Todo o mundo está se perguntando neste momento: como uma seleção de um país com população menor do que as cidades de Franca (SP), Ponta Grossa (PR), Pelotas (RS) ou Vitória da Conquista (BA) deixou de ser um tradicional saco de pancadas para fazer história na Euro 2016? Como a terra dos vulcões e da cantora Björk conseguiu pular da 112ª colocação no ranking da Fifa para a 33ª em apenas quatro anos?
A verdade é que não há muito mistério. Desde o final dos anos 90 a Islândia tem trabalhado duro para ter uma seleção minimamente respeitável no cenário internacional. Apesar de sua pequena população ser louca por futebol, a irmã menor dos países nórdicos só tinha alguma relevância no handebol e nas competições de homem mais forte do mundo.
Até que, em setembro de 1998, a seleção islandesa enfrentou a França, então campeã mundial, pelas eliminatórias da Euro 2000. O que era pra ser um passeio francês, um massacre sem precedentes na capital Reykjavík, acabou se tornando um heroico e celebrado empate em 1 a 1.
Esse jogo é até hoje lembrado como um marco para muitos islandeses. “Em 1998, Gylfi (Sigurðsson) e Kolbeinn (Sigþórsson) e outros jogadores da seleção tinham 8, 9, 10 anos. Eles viram aquele jogo contra a França e pensaram: ‘Nós podemos fazer isso’”, disse o ex-zagueiro Pétur Marteinsson, que foi titular naquela partida, à revista Reykjavík Grapevine.
O primeiro passo da federação islandesa de futebol (KSI) foi tentar tornar a prática do esporte humanamente aceitável em um lugar onde a temperatura média no inverno é de 0º C e os ventos frequentemente atingem os 65 km/h. Por causa disso, o campeonato nacional é disputado entre maio e setembro, quando o frio dá uma trégua.
A solução veio de uma experiência do norte da Noruega, onde há campos de grama sintética cobertos e climatizados para a população praticar o esporte o ano todo. O primeiro desse tipo foi inaugurado em 2000, próximo ao aeroporto de Keflavík, e a ideia era que cada cidade tivesse um igual.
O momento para a novidade não poderia ser mais propício. Na década de 90, o governo da Islândia decidiu reestruturar sua economia e surfar na onda da globalização. Seus três maiores bancos tiveram um crescimento avassalador graças a uma receita de juros altos, impostos baixos e desregulamentação do sistema financeiro, o que atraiu diversos investidores internacionais em busca de dinheiro fácil.
Como consequência, a coroa islandesa se valorizou rapidamente e nunca houve tanto acesso a crédito no mercado. Era um indicativo de que uma bolha estava se formando, mas ao menos muitos projetos de infraestrutura foram tocados.
No começo de 2016, 11 campos cobertos já estavam abertos ao público no país e outros quatro estavam em construção. Além disso, campos menores, tipo society, surgiram aos montes, sobretudo próximo às escolas, e fez com que a cultura da prática do futebol brotasse entre os mais jovens.
Ao mesmo tempo, a KSI fez um forte incentivo à qualificação de seus técnicos, fazendo com que o país seja, hoje, o que tem mais técnicos per capita no mundo. De cada 500 pessoas, ao menos uma tem uma qualificação UEFA B ou UEFA A. E boa parte deles usam seu conhecimento para treinar equipes juniores, com crianças a partir de 6 anos, já que obviamente não há espaço para todo mundo nos grandes clubes. Só para comparar, a Inglaterra tem cerca de um técnico de futebol para cada 10 mil habitantes.
Isso tudo se deve à facilidade para conseguir a licença – já que é possível obtê-la sem sair da Islândia – e ao fato de que ser técnico é uma opção viável como segunda profissão. Heimir Hallgrímsson, que é o atual co-treinador da seleção islandesa ao lado do sueco Lars Lagerbäck, também trabalha como dentista na vila onde cresceu.
Então, em 2008, veio a maior crise financeira dos últimos tempos. Os bancos islandeses quebraram, o crédito sumiu e a coroa islandesa se desvalorizou. Os patrocinadores se afastaram do futebol e os clubes locais tiveram que mandar algumas de suas estrelas embora. Mais de 10% dos 615 jogadores estrangeiros deixaram o país ainda naquele ano, segundo o Wall Street Journal. No lugar deles, jovens revelações começaram a ganhar espaço e passaram a competir na elite do futebol islandês.
As consequências dessas mudanças são claras. Com mais visibilidade, muitos jogadores passaram a defender clubes do exterior, ao passo que olheiros estrangeiros passaram a ser vistos com frequência na ilha. Dos 23 jogadores da seleção na Euro 2016, nenhum atua no próprio país.
E, desde então, a história do futebol na Islândia passou a dar passos cada vez mais largos. Em 2009, o país disputou sua primeira grande competição oficial, a Eurocopa feminina na Finlândia, e depois repetiu a dose em 2013, na Suécia. Em 2014, a seleção masculina foi para a repescagem das Eliminatórias da Copa do Mundo no Brasil, mas acabou perdendo para a Croácia. Em 2015, a consagração veio com a vaga para a Euro 2016, tirando ninguém menos do que a Holanda do torneio. E o resto é história.
O que acontece com o futebol islandês é uma mistura de trabalho duro e planejamento com um pouco de sorte. Eiður Guðjohnsen, ídolo islandês com passagem por Chelsea e Barça, atestou ao Reykjavík Grapevine: “Hesito em dizer, mas eles (a seleção atual) são a nossa geração de ouro. Eles estão juntos há muito tempo. É a primeira geração que teve os campos cobertos e que joga desde jovem no exterior. Eles também contam com a experiência (do técnico) Lars Lagarbäck. É a combinação que estávamos esperando.”
Comentários