estava abandonada. O torcedor então pensou (na volta). Havia um contrato de 100 anos feito na época. Primeiro, foi uma ilusão (jogar no estádio da FPF). Só que essa ilusão acabou sendo desfeita, quando notaram que aquela ilusão havia sido feita pela federação e que a mesma não estava cumprindo com as cláusulas do contrato. O Atlético estava sendo roubado, então o que fez a diretoria atleticana? Volta Baixada, já! Fizeram a campanha e processaram a federação. Tanto que o Atlético ganhou o processo, em 97. Estamos felizes da vida, por ter voltado para a nossa casa e não estar em um local que não é nosso.
UD: Foi a maior turbulência histórica passada pela Baixada?
HIM: Pelo estádio, sim. Sem sombra de dúvida. Foi nesse período que ele ficou abandonado e que evidentemente até pensaram em fazer shopping ali, outras coisas também. Felizmente nada disso se concretizou e nós voltamos para nossa Baixada.
UD: Existe possibilidade de prever o destino dos estádios do interior do Paraná? A maioria dos responsáveis não consegue liberação da Federação Paranaense de Futebol para jogos de torneios profissionais na segunda ou terceira divisão. Vai ser bingo, missa ou vão vender?
HIM: Vai acontecer a mesma coisa que aconteceu com os diversos campos que existiram em cada bairro de Curitiba. O boom imobiliário vai chegar, serão desativados esses clubes, irão desaparecer. Nesses lugares devem construir conjuntos residenciais, grandes condomínios. Assim aconteceu em Curitiba e fatalmente será em muitos lugares do interior.
UD: No inicio do Joaquim Américo, faziam reuniões entre famílias na parte do fundo do gol. Comente um pouco da evolução dessa sociabilidade até a construção da Arena.
HIM: Havia baile campestre, churrascada. Isso até os anos 40, 50. Depois, com a construção do ginásio, as grandes festas eram feitas dentro do ginásio. Tanto que com a volta à Baixada, em 92 (o reinício com reforma posteior), na campanha do doutor (e ex-diretor do clube João Carlos) Farracha com o (ex-presidente José Carlos) Farinhaque, fizemos excelentes churrascos na Baixada para arrecadar fundos para reconstrução. Tinha churrasco que você comprava e ajudava. Era assim, todo mundo irmanado, com o mesmo propósito. Sempre o de manter a nossa Baixada. Agora temos uma arena multiuso, com lanchonetes cinco estrelas, comida diferenciada. Você pode comer desde o seu cachorro quente, hambúrguer, ou mil coisinhas, até o prato mais sofisticado. A Arena da Baixada propiciará isso ao torcedor.
UD: O padrão de gestão com duas horas antes e depois dos jogos estabelecido para a Copa do Mundo, com tempo para o torcedor fazer refeição, passear e consumir, é o novo formato de sociabilizar pessoas no clube?
HIM: Está acontecendo. Você pode ir para o estádio, não vai ter problemas, não vai sofrer com frio, chuvisco tradicional de Curitiba, ou com a chuva forte. Você estará em local adequado e confortável. Chega com a família, pode fazer seu lanche, numa boa. Até já tinha dentro do projeto um restaurante vip com a pessoa fazendo refeição e vendo o jogo ao mesmo tempo. Assim acontece em estádios europeus também.
UD: O pão com bife, o espetinho e a pipoca colorida deixarão saudade?
HIM: O velho torcedor, o sessentão, setentão, vai sentar e dizer: Pois é, nos velhos tempos eu sentava no tijolinho, comendo amendoim, comendo pão com bife e tomando chuva no lombo. Agora eu estou em uma cadeira confortável, com iluminação de 3 mil lux, parece (em duelos noturnos) que estou em uma tarde de sol assistindo ao jogo. É a evolução dos tempos natural. Tudo evolui, o ser humano também.
UD: Comente grandes momentos do estádio Joaquim Américo
HIM: Tem que colocar quando foi construído. Curitiba não tinha um estádio de futebol. Foi aí que Joaquim Américo e seus companheiros construíram um estádio (em terreno) alugado do senhor Hauer. Só então que,em 1933, 20 anos depois da inauguração, é que o Atlético se tornou dono do local através da permuta com o Estado. Esse é o primeiro momento, a construção do estádio.
Segundo, o Furacão de 49. Eu não vivi isso, mas eu li, conversei com as pessoas, como o Jackson, que nos contam hoje as maravilhas a respeito do Furacão de 49. Era o delírio do torcedor dentro da sua casa.
Evidentemente, a volta para a Baixada em 94, com a consequente demolição. Recém construído, já foi demolido para construir a Arena.
Então, são esses três momentos. O inicio em 1913, o Furacão de 49 e a volta para o nosso terreno com a construção da Arena e a fabulosa Arena de 2014.
UD: O formato Arena pode auxiliar na criação de um museu ou espaço histórico?
HIM: Faz 30 anos que batalho por isso. Já conversei com muita gente. Em 2005, foi o Atlético que me mandou para a Europa. Para o nosso museu começar no mês seguinte (na época), mas dez anos se passaram e nada. Agora eu vi durante a apresentação do projeto da Baixada que haveria um espaço para o museu, mas até agora ninguém falou nada. Evidentemente, sou um historiador. Tenho o material documental do Atlético, pois eu fiz, está tudo encadernado, tem mais de 1100 fotografias. Na hora que resolverem fazer o museu, obrigatoriamente eles terão que vir conversar comigo.
UD: Quais foram os locais visitados na Europa e as relações com o que existe aqui?
HIM: Aqui não tem nada. Nunca teve, essa é a grande verdade. Eu estive no Manchester United (Inglaterra), Manchester City (Inglaterra), Museu Olímpico de Lausanne (Suíça), estive no Barcelona (Espanha), Real Madrid (Espanha), Ajax (Holanda). Mas esses museus foram todos refeitos. O que faltava de tecnologia na época, todos eles possuem hoje. Evidentemente, a gente aprendeu e viu como é que eles guardaram o seu material e comunicam sua história. É isso que interessava pra nós.
UD: Ter a primeira arena do Brasil traz um algo mais em experiência ao Atlético em relação aos outros clubes e municípios que passaram a gerir esse formato de estádio depois do Mundial 2014?
HIM: Total. Ele (Atlético Paranaense) está na vanguarda do futebol brasileiro.
UD: A modernização nos estádios pode mudar o frequentador?
HIM: O torcedor antigo continua indo. Mas vá para frente do estádio. Chegue cedo e fique até o último minuto antes do jogo começar e fique observando que tipo de torcedor está adentrando ao estádio. Você vai ver que (estimadamente) 90% são jovens, aquela juventude entre 15 e 30 anos. E você vai ver apenas 10% dos cinquentõesem diante. Essa é a diferença hoje. É assim que acontece. O velho vai dizer: Filho, vai lá e compre sua cadeira. Você tem hoje um lugar adequado para assistir um jogo de futebol.
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