Ele estava ali, um tanto quanto esquecido no Módulo II do Campeonato Mineiro, e enfrentando o Bangu na primeira fase da Copa do Brasil. Mas com o início da Série C do Campeonato Brasileiro, não adianta a gente querer esconder: o Betim está ali, no lugar que era do Ipatinga.
É uma presença estranha, como se fosse um time pouco conhecido que subiu recentemente de divisões inferiores. Não é o caso: queira ou não, é o Ipatinga Futebol Clube, campeão mineiro de 2005. É o time quadricolor, é o representante do Vale do Aço.
Ou era. Era exatamente tudo isso. Agora é o Betim.
Agora é como uma espinha de peixe que já está na garganta, que você tenta engolir torcendo para que não faça mal. Está ali, tentando conquistar seu espaço. Um estranho na festa. Um convidado em uma festa de família.
As cores permanecem as mesmas. A bonita camisa também. O distintivo, quase o mesmo. E para quem recebe, é motivo de festa. Alguém que chegou para preencher um coração que talvez estivesse vazio, à espera de um amor.
Mas para quem ficou, resta a dor e o vazio. Restou apenas o fim para uma torcida que apoio, cantou, empurrou, incentivou… E amou. Sim, pois não precisa ser o Flamengo, o Corinthians, o Santa Cruz ou a dupla Re-Pa para atrair pais e filhos ao estádio. Existe amor no Vale do Aço.
Para quem está de fora, é mais difícil explicar. Por isso, o Última Divisão convidou Marcelo Morato, torcedor do Ipatinga, para contar os 14 anos do sentimento que o levou ao Ipatingão. Afinal, ninguém melhor que um torcedor que amou para contar o que é ver o Betim – que estréia na Série C do Campeonato Brasileiro neste dia 2 de junho, contra o Crac, em Catalão (GO).
Com a palavra, Marcelo Morato:
“Durante minha infância, costumava dizer que torcia para o São Paulo. ‘Culpa’ do time bicampeão mundial do Telê. Era difícil um menino de nove anos não se encantar com as jogadas de Raí e sua turma.
Alguns anos depois, porém, decidi que não era certo um mineiro torcer por um time de outro estado. E me forcei a escolher um dos três times de Belo Horizonte. Colocando prós e contras na balança, sempre tive mais simpatia pelo lado alvinegro. Mas uma simpatia platônica, sempre mediada pela TV e até certo ponto racional demais. Era difícil que fosse sustentada.
Por isso, quando foi anunciado, no início de 1998, que seria fundado um time em minha cidade, não houve hesitação: um time que carregava o nome de Ipatinga e que jogava a poucos quilômetros da minha casa era mais do que digno da minha torcida. Única e exclusiva. A causa era nobre e meu grito de torcedor não faria falta aos grandes, até porque não era apaixonado e vinha do sofá.
Da minha casa até o campo em que treinavam, era possível ir a pé. E era o que eu fazia com bastante frequência nos primeiros meses. Naquela época, não tínhamos ideia de como o Ipatinga cresceria. Para os poucos torcedores, nosso time seria apenas mais um dentre os milhares de times do interior. E estávamos bastante satisfeitos com isso.
O tempo livre e a disposição, típicos dos adolescentes, não resistiram ao tempo. Era natural. Em 2001, ironia do destino, me mudei justamente para BH. Mas eu já estava irremediavelmente apaixonado e foi de lá, com inúmeras idas e vindas pela perigosa BR-381, que acompanhei os melhores anos do meu time. Três finais estaduais, um título mineiro, a semi da Copa do Brasil, o acesso à Série A do Brasileirão, os inúmeros jogadores revelados. Definitivamente havíamos deixado de ser mais um na multidão.
Coincidência ou não, nossa melhor época foi quando Atlético e América enfrentavam tempos difíceis. Por isso, não foi exagero quando foi dito que estávamos nos tornado uma potência estadual. Certamente éramos dignos de nos colocar lado a lado com os times da capital. O conto de fadas tinha ganhado vida.
Mesmo nesses anos, porém, os rumores de que o time mudaria de cidade ainda corriam. Eles, que começaram quase que juntamente com o próprio time, eram inicialmente um blefe para conseguir maior apoio financeiro do empresariado local. Apareciam, invariavelmente, ao início de qualquer competição que disputávamos.
Sabem a história do menino que sempre fingia estar afogando e que, quando realmente estava, não foi socorrido? Foi mais ou menos assim que aconteceu no ano passado. Com o início da Série B, os costumeiros rumores voltaram a ecoar. Custamos a dar atenção a eles, mas desta vez eles persistiam, incomodando um pouco mais. Mas a certeza só veio no fim do ano, com o anúncio oficial: o Ipatinga se mudaria para Betim.
No último jogo, contra o América em BH, cerca de cem torcedores vieram de Ipatinga se despedir. Eu fui a pé, como costumava fazer em 1998. O curioso foi que, mesmo com todos esses anos sendo frequentador assíduo do concreto frio das arquibancadas do Ipatingão, havia muitas pessoas que não conhecia dividindo comigo os últimos momentos do Ipatinga Futebol Clube. Eram torcedores como eu, estavam uniformizados como eu e, como eu, choraram ao apito final. Nossa torcida não era tão pequena nem tão fria, como costumavam dizer. Só fui ter a absoluta certeza disso nos momentos finais.
O Betim levou nossos jogadores, nossas cores (que são as cores da cidade de Ipatinga, é sempre bom lembrar), nosso distintivo. Não é o mesmo clube, apesar de ter herdado coisas que eram nossas, como a vaga na Série C e o registro na CBF. Mas, como disse um dos amigos que fiz na arquibancada do Independência no dia derradeiro, não se torce por CNPJ. Nossa história fica conosco. Os gols que balançaram as redes do Ipatingão não se mudarão para Betim ou para qualquer cidade que seja. Morarão eternamente dentro do Parque Ipanema.
Em dezembro, um novo time profissional foi fundado em Ipatinga. A história está recomeçando, do zero. O time ainda não entrou em campo. É difícil dizer no que vai dar, e vai ser complicado me considerar torcedor, embora a expectativa e a vontade de apoiar sejam imensas. O Novo Esporte, time de nome esquisito, tem tudo para ser o herdeiro do Ipatinga em tudo aquilo que não pode ser mudado por uma assinatura. As torcidas organizadas do Ipatinga, órfãs, já se mostraram dispostas a adotar o novo clube. Existem casos de organizadas mais antigas que o próprio time? Não sei responder, mas aprecio muito a ideia. Elas são formadas, em grande parte, por adolescentes que só querem um time para amar e chamar de seu. Eu já fui um deles, e sei exatamente o que é isso.”
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