Quando Flávio Augusto da Silva fundou sua escola de inglês no Rio de Janeiro, em 1995, mal se arriscava no idioma. Hoje, passados quase 20 anos, a escola de inglês de Flávio se transformou na Wise Up, uma franquia gigante entre as escolas de idiomas no Brasil com cerca de 500 unidades em todo no Brasil e também em países como Estados Unidos, México, Argentina e China. De quebra, ainda é uma das parceiras da Fifa para a Copa do Mundo de 2014.
O currículo mostra que Flávio, 41 anos, não está brincando ao assumir o comando do Orlando City Soccer Club. E, de quebra, ainda aponta um momento sintomático (e importante): ao mesmo tempo em que marca a entrada de um brasileiro em uma das mais ascendentes ligas do futebol mundial, a Major League Soccer (MLS), ainda aponta o interesse contrário, da própria MLS no mercado brasileiro.
O Orlando City Soccer Club é um clube jovem, fundado em 4 de março de 2010. No entanto, diante das dificuldades financeiras iniciais, o clube recebeu o primeiro dos três pilares que o colocaram no rumo da elite americana: Phil Rawlins, então proprietário do Stoke City, que tornou-se acionista majoritário da equipe da Flórida em outubro do mesmo ano. Em 2011, a equipe disputou a USL Pro, uma espécie de terceira divisão do futebol local. Nos anos seguintes, Rawlins ganhou a companhia do também inglês John Bonner na cúpula da equipe, conquistando duas vezes o título da USL Pro (2011 e 2013).
Neste intervalo, surgiu Flávio. Morando em Orlando com a mulher, Luciana, e com os três filhos, o empresário buscou um novo investimento nos Estados Unidos. E após uma pesquisa no mercado da Flórida, o carioca – torcedor do Flamengo – chegou à agradável conclusão de que o investimento no futebol local traria lucros. Assim, em abril, adquiriu 87% das ações do Orlando City SC, tornando-se o proprietário do clube. Rawlins segue como presidente.
“Em 2009, eu me mudei com a minha família para os Estados Unidos. Como meu filho mais velho (Breno), que faz 14 anos em fevereiro, sempre jogou futebol nos Estados Unidos em nível competitivo, eu passei grande parte dos meus fins de semana como o típico soccer dad, acompanhando nos torneios. E me chamou atenção a quantidade de jovens envolvidos com futebol nos EUA, e o grande envolvimento que os pais têm. Eram torneios com milhares de crianças. Então, fui pesquisar. Encomendei uma pesquisa sofre futebol amador e profissional, e me deparei com números incríveis, que nem imaginava”, disse Flávio por telefone ao blog.
O principal dado da pesquisa de Flávio aponta que há 24 milhões de jovens (entre 5 e 17 anos) jogando futebol nos Estados Unidos. Assim, o carioca viu o soccer como um mercado a ser explorado entre os jovens. E, embora o público latino seja muito presente na Flórida, especialmente com imigrantes de Cuba e Porto Rico (países, por sinal, com pouca tradição no futebol), a modalidade ganhou força no estudo como um concorrente direto a esportes como futebol americano, beisebol e basquete entre os jovens.
“Tenho muita experiência no mercado de franquias. De início, comecei a planejar uma rede franquias de escolas de futebol, aproveitando o fenômeno do futebol nos EUA”, contou Flávio, apostando na escolha dos pais pelo futebol como esportes para os filhos pequenos, ajudando a consolidar o esporte entre as novas gerações. “Pai e mãe têm um papel importante na escolha do esporte do filho. O futebol americano, o público tem evitado, são muitas lesões perigosas. O beisebol, o público não tem paciência, é uma ‘geração PlayStation’. Para o basquete, se o sujeito não tem 2 m de altura, esquece. Tudo isso aponta para o crescimento do futebol”, acredita.
O que liga a Major League Soccer ao Brasil
Isso explica o porquê do investimento de Flávio no futebol dos Estados Unidos – e a proximidade logística com o Orlando City SC facilitou tal entrada no mercado local. Mas onde entra a relação com a Major League Soccer e o Brasil?
Em busca de novas franquias, a MLS abriu uma concorrência para novas equipes entrarem na competição a partir de 2015. Duas foram aceitas: New York City FC, equipe satélite do Manchester City nos EUA, e o Orlando City. Desta forma, a liga passará a contar com 21 times associados – número que, por sinal, pode aumentar nos anos seguintes. Porém, para que os clubes conseguissem tal aval para se associarem à MLS, precisaram cumprir contrapartidas.
No Orlando, foram duas as exigências. A primeira era a construção de um estádio próprio, uma vez que o clube joga atualmente no Citrus Bowl (65 mil lugares, que será reformado a um custo de R$ 400 milhões) e passará a atuar no ESPN Wide World of Sports Complex (5,5 mil lugares) na temporada 2014 da USL Pro. “Fico triste porque sou flamenguista e não tenho nenhum estádio”, brincou Flávio.
A segunda era justamente estabelecer uma ligação com o mercado brasileiro com um projeto extracampo. “Tenho uma entrada no Brasil, posso fazer uma ponte com o mercado brasileiro”, explicou o proprietário do Orlando City SC, que tem um sonho ousado: transformar sua franquia no clube do coração dos brasileiros nos Estados Unidos. Assim, além de vender a marca do clube para brasileiros (no Brasil e nos EUA), a MLS ainda tenta estreitar seus laços com o futebol brasileiro.
“Tenho conversado com muitos presidentes de clubes, na Europa e no Brasil. O interesse deles é imenso em ter suas marcas associadas nos EUA. Os clubes (de outros países) não têm espaço para todos os jogadores, então eles têm que emprestar”, diz, sem adiantar se há acordo adianta com algum time brasileiro. “Não quero assumir nenhum compromisso ainda com o meu clube. Queremos municiar esses clubes com informação sobre a MLS para que eles entendam o que acontece nos EUA”, completou.
Um destes clubes que poderia estar na mira do Orlando para parceria seria o Fluminense, uma vez que os dois clubes disputaram um amistoso de intertemporada nos Estados Unidos em junho. Flávio, porém, despista e afirma que o interesse no primeiro contato partiu das Laranjeiras. “Eu não tinha comprado o clube ainda. O Phil (Rawlins) tinha acertado direto com o Peter (Siemsen, presidente do Fluminense). Foi interesse do Fluminense em se direcionar nos Estados Unidos”, declarou.
Futebol e negócio
É muito bacana ver o interesse da MLS no Brasil, mas ele só existe por um motivo: potencial de mercado. Os americanos estão de olho no que podem lucrar ao esticar seus braços em direção à América do Sul. E Flávio, por sua vez, só topou assumir um clube de futebol nos EUA porque acredita que o investimento pode dar retorno financeiro.
Para isso, ele admite, o acerto com um brasileiro de renome em 2015 pode ser uma ferramenta importante. “Para nós, ganhar é parte do negócio. Somos muito competitivos e queremos montar um time competitivo. É parte dessa estratégia montar um time competitivo, e isso inclui a contratação de um jogador conhecido em todo o mundo – em especial, que seja um brasileiro”, disse o acionista, sem citar nomes que estão na agenda.
O cenário nos EUA é favorável para Flávio, uma vez que todas as franquias da MLS são sócias da franquia – como não há rebaixamento, nenhuma marca se desvaloriza a curto prazo. De quebra, todos os times trabalham com tetos salariais relativamente baixos, rompidos apenas pelos designated players (astros pagos pelos times como ferramenta de promoção da própria liga). Desta forma, o negócio do brasileiro na Flórida oferece um risco menor.
Bom para o Orlando City Soccer, melhor ainda para Flávio, que aposta nos EUA como “a próxima fronteira do futebol do mundo”. “Gosto de futebol, mas estou fazendo um negocio”, lembra o empreendedor.
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