Em outubro deste ano, o Motherwell FC anunciou uma mudança histórica em seu comando: por £1, o empresário Les Hutchison vendeu 76% do clube para a organização The Well Society. Com isso, a administração do Motherwell passa a ser tocada inteiramente pelos seus próprios torcedores.
Essa jogada já vinha sendo articulada pelo menos desde janeiro de 2015. O próprio Hutchison tinha comprado também por £1 as ações majoritárias do então presidente do clube, John Boyle.
Mas seu plano nunca foi ser proprietário do Motherwell. Pelo contrário: desde o princípio, o projeto era deixar que a Well Society tomasse conta do negócio.
As coisas caminharam rápido e, agora, o Motherwell se torna o mais novo time da elite do futebol escocês de total propriedade de seus torcedores. Mas o que isso significa na prática?
Antes de tudo é preciso lembrar que times com algum tipo de participação societária dos fãs são mais comuns do que parece. Todos os últimos três campeões europeus (Real Madrid, Barcelona e Bayern de Munique) têm algum tipo de controle da própria torcida.
O mesmo acontece com a maior parte dos clubes brasileiros, cujas decisões são definidas pelos Conselhos Deliberativos. Os conselheiros, eleitos pelos sócios dos clubes, podem escolher, por exemplo, seu presidente.
Em contrapartida, times como o Chelsea e o Paris Saint Germain pertencem a uma única pessoa – respectivamente, Roman Abramovich e Nasser Al-Khelaïfi – e, portanto, as decisões dos clubes ficam à mercê dos humores de seus donos (e elas podem ter motivações sinistras por trás). E a única maneira de se livrar desses caras é torcer para que eles vendam suas partes para uma outra pessoa ou entidade.
No caso do Motherwell, a ideia da administração coletiva é tentar dar alguma estabilidade financeira após ele quase quebrar nos começo dos anos 2000, como aconteceu com vários outros clubes da Escócia. Em entrevista à rede BBC, Les Hutchison disse que a situação está melhorando gradualmente.
– O clube está muito próximo do equilíbrio nas contas. Nos últimos meses, o salário dos jogadores foi reduzido drasticamente, e conseguimos assinar com excelentes jogadores jovens […]. Nós precisamos melhorar na parte comercial, mas a possibilidade da venda de jovens talentos deve incrementar nossos ganhos.
Quando Hutchison virou o novo dono do Motherwell, a dívida era de cerca de £30 mil. Ele pagou o valor e ainda emprestou £650 mil e £380 mil, sendo que ao menos £180 mil já foram pagos.
O acordo fechado com a Well Society prevê que durante os três primeiros anos sob a direção do grupo as dívidas com Hutchison serão pagas com a porcentagem da venda de jogadores. Depois disso, o pagamento deverá ser feito mensalmente por um valor ainda a ser definido.
Por ora, a principal fonte de renda da organização são os títulos de sócio-proprietário, que podem ser pagos mensalmente e dão direito a poder de voto em cargos administrativos ou mesmo de concorrer a eles, entre outras benesses.
A vantagem do sistema criado pela Well Society é que ele se assemelha com os nossos Sócio-Torcedores, com valores a partir de £5 por mês. E isso acaba atraindo tanto os entusiastas das arquibancadas quanto os dos camarotes VIP do estádio Fir Park para participar da política do clube.
Hearts
Um dos espelhos dessa aventura do Well Society é outro clube escocês, o Heart of Midlothian.
Em junho de 2013, após anos sendo gerido pelo controverso financista russo-lituano Vladimir Romanov, o Hearts declarou falência, perdeu 15 pontos e foi rebaixado. No ano seguinte, a empresária local Ann Budge investiu £2,5 milhões por 79% do time e se comprometeu a repassar totalmente o comando do clube até 2019 para o Foundation of Hearts, grupo composto por torcedores. Até lá, a fundação se compromete a arrecadar o montante necessário para devolver o dinheiro para Budge.
Em apenas uma temporada, em 2014/2015, o Hearts subiu para a primeira divisão com sete rodadas de antecedência, deixando o Rangers e o rival Hibernian comendo poeira na Segundona. E na temporada seguinte, o Hearts ficou em terceiro lugar da Premier League, atrás do campeão Celtic e do Aberdeen.
Mas mais do que bons resultados dentro de campo, o comprometimento da torcida também foi positivo. Tanto que em julho de 2015, o diretor do Foundation of Hearts, Brian Cormack, revelou que um fã anônimo do Hearts de 93 anos faleceu e deixou em testamento que parte de sua herança deveria ser destinada ao clube de Edimburgo – nada menos do que £108 mil.
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