O que lhe vem a cabeça quando ouve/lê a seguinte interjeição: ÔÔ-EE-AA!?
Isso mesmo, Copa do Mundo. Mais do que isso: Copa do Mundo no Brasil.
Para você, para mim e para tantos milhões de brasileiros, o Mundial de Futebol da Fifa disputado no ano passado em solo nacional, depois de mais de 60 anos de espera, foi especial como poucas coisas na vida. Afinal, todo mundo vai se lembrar para sempre onde estava quando Neymar foi atingido por Zuñiga e colocou o país em choque. Ou então o que estava fazendo quando Suárez mordeu um italiano e encurtou aquela que poderia ter sido a sua Copa. Ou quem sabe até sorrir ao lembrar da audaciosa campanha da Costa Rica no chamado grupo da morte.
Mas, acima de tudo, todos nós iremos lembrar, até o último dia de nossas vidas, onde estávamos e como reagimos quando a Alemanha estraçalhou o Brasil.
Neste fatídico dia, o jornalista e professor Chico Bicudo fez como muita gente país afora: chorou. A reação após o apito final surpreendeu até seus dois filhos, Daniel e Luísa, embora eles mesmos tivessem reagido assim um pouco antes, nos seis primeiros minutos de jogo, que depois viriam a ser justificados como “apagão”.
Quando o juiz apitou o final da partida, quem desabou no choro fui eu. Não deu para segurar. Apertei os olhos. Com força. E soltei a tensão. Raiva. Os dois pequenos levantaram do sofá na hora. Passaram as mãos no meu rosto. E me abraçaram. Muito forte. Carinhosamente. Alguns minutos. Choramos juntos.
Chico Bicudo é professor universitário e durante a Copa do Mundo se dispôs a escrever, a cada dia, uma pequena crônica sobre a experiência de estar vivendo uma Copa do Mundo em seu país. Passou então a publicar as histórias, opiniões e comentários sobre os acontecimentos do dia em seu perfil no Facebook. No começo, muitas curtidas, compartilhamentos, elogios. Mais adiante, incentivos para que continuasse firme na missão de mostrar o seu olhar sobre o evento. Em certo momento, a sugestão que mudaria o rumo de tudo: “por que você não reúne isso tudo em um livro, Chico?”
Assim nasceu “Memórias de uma Copa no Brasil”, coletânea de 35 crônicas que, mais do que divertir ou emocionar, nos remete àqueles maravilhosos dias de Copa. Guiados pela narrativa leve e poética de Chico, revivemos a busca desesperada por ingressos dos jogos (Chico conseguiu para quatro, todos devidamente relatados no livro), a euforia nas ruas (em especial, na Vila Madalena, em SP) e também a improvável torcida (de muitos) pelos carrascos alemães contra os hermanos argentinos, na partida que fechou a Copa, no Maracanã.
Há, no livro, até mesmo um insólito diálogo entre Felipão e um dos deuses do futebol, depois da confirmação de que Neymar não teria mais condições de disputar a Copa:
– Felipão, me deixa explicar.
– Não tem explicação. Passou do limite. Mudei, passei a ser mais educado. Mas não tem jeito, são só facadas pelas costas. Vou precisar ser de novo o velho Felipão. Você conhece bem meu estilo. Se não gostar, paciência. Azar. O Neymar, che? Não podia ser o Jô? O Fred? Eu até entenderia.
Embora tenha nascido como um relato particular das experiências do autor, as crônicas de Chico disparam o gatilho para as lembranças e emoções que todos nós vivemos naqueles dias. Torna-se algo maior, e cumpre com a proposta de ser um livro de memórias – dele e nossa, por que não?. É um livro para degustar e guardar, a fim de, qualquer dia, recuperá-lo da estante e, novamente, voltar a viajar nas lembranças dos dias em que vivemos uma Copa do Mundo.
Abaixo, uma pequena entrevista com o autor Chico Bicudo:
Última Divisão: No livro, você reúne crônicas que começaram sendo publicadas em seu perfil no Facebook, de forma íntima, aos amigos, mas que foram ganhando relevância e culminaram num livro de memórias pessoais e, ao mesmo tempo, coletivas a respeito da Copa das Copas. Como foi esse processo, de transformar experiências particulares com o torneio em algo maior, em uma obra?
Francisco Bicudo: Costumo dizer que “Memórias de uma Copa no Brasil” é filho legítimo das redes sociais. O processo foi nada planejado, absolutamente inesperado e surpreendente, espontâneo. Sempre fui apaixonado por futebol, mais ainda por Copa do Mundo. E também sempre adorei escrever. Sem compromisso algum, sem qualquer expectativa, resolvi juntar as duas paixões e comecei a compartilhar no Facebook os relatos de minhas andanças e experiências durante o Mundial no Brasil. Breves textos. O retorno foi incrivelmente imediato e generoso – já no primeiro, muitos comentários, ideias, sugestões. Depois do terceiro, já tinha gente dizendo “não pare, estou acompanhando, esperando o de amanhã”. Mais alguns e uma prima minha lançou a ideia de juntar e publicar os textos. Percebi que a coisa tinha crescido mesmo. Entendi que de alguma maneira precisava dar conta daquele compromisso, daquele afeto, do carinho que os leitores estavam manifestando.
É aquela máxima do Pequeno Príncipe: “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. E assim fomos até o final, 30 dias, todos os dias. Em geral, postava os textos nos fins de noites. Escrevi sobre Messi, Neymar, CR7, Costa Rica, o torcedor pé frio, as bobagens do Felipão, minhas viagens, os jogos que vi nos estádios. Falas de um torcedor mesmo. Textos que procuravam ser instigantes, interessantes, curiosos, bem humorados, mas sem perder o tom de crítica, de reflexão, a sugerir algumas provocações. Há neles também forte tom político. Como deve ser, penso, a boa crônica. Por conta de toda essa repercussão bacana, a Editora Chiado, de Portugal, e que estava instalando escritório aqui no Brasil, generosamente se interessou pelo material e fez o convite para publicação do livro. Só alegria! Penso que uma das contribuições mais significativas da obra seja mesmo essa possibilidade de guardar as memórias, de preservar e documentar alguns momentos de um mês que foi de fato espetacular.
UD: Qual momento do livro (e da Copa, consequentemente) você sente que foi o mais difícil e o mais gostoso de viver? Hoje, passados quase sete meses do término, qual sentimento ficou daqueles dois meses? O que, daquele período, você acha que vai levar para o resto da vida?
FB: O momento mais difícil foi certamente o pesadelo dos 7 x 1. Parecia ficção. Uma mistura de angústia, desespero, frustração, incredulidade, impotência. Tive ainda de lidar com a tristeza enorme dos meus dois filhos, Luiza e Daniel, que sonhavam ver o Brasil campeão do mundo. A saga para conseguir os ingressos para os jogos (textos estão no livro) foi também complicadíssima. O mais emocionante foi poder ver, no estádio, uma partida com cada filho – Argentina x Irã com o Daniel no Mineirão e Holanda x Chile com a Luiza no Itaquerão. Sonho realizado. Vou guardar com muito carinho todas essas lembranças de um torneio que, insisto, foi especial – os gols, as defesas, as atuações dos goleiros, as goleadas, a televisão que ficava ligada 24 horas por dia nos programas esportivos, as viagens, o metrô com todas as torcidas, as festas na avenida Paulista, a concentração para escrever os textos…
UD: Como professor de jornalismo, escritor/cronista e fã de futebol, o que você acha dos livros de futebol publicados no Brasil? Acredita que há qualidade, excesso de títulos, escassez de boas obras? Faltam temas a serem explorados? O que pensa a respeito disso? Tem vontade de voltar a escrever sobre futebol no futuro? Há algo já planejado?
FB: Gostaria muito de ver mais reportagens (textos mais elaborados, longos, de fôlego, pesquisa, apuração, reflexão…) sobre futebol publicadas em livro. Exemplo: seria óitimo ter uma obra dessas que procurasse discutir as raízes da crise vivida atualmente pelo futebol brasileiro. Outra – por que nosso futebol de várzea desapareceu? Mais uma – por que os empresários e grandes grupos econômicos atualmente têm tanto poder no futebol? Livros poderiam dar vazão para esses temas, que considero para lá de relevantes. Adoraria também que tivéssemos mais perfis (histórias de vida que acabam sendo “a parte pelo todo”, revelando também um tanto do que é o Brasil, mais amplo sentido, e para além das trajetórias singulares dos personagens). Penso em continuar escrevendo sobre futebol, a experiência foi muito gratificante, aprendi e estou aprendendo muito. Mas não há nada planejado, formalmente. Ainda estamos trabalhando duro na divulgação de “Memórias de uma Copa no Brasil”. A repercussão tem sido muito legal, num trabalho de formiguinha que conta sempre com essa generosa rede de afetos e de apoios formada por amigos.
Sobre o autor
Francisco Bicudo é mestre em Ciências da Comunicação (Jornalismo) pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), pós-graduado em Política Internacional pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1996, e graduado em Jornalismo, em 1994, também pela ECA/USP. É autor dos livros “Caros Amigos e o resgate da imprensa alternativa no Brasil“, lançado pela editora Annablume, selo “Universidade”, em junho de 2004; e “Saúde – Exercício da Vida“, lançado pela editora Salesiana, em abril de 2009. Professor universitário há quase 15 anos, mantém o Blog do Chico (www.oblogdochico.blogspot.com).
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