Apenas 23 dias impedem a Ponte Preta de ser proclamada o clube de futebol mais antigo do Brasil (entre aqueles ainda em atividade, é bom frisar). Os rivais brincarão que nem mesmo esse título a “macaca” possui, em outra daquelas piadas sobre uma equipe de 1900 cuja sina até aqui foi alcançar no máximo a segunda colocação de tudo que disputa. É possível contabilizar ao menos nove “batidas na trave” dolorosas ao longo de uma história de muita tradição: seis vices no Paulista, dois na Série B do Brasileiro e até mesmo uma Copa Sul-Americana.
Mas engana-se quem pensa que a torcida alvinegra de Campinas jamais viu seu time levantar uma taça. Entre conquistas simbólicas (como o Troféu do Interior entregue pela Federação Paulista), vitórias na Liga Campineira dos anos 50 e importantes triunfos nas categorias de base – incluindo o bicampeonato da Copa São Paulo de Futebol Júnior -, a Ponte tem sim um título oficial em seu currículo. O feito, hoje esquecido, foi alcançado há 46 anos.
Em 1969, quando a elite do Campeonato Paulista era chamada de “Divisão de Honra” e o torneio de acesso tinha o nome de “Primeira Divisão”, a Ponte Preta se sagrou campeã de sua única competição profissional, hoje equivalente à Série A-2 do Estadual. Mais do que gritar “é campeão”, os pontepretanos lavaram a alma naquela temporada, encerrando intermináveis nove anos tentando subir, o maior período atravessado pelo clube nessa situação.
Depois da espera, uma campanha impressionante
Desde o rebaixamento, em 1960, a promoção escapou por pouco em duas oportunidades: em 1961, com derrota na prorrogação contra a Prudentina, e em 1964, após revés diante da Portuguesa Santista em pleno Moisés Lucarelli. Os dois vice-campeonatos não valeram muita coisa, pois apenas a melhor equipe de cada ano ascendia.
Pior: no período em que esteve longe da elite, a Ponte viu o rival Guarani fazer campanhas dignas entre os grandes, chegando a vencer o Santos de Pelé justamente em 1969. Se o sucesso do adversário serviu de motivação não se sabe, mas o fato é que o acesso finalmente veio após uma campanha quase perfeita. Foram quinze jogos, com treze vitórias, um empate e apenas uma derrota – ironicamente no último jogo, quando a faixa já estava garantida.
A base do time, comandada inicialmente por Cilinho e depois José Duarte, era formada por Wilson, Nelson, Samuel, Araujo e Luisinho; Teodoro e Roberto Pinto; Alã, Dicá, Djair e Adilson. O habilidoso meia Dicá, então com 22 anos, é até hoje considerado o maior ídolo da história alvinegra, além de ser o maior artilheiro dos 115 anos pontepretanos, graças a 154 gols assinalados vestindo a icônica camisa de faixa transversal (embora dois uniformes alternativos tenham sido utilizados em 1969: um todo branco, com duas finas linhas pretas nos cantos do escudo e outro listrado com faixas brancas e pretas).
Um time de “bebês”
Aquele elenco ficou conhecido como “Expresso da Vitória” e era basicamente formado por atletas das categorias de base. Dos 25 jogadores, 22 se formaram no clube, com exceção de Roberto Pinto, Teodoro e Djair. A maioria era bastante jovem e por isso eram chamados de “bebês” pela torcedora-símbolo Conceição, já fiel naquela época.
A fórmula deu tão certo que outros frutos foram colhidos nos anos seguintes. Sempre repetindo a receita de investir prioritariamente na “prata da casa”, a Ponte foi vice-campeã na elite em 1970 e fez campanhas memoráveis ao longo de toda a década seguinte, repetindo a segunda colocação no Paulista em 77, 79 e 81.
O que era alegria, porém, quase se tornou outra frustração por conta de um recurso na Justiça que apontou irregularidade na escalação de Adilson em uma partida contra o Linense. Caso perdesse os pontos, a Ponte veria a Francana subir em seu lugar e herdar a taça. Para alívio campineiro, a batalha nos tribunais também foi vencida.
A narração de todos os gols daquela campanha, acompanhados pela Rádio Educadora de Campinas, podem ser ouvidos aqui. Um trecho no início do áudio resume bem a perseverança da alma pontepretana:
Depois de nove anos de muita luta e muito sacrifício, durante os quais a sua fiel torcida viveu as mais fortes emoções – mescladas de alegrias e tristezas, mas nunca se deixando levar pelo desânimo -, a Veterana finalmente consegue concretizar um velho sonho. A grande guerra pela sua volta ao futebol maior de São Paulo iniciou-se em 1961 e, desde então, o clube mais popular do interior enfrentou com altivez, de cabeça erguida, todos os percalços – os mais diversos possíveis – que lhe foram impostos por esse esporte tão caprichoso, que se chama futebol. Muitas batalhas foram ganhas e outras tantas perdidas. Em inúmeras oportunidades a derrota surgiu no momento decisivo, mas o ânimo do pontepretano é e sempre foi inquebrantável. A cada insucesso mais se robustecia a vontade de sua gente, que, abrigada sob a gloriosa bandeira alvinegra, prosseguia mais forte do que nunca em busca do seu grande objetivo
Sim, esse objetivo já foi conquistado uma vez! A Ponte Preta foi campeã em 1969. Confira abaixo os 15 jogos da incrível campanha, um raro aproveitamento de 89% dos pontos disputados:
Primeira fase
Ponte Preta 1-0 Saad (São Caetano do Sul)
Nacional (São Paulo) 0-1 Ponte Preta
Ponte Preta 3-1 Vasco da Gama (Americana)
São Carlos (São Carlos) 0-1 Ponte Preta
Ponte Preta 2-0 Noroeste (Bauru)
União Barbarense (Sta. Bárbara d’Oeste) 0-2 Ponte Preta
Ponte Preta 1-1 União Barbarense (Sta. Bárbara d’Oeste)
Saad (São Caetano do Sul) 1-4 Ponte Preta
Ponte Preta 2-0 São Carlos (São Carlos)
Vasco da Gama (Americana) 1-3 Ponte Preta
Ponte Preta 2-1 Nacional (São Paulo)
Noroeste (Bauru) 0-2 Ponte Preta
Segunda fase – toda disputada no estádio Parque Antárctica, em São Paulo
17/10/1969 – Ponte Preta 3-1 Linense (Lins)
Juiz: José Favile Neto
Renda: NCr$ 59.650,00
Público: 11.028
Gols: Alã 15, Djair 22, Alã 33 e Bó 45 do 2º
Ponte Preta: Wilson, Nelson, Samuel, Araujo e Luisinho; Teodoro (Sérgio Morais aos 35 do 2º) e Roberto Pinto; Alã, Dicá (Manfrini aos 29 do 2º), Djair e Adilson. Técnico: José Duarte
Linense: Mão de Onça, Paulinho, Tota, Marco Antonio e Binha; Bó e Helinho; Moacir (Pereirinha aos 26 do 2º) Célio (Cipola aos 19 do 2º), Giba e Sousa. Técnico: Muca
24/10/1969 – Ponte Preta 3-0 Noroeste (Bauru)
Juiz: José Favile Neto
Renda: NCr$ 43.990,00
Público: 7.907 pagantes e 1.825 menores
Gols: Dicá 5 e Alã 31 do 1º; Dicá 20 do 2º
Ponte Preta: Wilson, Nelson, Samuel, Araujo e Luisinho; Teodoro e Roberto Pinto; Alã, Dicá (Manfrini aos 37 do 2º), Djair e Zezinho (Joãozinho aos 39 do 2º). Técnico: José Duarte
Noroeste: Chiquinho, Romualdo, Virgilio, Brito e Carlucci; Odair e Foguinho (Ramos aos 25 do 2º); Márcio, Mazzola, Zé Luis e Escurinho (Cardoso no intervalo). Técnico: Leal
31/10/1969 – Ponte Preta 1-3 Francana (Franca)
Juiz: José Favile Neto
Renda: NCr$ 57.680,00
Público: 10.614
Gols: Elias, Carlos, Paulo Leão; Djair
Ponte Preta: Wilson, Nelson, Samuel, Araujo e Luisinho (Santos); Teodoro e Roberto Pinto; Alã, Dicá, Djair e Adilson. Técnico: José Duarte
Francana: Manzato, Valdomiro, Duda, Alemão e Jorge (Clóvis); Elias e Emilio (Geraldo); Gibi, Zé Augusto, Paulo Leão e Carlos César. Técnico: José Chagas
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