A Série D do Campeonato Brasileiro, que parece estar sempre sujeita a intervenções judiciais na tabela, deve ter mais atividade extracampo nos próximos dias. O motivo da vez: o empate por 2 a 2 entre Tupi (MG) e Aparecidense (GO), na partida de volta entre os dois times pelas oitavas de final da competição. O jogo aconteceu no Estádio Mário Helênio, em Juiz de Fora (MG) e classificou os goianos – ao menos por enquanto.
Explica-se: depois do empate por 1 a 1 em Goiás, os times empatavam por 2 a 2 em Minas Gerais. O placar classificava a Aparecidense pelo critério de gols fora de casa. Porém, aos 44min do segundo tempo, o massagista Romildo Fonseca da Silva (do time goiano) apareceu em cima da linha para tirar um chute do atacante Ademílson, que colocaria o lado mineiro em vantagem (3 a 2) a poucos minutos do fim do jogo – em meio a muitas ameaças de agressão, o jogo foi paralisado e só voltou minutos depois com uma bola ao chão. Se a vitória se confirmasse, o Tupi se classificaria para as quartas de final.

Em seu site oficial, o Tupi manifestou toda sua indignação. “Os dirigentes do Alvinegro de Juiz de Fora afirmam que o clube tomará todas as providências, inclusive por meio da Federação Mineira de Futebol, para que a Aparecidense seja eliminada, com o Alvinegro avançando na competição. Afinal, ganhou na bola! A expectativa é por uma posição enérgica por parte da Confederação Brasileira de Futebol (CBF)”, anuncia.
No entanto, a diretoria da Aparecidense não teme a eliminação ou a remarcação da partida em Juiz de Fora. Em tese, o massagista era um “corpo neutro” em campo, e não influenciou a partida a favor de uma equipe ou outra. É nesta possibilidade que mostrou confiar João Cocá, diretor de futebol da equipe goiana, em contato por telefone.
“Isso na regra é bem claro. Isso é um corpo estranho, uma pessoa que não tem nada a ver com o jogo. Tanto que o juiz deu prosseguimento ao jogo. A gente jogou mais oito minutos, deu prosseguimento. A bola não entrou e o placar terminou 2 a 2”, disse Cocá, sem acreditar em vitória do Tupi no caso de apelo junto à CBF. “É um direito que eles têm. Mas já teve (incidente parecido) em outras ocasiões também”, completou.
O dirigente tem razão. Por exemplo: em 2006, durante jogo entre Santacruzense e Atlético Sorocaba pela Copa FPF (atual Copa Paulista), Sílvia Regina de Oliveira validou um gol constrangedor a favor do time da casa marcado pelo gandula – a bola foi para fora, mas o repositor a colocou para dentro do gol com o pé enquanto a arbitragem não via. O cotejo em Santa Cruz do Rio Pardo valeu pela décima rodada do Grupo 3 da competição e terminou 1 a 1. Os dois times se classificaram para a fase seguinte, mas Sílvia Regina encerrou ali sua carreira e foi trabalhar nos bastidores.
Mas a situação não deve ser tão simples assim. Afinal, não foi um corpo exatamente “neutro” que evitou o gol de Ademílson, como uma pedra ou um animal em campo – foi o funcionário de um time, diretamente interessado no desfecho do lance (assim como não era neutro o gandula da Santacruzense em 2006, por sinal). No livro de regras referente ao biênio 2012/2013 que a CBF distribuiu aos árbitros, a Regra 3 (Interpretação das Regras do Jogo e Diretrizes para Árbitros) é clara neste sentido.
Funcionários oficiais de uma equipe
O treinador e os demais oficiais incluídos na lista de jogadores (a exceção de jogadores e substitutos) são considerados funcionários oficiais. Se o funcionário oficial de uma equipe ingressa no campo de jogo, o árbitro deverá paralisar o jogo, mesmo que não imediatamente (…)
Não há dúvidas de que o massagista era um funcionário oficial, e não um corpo neutro. Diante de sua entrada em campo, a partida deveria ter sido paralisada até sua saída. É complicado fazer isso em um lance de ataque como o lance em questão – especialmente se a paralisação não deve ser imediata, como dá a entender o livro de regras.
Mas há outro ponto na Regra 3 que deve ser visto com ainda mais atenção.
Gol marcado com pessoa extra dentro do campo de jogo
Se, após ser marcado um gol, o árbitro perceber, antes de reiniciar o jogo, que havia uma pessoa extra no campo de jogo no momento em que o gol foi marcado o árbitro deverá Invalidar o gol se:
– a pessoa extra for um agente externo e interferir no jogo
– a pessoa extra for um jogador, substituto, jogador substituído ou funcionário oficial da equipe que marcou o gol
Não, não foi um gol, mas foi um lance igualmente decisivo – protagonizado por um agente externo e funcionário oficial da equipe que se beneficiou do mesmo. E é justamente essa brecha do “não foi gol, mas decidiu o jogo” que deverá decidir o futuro do jogo. E que, convenhamos, deveria ser melhor esclarecida por quem distribui as regras.
A novela deve ganhar novos capítulos nos próximos dias. O Tupi quer eliminar a Aparecidense da competição (e assumir a vaga), mas uma remarcação da partida não pode ser descartada. O time goiano, que não vê chances para reversão judicial, acredita que passou na bola e acredita que, se deve haver punição, será para o massagista Romildo, conhecido como Esquerdinha.
“Se alguém tivesse que ser punido, seria punido o funcionária”, afirmou João Cocá, que não gostou nem um pouco de saber que Esquerdinha declarou, em entrevista à Rádio 730, que “tiraria (a bola) de novo” se precisasse. “Isso é algo que ele jamais poderia falar. Ele não poderia fazer uma coisa dessas. Isso (o jogo) se decide entre os jogadores. Não vi essa entrevista, vou ver”, completou.
Fato é que Romildo Fonseca da Silva deverá ser punido internamente, até para que a Aparecidense dê uma satisfação pública diante do lance. O que não diminuiu o otimismo de João Cocá com a Série D. “Estou viajando para Goiás confiante que teremos um jogo contra o Mixto ou contra o Resende no sábado”, disse o dirigente, de olho no jogo deste domingo que decide seu adversário (ou não) nas quartas de final. No primeiro confronto, o time do Rio de Janeiro venceu por 2 a 1 e abriu vantagem.
(O blog tentou contato com Virgílio Elísio, diretor de competições da CBF, mas não conseguiu até a publicação deste texto.)
O lance em questão
A polêmica aconteceu aos 44min do segundo tempo, e tinha boas chances de ser o lance que decidiria o jogo – e a vaga – a favor do time mineiro. Após sobra na área da Aparecidense, a bola caiu nos pés de Ademílson, que chutou no canto esquerdo do goleiro. O massagista Romildo Fonseca da Silva, que estava ao lado da trave, entrou no campo e tirou a bola com os pés. O rebote foi para outro atacante do Tupi, mas Romildo tirou mais uma vez o chute a gol e correu para fora do gramado.
Mesmo perseguido, o massagista Esquerdinha conseguiu se refugiar no vestiário. Após 20 minutos de paralisação, o árbitro Arílson Bispo da Anunciação (BA) propôs bola ao chão e retomou o jogo, que terminou 2 a 2. Como empatou o primeiro jogo Goiás por 1 a 1, a Aparecidense avançou para as quartas de final pelo critério dos gols marcados fora de casa. A diretoria do Tupi procurou o advogado Lucas Ottoni para cuidar do caso.
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