Mickaël Roche é provavelmente o jogador mais famoso entre os 276 atletas inscritos na Champions League da Oceania. O goleiro taitiano concedeu entrevistas para veículos de imprensa do mundo inteiro em 2013, quando defendeu a meta de seu país na Copa das Confederações. Mais recentemente, voltou aos holofotes por protagonizar um lance inacreditável: sem qualquer marcação adversária, na linha de fundo, ele chutou a bola bisonhamente contra o próprio gol, desafiando leis da física e presenteando o Nadi, de Fiji, com um tento de honra na derrota por 6 a 1 para o Tefana.
https://www.youtube.com/watch?v=LaiL66Mw8uI
O gol contra aconteceu na primeira rodada do torneio continental e dificilmente deixará de ser a imagem mais marcante da competição. Enquanto resumos de outras partidas raramente passam de 3 mil visualizações no Youtube, diversos vídeos com o lance de Roche possuem mais de 100 mil exibições – um deles, inclusive, já com mais de 500 mil.
Veja mais da Liga dos Campeões da Oceania
Parece campeonato interclasses: uma tarde na Liga dos Campeões da Oceania
Frente a frente com Diego Galvão, o brasileiro que joga em Vanuatu
Apesar de confessar ter sentido raiva no momento, o taitiano agora prefere brincar com a situação: “consegui fazer o Tefana ficar famoso mundialmente”. É o mesmo bum humor de quem, há três anos, sofreu 10 gols da Espanha e depois disse que pediria uma vaga no Real Madrid a Casillas.
Log on to www.tellhco.com and win prizes
Roche não poderia estar mais de bem com a vida quando conversou com o Última Divisão. Seu clube havia acabado de confirmar classificação para as semifinais da Champions League, com uma imensa ajuda do próximo rival, o Auckland City.
Até os 45 minutos do segundo tempo, Auckland City e Amicale (Vanuatu) empatavam por 1 a 1 no QBE Stadium, classificando ambos ao mata-mata. Em um campo molhado, já nos acréscimos, com o regulamento ajudando, parecia que nada mais aconteceria. Mas duas falhas da equipe vanuatense mudaram os rumos da competição: primeiro o zagueiro brasileiro Diego Galvão afastou mal e deixou a bola nos pés do meia Ryan De Vries, que fuzilou. Três minutos depois, o goleiro italiano Mauro Boerchio cobrou tiro de meta nas costas de Galvão, ajudando o português João Moreira a selar a vitória.
Além da emoção dos gols no fim, a classificação do Tefana teve um gostinho ainda mais especial por castigar o Amicale, que um dia antes havia conquistado dois pontos nos tribunais ao denunciar o Solomon Warriors pela escalação de um jogador irregular.
No único momento não muito diplomático da entrevista, Mickäel Roche cutucou: “o futebol venceu, vão valer os resultados conquistados dentro de campo”. É o desabafo de quem iniciou a competição se tornando piada da internet, mas agora se vê a dois jogos de conquistar uma vaga no Mundial de Clubes.
Confira, a seguir, o que mais o carismático goleiro, de 33 anos, contou com exclusividade para a gente:
Última Divisão: quais as suas memórias da Copa das Confederações de 2013? Considera voltar ao Brasil no futuro?
Mickaël Roche: [a Copa das Confederações] foi a coisa mais incrível que aconteceu na minha carreira e também uma das mais emocionantes na minha vida. Os brasileiros foram fantásticos conosco, nos receberam com muito entusiasmo e fizeram com que nos sentíssemos privilegiados. Adoramos tudo, principalmente a cultura de vocês, que tem muitas semelhanças com a nossa.
Geralmente jogadores fazem torcedores sonhar, mas nesse caso a torcida que nos proporcionou um sonho, um sonho acordado! Nunca vamos nos esquecer da experiência e seremos eternamente gratos por tudo que nos deram. Realmente espero um dia voltar ao Brasil como turista e visitá-lo como se deve.
Última Divisão: quais goleiros te inspiram?
Mickaël Roche: é impossível falar sobre goleiros modernos sem mencionar Manuel Neuer. Ele é um símbolo de como a posição evoluiu, sempre cumpre um papel importante para a tática dos times que defende. Mesmo jogando em um nível inferior, eu tento manter os ensinamentos de Neuer em mente e isso é uma coisa que meu técnico sempre cobra. Atualmente tenho uma média de 50 jogadas com a bola nos pés durante um jogo, o que é bastante.
Entre os nomes do passado, eu sempre me inspirei em goleiros franceses, como Fabien Barthez e Bernard Lama. Barthez era marcante por sua presença, foi um dos pioneiros em jogar com os pés. Já Lama tinha reflexos de gato, com um estilo muito elegante e bonito de se ver. Também não posso ignorar Gianluigi Buffon, que pode ser considerado um goleiro velho e ainda joga como um garoto. Ele é realmente incrível.
Última Divisão: quais objetivos ainda busca na carreira?
Mickaël Roche: já sou um goleiro maduro, por isso faço planos ano a ano, passo a passo. É difícil planejar muito longe, apenas tento aproveitar cada momento e não pensar muito. Quando você é um atleta de competição, não importa se de alto ou baixo nível, sempre há metas, o objetivo é sempre o topo… eu busco isso também, mas sou lúcido e consciente da minha capacidade.
Última Divisão: pensa em se manter no futebol quando se aposentar?
Mickaël Roche: sou professor de educação física e sempre estarei envolvido no futebol da minha escola, mas provavelmente tente me tornar treinador fora dela também. Os mais velhos têm a missão de ensinar novas gerações para que eles façam melhor do que fizemos no passado.
Já tive experiências como treinador de goleiro no OGC Nice, da França, onde ensinava um pouco aos jovens. Sem dúvidas, o Taiti precisa de ajuda nessa área e quero dar ao meu país o que não tive a chance de ter quando comecei.
Última Divisão: como foi a preparação do Tefana para a Liga dos Campeões da Oceania?
Mickaël Roche: a preparação específica foi realmente curta! Terminamos de jogar o Campeonato Taitiano na sexta e já embarcamos para a Nova Zelândia na segunda de manhã.
Última Divisão: agora nas semifinais [o Tefana enfrenta o Auckland City na próxima terça-feira], qual a sua expectativa?
Mickaël Roche: nossa expectativa era chegar à semifinal, mas agora que estamos nela só podemos pensar em uma vitória.
Última Divisão: chegou a duvidar da classificação?
Mickaël Roche: tivemos altos e baixos na campanha e corremos riscos. Foi um certo baque perder o segundo jogo [derrota por 4 a 2 diante do Magenta, da Nova Caledônia]. Nosso esquema tático não funcionou naquela partida e tivemos dificuldades para buscar novas soluções. Mas também precisamos ver os aspectos positivos e valorizar nosso setor ofensivo [com 15 gols marcados, o Tefana foi o melhor ataque da primeira fase].
Ser eliminado teria sido ruim como atletas, mas isso não é nada comparado a outros problemas maiores que há no mundo. Felizmente passamos e agora vamos em frente!
Última Divisão: seria justo ter perdido a vaga para o Amicale [que ganhou dois pontos nos tribunais]?
Mickaël Roche: o sentimento é de que o futebol venceu, vai valer o resultado obtido dentro de campo.
Última Divisão: sente evolução no futebol taitiano após a Copa das Confederações?
Mickaël Roche: acho que poderíamos ter “surfado” melhor a conda da Copa das Confederações. Não sinto que muita coisa mudou, infelizmente.
Última Divisão: além da Nova Zelândia, que outras forças você vê no futebol da Oceania?
Mickaël Roche: é claro que a Nova Zelândia está um patamar acima, pelo próprio tamanho do país. Além deles, outros países possuem certos pontos fortes, mas acredito que no momento nenhum tenha qualidade suficiente para ser competitivo em jogos internacionais.
A Papua-Nova Guiné tem um grande potencial. Também vale destacar a Nova Caledônia, que se beneficia de jogadores que atuam na França. Já o Taiti possui boa disciplina tática e um grande espírito de luta, mas precisamos trabalhar mais outras qualidades.
Última Divisão: consegue imaginar o Taiti disputando outro grande torneio em breve?
Mickaël Roche: é difícil, mas no esporte sempre imaginamos o melhor. Quero o melhor para o Taiti, quem sabe outro título na Copa das Nações da Oceania e jogar a Copa do Mundo algum dia.
Última Divisão: sobre aquele gol contra… qual seu sentimento sobre o que aconteceu?
Mickaël Roche: quando se joga um torneio com cobertura mundial é preciso estar preparado para tudo, coisas boas e ruins. Fiquei bravo comigo mesmo por um erro tão grande, mas logo recuperei meu foco e segui em frente. O que aconteceu não pode ser mudado, então o jeito é aceitar e pensar nas coisas boas.
Eu preferia ficar conhecido mundialmente por algo positivo, mas não fiquei chateado. Sempre repito para mim mesmo que há problemas mais graves no mundo, então é quase indecente se lamentar por algo tão insignificante. Penso em pobreza, mulheres e crianças que sofrem abuso, desastres ambientais, falta de liberdade e educação em tantos países… tantas coisas que devem ser mais lamentadas! Meu gol não foi nada, é uma gota no oceano.
Última Divisão: que bom que não ficou chateado, mas chegou a rever o lance? Consegue analisar qual foi o seu erro?
Mickaël Roche: foi um erro técnico. Eu quis tocar rapidamente para a outra lateral, muito rápido. Meu cérebro pensou mais rápido que os pés! Eu peguei muito mal na bola e acabou acontecendo aquilo.
Acho também que tentei fazer algo muito difícil para o momento. Depois de rever o lance percebi quantas outras oportunidades mais simples eu tinha. É um aprendizado. Todos erram, o mais importante é não repetir o equívoco.
Última Divisão: como seus companheiros de time reagiram?
Mickaël Roche: fizeram muitas piadas comigo, mas alguns até me agradeceram. Afinal, eu consegui fazer com que o nosso time ficasse famoso mundialmente!
Comentários