Mais de 80 anos de história e nove conquistas estaduais transformaram o Ferroviário Atlético Clube, do Ceará, em uma das equipes mais briosas de todo o futebol nordestino. Nada mais justo do que o time ganhar uma obra literária que cataloga todos os jogos e atletas profissionais que passaram pela agremiação, não é?
O autor do livro é o economista e pesquisador Evandro Ferreira Gomes. Ele passou 23 anos investigando acervos e jornais antigos para concluir o Almanaque do Ferrão, artigo de desejo entre os fanáticos pelo esporte bretão. Ex-vice-presidente da equipe, Ferreira Gomes conversou com o Última Divisão sobre seu livro e contou algumas histórias sobre o Tubarão da Barra.
Última Divisão: Como surgiu a ideia de catalogar todos os jogos do Ferroviário?
Evandro Ferreira Gomes: Surgiu de uma curiosidade pelo passado do clube, dos jogadores que defenderam o Ferroviário, sobre os quais não havia registro, apenas a palavra dos torcedores mais antigos nas arquibancadas. Eu ficava curioso em saber mais detalhes, e por isso despertei para a pesquisa em jornais antigos, para entender melhor o passado do clube com o mero interesse de curiosidade. Somente depois eu percebi que aquela pesquisa poderia virar algo maior e com um nível de importância não apenas pessoal, mas acima de tudo institucional para o Ferroviário.
UD: Quais foram as principais dificuldades na elaboração do Almanaque?
EFG: Inicialmente foi o tempo. Foram vários anos de pesquisa e precisei ter muita paciência e conter a ansiedade em querer ter tudo do dia pra noite. Foram mais de duas décadas de pesquisa. Depois, fui buscar referencias sobre os jogadores, ler as notícias pra saber a origem dos atletas, etc. E também pegar fichas em jogos disputados em outros estados. Contei com a ajuda de outros pesquisadores, que enviaram as fichas técnicas com base nas publicações locais.
UD: Muita gente do Sul e Sudeste resume o futebol cearense aos tradicionais Ceará e Fortaleza. O que você pensa disso?
EFG: São os dois principais mesmo. Não há o que negar. Mesmo assim, a marca Ferroviário é ainda muito forte no Sul e Sudeste, principalmente entre aqueles que acompanharam bem o futebol nas décadas de 1980 e 1990. O futebol mudou muito na última década e a dupla Ceará/Fortaleza se consolidou nesse contexto. O Ferroviário não. Como muito clubes no Brasil, o Tubarão sofreu e sofre até hoje por dificuldades financeiras. Por isso, o Ferrão fica patinando no cenário futebolístico. Dessa maneira, o clube tem sido pouco lembrado na última década em termos nacionais. Mas no futebol nada é definitivo e tudo muda muito rápido.
UD: Descreva três momentos marcantes da história do Ferroviário que estão no livro.
EFG: O livro traz a ficha técnica de todos os jogos oficiais e amistosos a partir de 1913. Nele, todos os momentos de glória da história do clube estão catalogados. Poderia citar uma vitória histórica contra o Fluminense em 1949, outra contra o próprio Fluminense em 1981 por 4-1, como também vários outros grandes resultados no cenário estadual contra Ceará e Fortaleza.
UD: Na sua opinião, quais são os títulos estaduais mais marcantes do Ferrão?
EFG: Pessoalmente é o de 1988, embora o time de 1994 talvez fosse melhor. Mas o de 1988 foi a primeira vez que vi o Ferroviário campeão e era um time com várias estrelas, isso atrai o torcedor. Tinha o goleiro Robinson, ex-Ponte Preta, o zagueiro Juarez, ex-Inter de Limeira, o zagueiro Djalma, ex-Corinthians, os laterais Silmar, ex-Grêmio e Marcelo Veiga, ex-Santo André, e o atacante Guina, ex-Palmeiras…
UD: Muita gente lembra do Ferrão por ter revelado o atacante Jardel. Na sua opinião, quais são os três maiores ídolos da história do clube?
EFG: O Jardel não foi a única revelação do Ferroviário. A equipe também revelou Iarley, Jorge Veras, Mazinho Loyola, Mirandinha “Fominha”, entre outros. Eu diria que o maior ídolo da história é Pacoti, que brilhou depois no Vasco e no Sporting de Portugal entre as décadas de 1950 e 1960.
UD: Qual é a sua análise sobre o atual momento do clube?
EFG: O Ferroviário teve a chance de iniciar um processo de reestruturação em meados de 2012. Menos de dois anos depois, esse processo foi abruptamente encerrado. Tudo isso é fruto de questões políticas que vêm minando o clube desde a segunda metade da década de 1990. O momento hoje é complicado, mas não é desesperador. A dívida do clube não é alta para os padrões do futebol brasileiro e é um clube viável como tantos outros que figuram nas Séries B, C e D do Campeonato Brasileiro. Não era pra estar nessa situação. O problema todo é que a gestão de 1997 pra cá sofreu com a falta de planejamento, intrigas políticas e falta de continuidade. Não se poderia imaginar um futuro diferente do que está posto hoje em razão dessas fatos que teimam em se renovar há 20 anos. Lamentavelmente.
UD: A torcida do Ferroviário continua sendo grande?
EFG: A melhor média de público da historia do clube aconteceu em 1978. Já faz 37 anos. É lógico que nossa torcida ficou menor proporcionalmente falando ao crescimento da cidade, do número de habitantes e com relação a Ceará e Fortaleza, mesmo assim é uma torcida que pode colocar acima de 2.500 pessoas facilmente no estádio se houvesse continuidade de boas campanhas, o que parece pouco, mas é muito maior que a média de muitos clubes que figuram hoje em competições nacionais.
UD: Você possui mais projetos literários sobre futebol?
EFG: Sim. Atualmente trabalho em dois projetos literários, o principal deles foca mais na questão do marketing esportivo no futebol. É algo que será lançado quando eu achar que está pronto e tiver a devida qualidade para ingressar no mercado editorial brasileiro.
UD: Na sua opinião, quais ações poderiam ser feitas para que clubes como o Ferroviário voltem a ter presença nacional?
EFG: Essa é uma questão muito complexa. Não há calendário para mais de 300 equipes no Brasil, que só jogam dois ou três meses no ano. Em 2014, o Campeonato Cearense durou apenas 55 dias para o Ferroviário. Temos mais de 10 mil jogadores que ficam desempregados a maior parte do tempo. É uma questão social. Vejo isso com um processo de adaptação do futebol brasileiro a nova realidade mundial do futebol, e cabe as federações e a CBF servirem de agentes. As entidades devem atuar auxiliando na sobrevivência dessas equipes menores: elas devem ter competições estaduais mais duradouras, que sirvam como classificatórias para competições nacionais. Se pelo menos as despesas de traslado/hospedagem fossem custeadas pela CBF, já ajudaria muito. Isso acontece no Brasileiro. Dinheiro tem até de sobra na CBF. Há gasto com várias coisas, inclusive com polpudas mesadas às federações como apoio político. Menos com o apoio a competições que permitam que as equipes menores tenham pelo menos quatro meses de estaduais e mais quatro meses de competições nacionais de acesso.
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