Os últimos meses foram dolorosos para os seguidores da Portuguesa Santista: a Briosa fez a pior campanha entre 22 equipes da Copa Paulista, incapaz de vencer uma partida em 14 disputadas. A péssima participação e a crise institucional como um todo podem ser simbolizadas pela briga entre o presidente do clube e torcedores na arquibancada do tradicional estádio Ulrico Mursa.
O presente não inspira ânimo, mas o passado deve ser muito festejado. No próximo dia 20 de novembro, com show de Roberto Leal e lançamento de um livro comemorativo, a Rubro-Verde celebra 100 anos de existência. Oportunidade perfeita para relembrarmos a história de um dos times mais queridos do Estado de São Paulo.
A Península Ibérica na Baixada Santista
Segundo a história oficial, a ideia de se fundar o clube surgiu em novembro de 1914, quando portugueses que trabalhavam em uma pedreira no bairro santista do Jabaquara assistiram a uma partida do Hespanha F. C. (time da colônia espanhola, atual Jabaquara Atlético Clube). Porém, foram necessários três anos até que os lusos concretizassem o sonho, em reunião dentro de um salão de barbeiro na Rua Joaquim Távora. No dia 20 de novembro de 2017, finalmente foi fundada a Associação Atlética Portuguesa – nome que concorreu com outros como Lusitano e F. C. Portugal.
Fundadora da Federação Paulista
Em seus primeiros anos, a Briosa disputou o Campeonato Santista de Futebol. Além dos rivais locais que enfrenta até hoje (o Santos F. C. e o Hespanha F. C. – rebatizado como Jabaquara), o clube tinha oponentes como o Atlético Santista, a A. A. Docas, o E. C. Glorioso, o Syrio A. C., o C. A. Brahma e a Sociedade Tiro Naval, entre outros.
No Campeonato Paulista, a primeira participação foi em 1929. No ano de 1941, a equipe foi uma das fundadoras da Federação Paulista de Futebol, ao lado de Palestra Itália (Palmeiras), Corinthians, São Paulo F.C., Santos F.C., Portuguesa de Desportos, Espanha (Jabaquara A.C.), Comercial de São Paulo, Juventus, Ypiranga e SPR (Nacional A.C.).
Todos permanecem ativos até hoje, com exceção do Comercial (extinto) e Ypiranga (atualmente amador).
O Ulrico Mursa
O estádio da Briosa, localizado muito próximo da Vila Belmiro e hoje com capacidade para 7 mil torcedores, foi o primeiro da América Latina a ter cobertura de concreto. Fundado em 5 de dezembro de 1920, o campo homenageia em seu nome o engenheiro Ulrico Mursa, que doou a área onde foi construído. Em 2016, foi aprovado por unanimidade o projeto da Arena Ulrico Mursa.
Tim e o pioneirismo na Seleção
O Santos F. C. pode ter formado a base da Seleção Brasileira na conquista das primeiras Copas do Mundo, mas a Portuguesa se vangloria por ser a primeira equipe da cidade a contar com um jogador que depois serviu ao escrete nacional.
Elba da Pádua Lima, o Tim, foi revelado pelo Botafogo de Ribeirão Preto, porém atuou Briosa, em 1936. A partir das boas atuações no time litorâneo, chegou à Seleção Paulista. Anos depois, quando já atuava no Fluminense, disputou a Copa do Mundo de 1938 pelo Brasil.
A Fita Azul e o enfrentamento ao Apartheid
No ano de 1959, em reconhecimento a uma excursão na África que terminou com o saldo de 15 vitórias em 15 jogos, a Portuguesa Santista recebeu a “fita azul”, título de honra concedido pelo jornal Gazeta Esportiva a times brasileiros que retornavam invictos de séries de amistosos no exterior. O feito está até no hino rubro-verde.
Durante a campanha no continente africano, ficou registrado um dos episódios mais marcantes na história da Briosa: quando o clube se recusou a disputar uma partida na Cidade de Cabo, na África do Sul, após o regime do Apartheid determinar que três atletas negros da equipe (Nenê, Bota e Guilherme) não poderiam atuar ao lado dos jogadores brancos.
A resistência foi muito além do futebol. O presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek, ao tomar conhecimento do episódio, também proibiu que a Portuguesa entrasse em campo e se posicionou publicamente contra a política de segregação racial – naquela época, poucos países haviam condenado de maneira veemente o governo sul-africano.
Quando voltaram para Santos, os atletas desfilaram em um caminhão do Corpo de Bombeiros, com uma efusiva recepção. Vale lembrar que a cidade já conhecia Pelé, campeão do mundo em 1958, mas se rendeu ao feito da outra força local.
O título de 1964
O primeiro título oficial do clube veio em 1964: a Divisão Intermediária do Campeonato Paulista (atual Série A2), conquistada em 1964, com uma vitória por 1 a 0 diante da Ponte Preta, em pleno estádio Moisés Lucarelli. Apenas o campeão garantia o acesso à elite e a Briosa conseguiu o feito com gol de Samarone, jogador que ficou marcado por sua passagem no Fluminense.
A equipe foi campeã com 18 vitórias, seis empates e quatro derrotas. O time titular era formado por Cláudio; Alberto; Adelson e Zé Carlos; Norberto e Osmar; Lio; Samarone; Valdir Teixeira; Pereirinha e Bába.
Era o início da carreira de Agenor Gomes, o clássico goleiro Manga, como treinador.
O Paulistão 2003
Terceira colocada nas edições de 36, 37 e 38 do Campeonato Paulista, a Briosa voltou a repetir sua melhor campanha na competição em 2003, com um time inesquecível, cuja base era Maurício (goleiro do Corinthians de 1996 a 2001); Nelsinho, Zambiasi, Nenê e Adavilson; Vandir, Adriano, Fabrício e Souza; Rico e Elizeu – além dos reservas de luxo, os ídolos corintianos Ronaldo Giovanelli e Dinei, pouco utilizados pela má forma física.
A montagem do elenco ficou a cargo do empresário Luiz Taveira, responsável por verdadeiros achados (como encontrar Rico encostado no São Paulo – depois o atacante voltaria ao Morumbi muito valorizado, ao lado do volante Adriano e do meia Souza). O treinador era Pepe (ele mesmo, o maior artilheiro do Santos depois de Pelé), que assumiu um ano antes, salvando o time do rebaixamento no Paulista de 2002.
O trabalho deu frutos desde a primeira fase do Paulistão 2003, com a Portuguesa invicta e líder do seu grupo – à frente de São Paulo e do próprio Peixe. Atuações incríveis, como a goleada por 6 a 0 diante da Internacional de Limeira, encantaram a torcida, mas o clássico da cidade foi, sem dúvida, o grande momento da campanha.
O Santos vinha embalado pelo título Brasileiro de 2002 e não perdia há 33 anos para a Portuguesa Santista. Comandada por Leão, a equipe alvinegra foi para o jogo, no Ulrico Mursa, com Fábio Costa; Reginaldo Araújo (Nenê), Preto (Pereira), Alex e Léo; Paulo Almeida, Renato, Elano e Diego (Júlio Sérgio); Robinho e Ricardo Oliveira.
Em noite de forte temporal, a Rubro-Verde quebrou o tabu e venceu por 2 a 0, dois gols de Rico no primeiro tempo. Totalmente descontrolado emocionalmente, o rival teve um expulso – o goleiro Fábio Costa, por um carrinho assassino.
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Nas quartas de final, disputadas em jogo único, a Briosa avançou segurando um empate sem gols com o Guarani, no Ulrico Mursa. As semifinais não foram tão felizes, com as duas únicas derrotas do time no campeonato: derrotas por 5 a 0 (no Morumbi) e 1 a 0 (na Vila Belmiro) para o São Paulo.
A eliminação não tirou o brilho do elenco inesquecível, também marcado pelos vários atletas com cabelos pintados de amarelo. Em 2004, já com Márcio Santos (zagueiro campeão da Copa do Mundo de 1994) e Gilmar Fubá no elenco, o clube novamente fez boa campanha. Foi eliminado apenas nas quartas de final para o Palmeiras e quase rebaixou o Corinthians.
A “roleta russa gigante” de Israel de Jesus
A campanha fantástica no Campeonato Paulista de 2003 credenciou a Portuguesa Santista para a disputa da Série C do Brasileiro no mesmo ano. Mas que diferença de um semestre para o outro! Sem Pepe, quem assumiu o comando da equipe no torneio nacional foi o folclórico Israel de Jesus, ex-cantor de pagode (com o nome artístico Israel do Carmo) que liderou o projeto da Futura Esportes.
A empresa, que anos depois também teve uma conturbada parceria com a Matonense, pagou as dívidas de Briosa (algo em torno de R$ 80 mil) e fechou um compromisso com previsão de durar até 2005. Ao assumir o futebol, Israel reformulou o elenco e tentou implementar o esquema tático “roleta russa gigante”, no qual jogadores não tinham posições fixas – todos atacavam e defendiam. A aventura durou 4 jogos, com apenas 1 vitória, 2 derrotas, 1 gol feito e 7 sofridos.
Ao fim da Série C, os dirigentes da Portuguesa Santista tentaram romper com a Futura, mas foram impedidos na Justiça. Em meio a esse imbróglio, o clube chegou a ter dois times diferentes treinando ao mesmo tempo: um da diretoria e outro de Israel de Jesus (história que se repetiu com a equipe de Matão, no ano seguinte).
Por fim, foi possível uma rescisão antes do Campeonato Paulista e da Copa do Brasil de 2004. No torneio nacional, a Rubro-Verde foi eliminada (pelo critério de gols fora) ainda na primeira fase, diante do XV de Campo Bom, do então novato técnico Mano Menezes. Os gaúchos chegariam às semifinais do torneio, eliminados pela outra zebra Santo André.
Neymar e Jean Chera
Duas das maiores promessas do Santos na década jogaram pela Briosa, em momentos distintos. O primeiro foi Neymar, que atuou cinco anos com a camisa rubro-verde, entre 1998 e 2003, e se transferiu ao Peixe apenas com 12 anos.
O segundo defendeu a Rubro-Verde em um momento muito diferente: trata-se de Jean Chera. Com apenas 21 anos de idade, mas muitos altos e baixos na carreira, o garoto atuou na campanha da Série B do Paulista (equivalente à quarta divisão estadual) em 2016. Estreou marcando gol, mas foi dispensado dois meses depois, lesionado.
O fundo do poço e o título de 2016
A última participação da Portuguesa Santista na elite estadual foi em 2006, quando até venceu o clássico contra o Santos, mas terminou rebaixada. Entre 2009 e 2010, duas quedas: da A-2 para A-3; e depois para a Série B . Foram seis sofridas temporadas na divisão mais baixa de São Paulo, com o trauma de duas oportunidades em que o acesso escapou por pouco (faltaram dois pontos em 2011 e três em 2014).
Até que, em 2016, a Briosa subiu com o título de campeã da Série B, graças a uma vitória por 3 a 0 diante do Desportivo Brasil, no Ulrico Mursa. Em 2017, na última campanha na Série A-3, o clube terminou na 8ª colocação.
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