Gostar de futebol na Austrália não é fácil. Nos sete meses em que vivi lá, senti na pele as dificuldades. Começa pelo fuso horário, que joga as partidas mais interessantes (as da Europa e da América do Sul) para o meio da madrugada ou começo da manhã. Passa pela concorrência desleal do rúgbi e futebol australiano, que tomam 90% dos noticiários esportivos e das televisões dos pubs. Piora ainda mais com o bullying: acostumados com esportes de maior contato físico, dizem que futebol é coisa de menininha.
Essa realidade dura e solitária muda um pouco de quatro em quatro anos, desde 2006, quando os Socceroos voltaram a disputar a Copa do Mundo após 32 anos de ausência. Nessa época de Copa, mesmo os mais leigos acompanham as partidas e nutrem alguma esperança cega de sucesso. Afinal, se a Austrália é uma potência em tantos esportes, por que não consegue ser também nesse tal futebol?
Até hoje o orgulho aussie não aceita a eliminação para a campeã Itália no Mundial da Alemanha com um pênalti duvidoso aos 50 minutos do segundo tempo. Em 2010, mesmo perdendo por 4 a 0 para os alemães na estreia, acreditam que tinham time para ir longe se os dois melhores jogadores da equipe (Cahill e Kewell) não fossem expulsos também de maneira duvidosa nos primeiros jogos. Haja chororô.
A verdade é que o descaso australiano com o futebol tem uma grande razão de ser: eles não são bons nisso. Eles amam esportes e adorariam acompanhar futebol se tivessem resultados expressivos. São capazes de ir ao pub assistir a partidas de críquete e golfe, considerados chatos por boa parte do país, mas respeitados e exaltados pelo sucesso australiano nas principais competições.
No caso do futebol esse momento ainda não chegou – e não deve chegar em 2014. Os Socceroos devem ser um dos grandes sacos de pancadas da Copa no Brasil e, dessa vez, não vai ser culpa da arbitragem.
Tudo conspira contra. A pior ranqueada das 32 participantes viu dois dos seus maiores ídolos se aposentarem às vésperas da Copa e ainda caiu em um grupo com as atuais campeã e vice da Copa, além de um potencial azarão. Essa é a Austrália, 62ª do ranking da Fifa, sem Kewell e Schwarzer, ao lado de Espanha, Holanda e Chile no Grupo B.
As expectativas são as mais baixas possíveis por parte dos (poucos) especializados. Logo após o sorteio do grupo, em dezembro de 2013, o desespero já bateu na página do maior jornal local, o Sydney Morning Herald: “socorro”, “não vou dormir esta noite”, “inacreditável” e “horrível” foram alguns dos comentários publicados.
Além da desgraça da seleção, os australianos fãs de futebol viram a sua própria penúria no sorteio. Com chances tão mínimas de fazer um bom papel na Copa, os próximos quatro anos seguirão dolorosos para eles. O bullying continuará. Futebol? Esporte chato, de pontuação baixa, pode acabar zero a zero, rúgbi que é esporte, no futebol tudo é falta, toda hora se jogam, coisa de estrangeiro fracote, coisa de menininha.
A única televisão aberta a dar alguma atenção ao futebol seguirá sendo a SBS (canal público com grande audiência de imigrantes), mas nem mesmo eles dão tanta importância. Basta notar que a vitória da Austrália por 1 a 0 diante do Iraque, a partida que garantiu a vaga na Copa, não foi transmitida ao vivo para o país. Os fãs de futebol tiveram que acompanhá-la pela internet para depois ver um tape na TV!
Só mesmo uma improvável boa campanha no Brasil para mudar esse cenário a curto prazo. O bullying continuará…
Comentários