Já fazia dois anos. Tinha sido forçado a esquecer. As coisas não estavam legais, muito problema aqui e acolá, e houve a ruptura. Mas não deixei a peteca cair. Quando podia, dava uma espiada. De longe, claro, diferente dos bons tempos. Sabia das últimas, como estava, o que acontecia, o básico. A distância persistia. A saudade, idem.
Estou falando do Clube Atlético Pirassununguense, o popular CAP. Ele deixou uma cidade órfão quando fechou as portas, mais uma vez. Desde então, passa por uma reestruturação no estádio, e inaugurou no ano passado o museu, a loja oficial, e reabriu a escolinha de futebol. E, principalmente: começou a pagar o montante de dívidas.
Com a pauta deste texto, resolvi quebrar o gelo e dar às caras no clube. Não o conhecia depois das novas instalações. E sai com os olhos marejados. Não foi pelo gramado e arquibancadas novas. Nem pelos quadros, pôsteres, cartazes, fotos e recortes de jornal antigos. Muito menos com os troféus cheios de poeira.
Também não era Zé Del Nero, personagem principal da prosa que se ocorre. Era um senhor. Que, sem camisa, ostentava uma generosa barriga de chopp com sua barba branca que Papai Noel nenhum reclamaria. Ao lado dele, havia um pequenino menino com uma camisa pirata de seu time do coração. Era o Mané, e eu. Dentro de um quadro na parede, de 2003.
Mané era um vizinho, amigo de família, conselheiro do CAP, e minha carona para os jogos, na infância. Ele se foi, mas nunca sairá da memória por ter apresentado aquela arquibancada verde da Avenida Newton Prado.
Vamos ao que interessa: José Del Nero.
O sobrenome, na cidade, é forte, conhecido, tradicionalíssimo. O Zé, como era chamado, não. Conhecido, para poucos. Pouquíssimos. Dona Vera, a secretária do clube, o conhecia, mas não sabia muito, sequer o parentesco com Bellarmino Del Nero, nome do estádio. Arriscou, dizendo que Zé era sobrinho de Bellarmino. No museu, há dois pôsteres que Zé está presente, nos anos de 1929 e 1933, fora uma foto de perfil e mais nada.
Fui procurar uma segunda opinião: seu Roque Machado, presidente do CAP entre 1984-2004. “Certeza que vai saber bem”, pensei. Sabia. Afirmou, com precisão: “Tio. Ou primo de Bellarmino”. Ao menos, contou do filho, com quem trabalhou um bocado. Falamos de política, calendário, Farah, Globo, Lei Pelé e, para fechar, falcatruas. De leve. Um juiz comprado. Uns pênaltis voltados. Umas vitórias garantidas. Lembrou de Alex, que na gestão dele veio do Guarani, e peregrina atualmente no Inter.
Contou de Maicon, um goleiro que saiu de Pirassununga direto para o Corinthians, que encantou Dualib, mas não mantinha o peso pelas comilanças e bebedeiras e sumiu. Disse, também, do emprego de diretor na Federação Paulista, de meros 30 anos. De Zé Del Nero, sabia, mesmo, que ele ia na casa de um conhecido e passava em frente a sua casa, além de ter organizado o velório do próprio. E mostrou dois livros raros do CAP. O que valeu para não desistir da pauta. Mesmo que os cupins não tenham ajudado.
Não me dei por satisfeito.
Como o (b)ônus da cidade pequena é encontrar conhecidos frequentemente, contatei uma antiga vizinha. De sobrenome Del Nero. Bingo. O pai dela, quem diria, é filho de Bellarmino. E muito bacana, vale dizer. Desvendou que Zé era somente um primo de segundo grau de Bellarmino. E contou, da maneira mais cirúrgica possível, o que Zé fazia dentro das quatro linhas: “Chutava canela”.
Explicou que ele era um meia veloz e de bom porte físico que jogava pelo lado esquerdo do campo, o que hoje poderia ser chamado de lateral, visto que na década de 1930 e 1940 a primeira linha de defesa continha dois ou três jogadores.
Falou que ele começou no CAP, marcou época no Palestra Itália, passou rapidamente pelo Ypiranga, e encerrou a carreira no mesmo clube da Turiassu. Não deixou de lembrar da passagem dele pela seleção paulista, e dos dois jogos que ele fez pela seleção brasileira na Copa Roca, em 1940, contra a Argentina. E revelou que ele terminou a vida cuidando de um depósito de bebidas no bairro da Lapa, em São Paulo.
Como conta os livros do CAP e Almanaque do Palmeiras, Zé passou, também, pelo América Mineiro e rapidamente na Lusa. Ganhou o apelido de “Puro Sangue” pela raça e chegou no Palestra ao ser descoberto pelo técnico Maturo Fabbi, em 1936. Participou de mais de 200 jogos do Verdão, fez cinco gols, ganhou 10 títulos, dentre eles quatro Paulistas em oito anos de clube. Porém, todos vão lembrá-lo de ser pai de Marco Polo Del Nero.
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